Alexandre vota para fixar parâmetros para diferenciar uso e tráfico de drogas
2 de agosto de 2023, 18h55
É preciso haver tratamento isonômico quanto à aplicação da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) para garantir que a diferenciação entre usuários e traficantes não se dê segundo características como idade, condição econômica, cor da pele e grau de instrução da pessoa abordada, e sim com relação à quantidade de entorpecente apreendida e às condições envolvendo o flagrante.
Com base nesse entendimento, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, votou por fixar parâmetros mais claros para diferenciar usuários de maconha e traficantes. O ministro propôs tese segundo a qual devem ser presumidos como usuário aquele que guardar, adquirir, ter em depósito, transportar ou trazer consigo de 25 a 60 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas.
Depois da manifestação de Alexandre, o relator, ministro Gilmar Mendes, pediu mais tempo para analisar os votos, mas prometeu liberar o processo nos próximos dias. Rosa Weber, presidente da Corte, não definiu data para a retomada do julgamento, mas disse que irá adaptar a agenda do tribunal para quando Gilmar liberar o caso.
O voto de Alexandre foi dado no Recurso Extraordinário 635.659, que discute a descriminalização do porte para uso próprio. O tribunal analisa o crime previsto no artigo 28 da Lei de Drogas, que fixa penas para quem "adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização".
Em tese, as penas previstas na norma não deveriam levar à prisão, mas, no máximo, às demais consequências de um processo penal. Na prática, no entanto, a falta de distinção clara pode fazer — e tem feito — com que usuários sejam classificados como traficantes, ficando sujeitos a penas privativas de liberdade.
Alexandre trouxe um denso voto sobre o assunto, baseado principalmente em estudo feito pela Associação Brasileira de Jurimetria. O levantamento conclui, por exemplo, que jovens, negros e analfabetos são considerados traficantes com maior frequência, mesmo quando presos com quantidade de droga inferior à apreendida com pessoas acima dos 30 anos, brancas e com ensino superior.
Pessoas analfabetas, por exemplo, são consideradas traficantes quando presas com uma média de 32 gramas de maconha, enquanto a média para pessoas com ensino superior é de 49 gramas.
Alexandre também destacou que a falta de parâmetros mais claros para diferenciar usuários e traficantes levou a uma discricionaridade "exagerada" das autoridades policiais, do Ministério Público e do Judiciário.
"Triplicou-se em seis anos o número de presos por tráfico de drogas, mas não triplicamos o número de presos brancos, com mais de 30 anos e ensino superior, e sim o de pretos e pardos sem instrução e jovens. É preciso garantir a aplicação isonômica da Lei de Drogas para evitar que, em virtude de nível de instrução, idade, condição econômica e cor da pele você possa portar mais ou menos maconha", disse o ministro.
Para Alexandre, a quantidade é um critério importante, mas não o único. De acordo com o ministro, outros pontos devem ser considerados na hora de diferenciar o usuário do traficante, como as condições observadas no momento da prisão (se a pessoa foi pega vendendo), se itens como balança e cadernos de anotação indicam que o abordado é traficante, entre outros.
Segundo o ministro, a quantidade, nos casos envolvendo baixa quantidade de droga, cria apenas uma "presunção relativa", não servido, sozinha, para qualificar tráfico ou uso.
"Em muitos flagrantes, o único elemento descritivo é a quantidade e o testemunho da autoridade policial. É preciso que isso seja mais bem trabalhado e que se analise outros fatos, como a apreensão de instrumentos como celulares e balanças e as circunstâncias de apreensão", disse.
O ministro propôs a seguinte tese de repercussão geral:
1) Não tipifica o crime previsto no artigo 28 da Lei 11.343/2006 a conduta de adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo pessoal, a substância entorpecente maconha, mesmo sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar;
2) Nos termos do parágrafo 2º do artigo 28 da Lei 11.343/2006, será presumido usuário aquele que adquirir guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo de 25 a 60 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas;
3) A presunção do item anterior é relativa, não estando a autoridade policial e seus agentes impedidos de realizar a prisão em flagrante por tráfico de drogas quando a quantidade de maconha for inferior à prevista no item 2, desde que, de maneira fundamentada, comprove a presença de outros critérios caracterizadores do tráfico de entorpecentes;
4) Nas hipóteses de prisão em flagrante por quantidades inferiores à fixada no item 2, para afastar a presunção relativa na audiência de custódia a autoridade judicial, de maneira fundamentada, deverá justificar a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva e a manutenção da persecução penal apontando obrigatoriamente outros critérios caracterizadores do tráfico de entorpecentes, tais como a forma de acondicionamento, a diversidade de entorpecentes, a apreensão de outros instrumentos, como balanças, cadernos de anotação, celulares com contato de compra e venda, locais e circunstâncias de apreensão, entre outras características que possam auxiliar na tipificação do tráfico;
5) Nas hipóteses de prisão em flagrante por quantidades superiores às fixadas no item 2, na audiência de custódia, a autoridade judicial deverá permitir ao suspeito a comprovação de tratar-se de usuário.
Julgamento
Além de Alexandre de Moraes, três ministros votaram antes de o caso ser paralisado, em 2015. Relator, Gilmar Mendes propôs que a posse de quaisquer drogas para uso pessoal não seja considerada crime, sob pena de ofensa à privacidade e à intimidade do usuário.
O ministro citou que a inclusão do artigo 28 na Lei 11.343/2006 causa estigmatização e neutraliza os objetivos expressamente definidos no sistema nacional de políticas sobre drogas em relação a usuários e dependentes, no sentido de redução de danos e de prevenção de riscos.
Os ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin votaram pela descriminalização da posse apenas de maconha. A postura proposta foi de autocontenção, para que a atuação não corra o risco de conduzir a intervenções judiciais desproporcionais.
O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Teori Zavascki, em setembro de 2015. Em 2017, ele morreu em um acidente de avião. Seu sucessor na cadeira, o ministro Alexandre de Moraes, liberou o voto-vista em 2018 e, desde então o caso estava na fila de julgamentos.
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RE 635.659
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