Opinião

Desconsideração da personalidade jurídica na execução trabalhista

Autores

  • Paulo Mário Reis Medeiros

    é advogado sócio fundador do escritório Medeiros Kappaun & Jaques advogados especialista em negociações e contencioso judicial pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC).

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  • Paulo Victor Pinheiro Alves Habib

    é advogado associado do escritório Medeiros Kappaun & Jaques advogados pós-graduado em Direito Privado pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Candido Mendes (Ucam) e mestre em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP).

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12 de abril de 2023, 19h37

O STF (Supremo Tribunal Federal) se debruçará sobre a (im)possibilidade de inclusão de empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico na fase de execução trabalhista e o artigo 513, §5º do CPC.

Em 9 de setembro de 2022 o plenário virtual da Corte Suprema, por maioria, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada no leading case RE 1387795 em que se discute: "à luz dos artigos 5º, II, LIV e LV, 97 e 170 da Constituição, acerca da possibilidade da inclusão, no polo passivo de execução trabalhista, de pessoa jurídica reconhecida como do grupo econômico, sem ter participado da fase de conhecimento, em alegado afastamento do artigo 513, §5º, do CPC, em violação à Súmula Vinculante 10, e, ainda, independente de instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica (artigos 133 a 137 e 795, §4º, do CPC)".

O caso representativo de controvérsia refere-se a empresa incluída no polo passivo da execução no qual alega que não pode ser responsabilizada por dívida da devedora principal sem a prévia instauração do incidente de personalidade jurídica e que o reconhecimento do grupo econômico pela mera existência de sócio comum não encontra amparo na previsão do §2º do artigo 2º da CLT.

Também alegou que, mesmo admitida a configuração do grupo econômico, não poderia constar no polo passivo da execução sem ter participado da relação processual na fase de conhecimento.

A matéria não é nova no âmbito do STF, além de ser matéria da ADPF 488, cujo julgamento se encontra suspenso por pedido de vista, também é objeto da ADPF 951 que também aguarda julgamento.

As turmas do Supremo têm entendimentos divergentes sobre a questão. A 2º Turma entende que o cumprimento da sentença não pode ser promovido contra aquele que não tiver participado da fase conhecimento (Rcl 49.974  na qual se alegou violação a súmula vinculante nº 10 do STF que determina que para o afastamento de dispositivo legal  artigo 513, §5º, do CPC  deve ser observada a cláusula de reserva de plenário). Já a 1ª Turma, a seu turno, entende válido o reconhecimento de responsabilidade solidária por empresa que compõe o mesmo grupo econômico (Rcl 51.753).

Por sua vez, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) suspendeu o trâmite de todos os processos pendentes até a decisão de afetação ou julgamento da matéria pela Suprema Corte, nos moldes do artigo 1.036, §1º, do CPC, outrossim, reconsiderou a decisão em relação à determinação de suspensão de todos os processos sobre a mesma matéria, deixando a decisão a critério do ministro relator no âmbito do STF, caso o recurso extraordinário fosse admitido.

A relatoria ficou com o ministro Dias Toffoli, que ainda não se pronunciou especificamente sobre a suspensão dos processos pendentes que tratem da mesma matéria, enviando os autos à PGR (Procuradoria Geral da República) para manifestação, a qual aguarda-se desde 8/11/2022.

A controvérsia levada a Corte máxima cinge-se, principalmente, pela utilização do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, seja na modalidade convencional ou inversa, como substituto do pedido de reconhecimento de grupo econômico na fase de conhecimento do processo.

Com o advento do CPC/2015 ocorreu a regulamentação do chamado "incidente de desconsideração da personalidade jurídica" (IDPJ), o qual, a rigor, criou uma demanda autônoma, com a inclusão de novas partes  as quais serão citadas e não intimadas (artigo 135)  com a expressa determinação de suspensão do processo originário (artigo 134, §3º), com a possibilidade de, caso necessário, uma etapa instrutória (artigo 136), momento em que os sócios e interessados poderão demonstrar a ausência dos pressupostos legais para a desconsideração da personalidade jurídica.

A míngua de regramento próprio, o CPC norteará o incidente de desconsideração da personalidade jurídica em qualquer seara judicial (tributária, trabalhista, penal etc.  artigo 15 do CPC). Explicitado o regramento e o procedimento do IDPJ, cabe esclarecer quais os requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica.

O ordenamento jurídico brasileiro adotou, como regra, a Teoria Maior [1] da desconsideração da personalidade jurídica, cujo reflexo se verifica no artigo 50 do Código Civil: "Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso". (redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019).

A referida lei modificadora definiu ainda que o conceito de desvio de finalidade resta caracterizado com a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. Conceituou, ainda, que a confusão patrimonial é caracterizada por cumprimento repetitivo da sociedade de obrigações do sócio ou do administrador, transferência de ativos ou passivos sem efetiva contraprestação e outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

Por fim, prescreveu que a mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos acima não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

De outro lado, temos a Teoria menor prevista pelo artigo 28, parágrafo 5º, do Código de Defesa do Consumidor, segundo a qual poderá ser desconsiderada a personalidade quando ela for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados ao consumidor.

Esta teoria não exige prova da fraude, do abuso de direito ou de confusão patrimonial. Portanto, basta a demonstração do estado de insolvência do fornecedor ou do fato de a personalidade jurídica representar um obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados para que ocorra a desconsideração.

Na seara trabalhista não há dispositivo legal que abarque o assunto, contudo faz uso da analogia ao disposto no artigo 28 do CDC. Porém, a aplicabilidade da desconsideração na seara trabalhista se mostra divergente quanto aos outros ramos do direito. O instituto da desconsideração na esfera consumerista não é tão banalizado como ocorre na justiça trabalhista que acaba distorcendo o instituto sem respeitar princípios da ampla defesa e o contraditório.

Além do mais, a jurisprudência trabalhista sequer erigiu critérios mínimos para nortear os magistrados sobre qual teoria usar, assim a aplicação das duas vertentes teóricas acaba sendo uma loteria, a depender do magistrado.

Ainda, dentro da desconsideração da personalidade jurídica da empresa existem duas modalidades: desconsideração comum e a inversa ou invertida. Esta última torna possível responsabilizar a empresa pelas dívidas contraídas por seus sócios e tem como requisito o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou a confusão patrimonial (CPC, artigo 133, § 2º; CC, artigo 50).

Conforme dito, na seara trabalhista, o instituto do IDPJ é rotineiramente aplicado adotando-se a disciplina do Direito do Consumidor entendendo  de forma preponderante  que a mera insolvência da pessoa jurídica autoriza o redirecionamento, muitas vezes sem a instauração do IDPJ, da execução para a pessoa física do sócio ou vice-versa (IDPJ inverso).

Mesmo com a Lei 13.467/2017 (reforma trabalhista) introduzindo o artigo 855-A na CLT, que reproduziu a alteração trazida pelo CPC/2015, o procedimento muitas vezes não é seguido pelos julgadores que, não raro, em fase de execução incluem terceiros estranhos a lide sem a devida citação e sem o preenchimento dos requisitos necessários até para o pedido de reconhecimento de grupo econômico.

Entretanto, a discussão que chegou ao STF ultrapassa a mera análise sobre a correta observância dos procedimentos previstos em lei para o IDPJ na seara trabalhista. A controvérsia traz a lume outra rotineira atecnicidade observada na Justiça do Trabalho, qual seja, o uso do IDPJ como substituto de pedido de reconhecimento de grupo econômico na fase de execução do título judicial.

Comumente é observado que na fase de execução de sentenças trabalhistas a parte reclamante intenta o IDPJ, quando não solicita o redirecionamento puro e simples, em face de pessoa jurídica diversa alegando que pertence ao grupo econômico da devedora principal.

Como sabido, o artigo 513, §5º, do CPC veda a inclusão de terceiro que não participou da fase de conhecimento na execução e isto não é um impeditivo ao IDPJ que pode ser intentado em qualquer fase processual, mas sim que, o terceiro que não seria atingindo pela desconsideração da personalidade jurídica da empresa devedora (teoria maior), seja chamado a responder pela dívida de outrem por argumentos que se prestam a justificar o pedido de reconhecimento de grupo econômico.

O artigo 2º, §3º, da CLT dispõe que: "Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes".

Mesmo que os pressupostos para caracterização de grupo econômico não tenham sido preenchidos, no IDPJ utilizado como substituto do pedido de reconhecimento de grupo econômico, os julgadores têm utilizado, indevidamente, da teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica para atingir qualquer empresa ou pessoa física em prol da satisfação do crédito trabalhista pela simples identidade de um único sócio, sem levar em conta os demais aspectos do artigo 2º, §3º, da CLT.

A medida além de causar incertezas e insegurança jurídica, transborda para declaração oblíqua de inconstitucionalidade do artigo 513, §5º e afronta a SV nº 10 do STF, trata-se de uma verdadeira miscelânea jurídica que cria uma legislação alienígena e à parte do sistema jurídico positivado na justiça trabalhista.

Apesar de ser atividade comum na Justiça do Trabalho, o ato de se imiscuir em atividade legiferante, a prática vem sendo criticada pelo próprio Supremo, confira-se a ADPF 501:

"EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. CONSTITUCIONAL E TRABALHISTA. SÚMULA 450 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. PAGAMENTO DA REMUNERAÇÃO DE FÉRIAS EM DOBRO QUANDO ULTRAPASSADO O PRAZO DO ARTIGO 145 DA CLT. IMPOSSIBILIDADE DE O PODER JUDICIÁRIO ATUAR COMO LEGISLADOR POSITIVO. AUSÊNCIA DE LACUNA. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DE NORMA SANCIONADORA. OFENSA À SEPARAÇÃO DE PODERES E AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. PROCEDÊNCIA."

Na ocasião, o relator ministro Alexandre de Moraes frisou sobre a impossibilidade de atuação do Poder Judiciário como legislador positivo, de modo a ampliar o âmbito de incidência de sanção já prevista em lei, ressaltou, ainda, a ausência de lacuna justificadora da construção jurisprudencial analógica e a necessidade de interpretação restritiva de normas sancionadoras, além do mais, asseverou sobre a proibição da criação de obrigações não previstas em lei por súmulas e outros enunciados jurisprudenciais editados pelo TST e pelos TRTs (Tribunais Regionais do Trabalho).

O posicionamento adotado pela Corte poderá ser reprisado no julgamento do Tema 1.232, estabelecendo critérios mínimos para a aplicação da teoria maior e menor da desconsideração da personalidade jurídica em conjunto com a aplicação do IDPJ em fase executiva e sua harmonia com artigo 513, §5º, do CPC, preservando ainda os limites subjetivos da coisa julgada que, por óbvio, são ampliados através da desconsideração da personalidade jurídica.


[1] O nascimento do instituto se deu em 1897 na Inglaterra com o famoso caso Salomon vs Salomon & Co Ltda., e foi disseminado por vários países do mundo principalmente nos Estados Unidos, chegando ao Brasil primeiramente através da doutrina pelo professor Rubens Requião na década de 60, posteriormente pela jurisprudência e em seguida pela Lei.

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  • é advogado, sócio fundador do escritório Medeiros, Kappaun & Jaques advogados, especialista em negociações e contencioso judicial pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC).

  • é advogado associado do escritório Medeiros, Kappaun & Jaques advogados, pós-graduado em Direito Privado pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Candido Mendes (Ucam) e mestre em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP).

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