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TJ-SP julga conflito de competência no processo de compra da Eldorado

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11 de abril de 2023, 14h27

O Tribunal de Justiça de São Paulo deve julgar nesta quarta-feira (12/4) um conflito de competência no processo que envolve a compra da Eldorado Celulose — uma das maiores disputas da história do Judiciário brasileiro. O seu roteiro mistura ações ilegais de espionagem, uma arbitragem fraudada e pesadas manobras de bastidores que juntaram desde o ex-governador João Doria até o ex-presidente Michel Temer.

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Processo de compra da Eldorado
Celulose será julgado pela corte paulista

A J&F Investimentos vendeu 49,41% da Eldorado para a Paper Excellence (PE) em 2017, por R$ 3,8 bilhões. O contrato incluía a opção de compra da empresa toda, por R$ 15 bilhões, válida por um ano. A multinacional só poderia adquirir o restante das ações, 50,59%, depois de assumir as dívidas da empresa.

Esgotado o prazo, em 2018, a Paper não havia liberado as garantias (ativos da J&F que lastreavam os empréstimos feitos para a estruturação da Eldorado). Pouco antes, sem perspectiva de conseguir o dinheiro para a operação, a Paper entra na Justiça para pedir o controle imediato da Eldorado e prazo indeterminado para quitar a compra. O juiz, então, percebendo a artimanha nada ortodoxa, negou os pedidos da Paper.

O fundamento do contrato era absolutamente claro e direto: "Se todos esses instrumentos exigidos para obter a liberação de garantias dos vendedores não forem celebrados até a data limite, os vendedores não serão obrigados e passarão a ter o direito de rescindir o presente contrato". E repetia: "Para evitar dúvida, a vendedora não deverá ser obrigada a consumar a segunda compra antes da liberação de garantias dos vendedores ter sido concluída".

Com o contrato vencido e descumprido, a Paper pede o início de arbitragem, em setembro de 2018. O seu pedido: os vendedores teriam de entregar a Eldorado, sem que ela, Paper, precisasse cumprir suas obrigações contratuais no prazo estabelecido. Em julho de 2019, o tribunal arbitral determinou que a Paper depositasse em juízo o valor necessário para a conclusão do negócio. Depois de tentar reduzir o valor da transação por duas vezes, o grupo indonésio admitiu que não tinha o dinheiro. Só cinco meses depois — mais de um ano do prazo limite para o exercício da opção de compra — a Paper levanta um empréstimo bilionário e finalmente faz o depósito.

A partir desse momento, o cenário tornou-se o de uma fantasia. O contrato, claramente, estabelecia o prazo de um ano para que o comprador assumisse as dívidas e exercesse a opção de compra. Ao deixar de pagar no prazo, o contrato foi extinto e o trato, automaticamente, perdeu a validade quanto aos 50,59%. O que se discute a partir daí é pura ficção.

Para espanto do mercado, a disputa seria vencida pela PE, em fevereiro de 2021. O trio de árbitros entendeu que a J&F e a Eldorado agiram de má-fé. Mais tarde, descobriu-se que os três árbitros que decidiram o caso haviam escondido seus vínculos com os advogados da Paper. Ou seja, violaram o dever de revelação, o que anula qualquer arbitragem em qualquer parte do mundo.

Espionagem
Ao longo de todo o processo arbitral, a Paper Excellence utilizou diversas táticas questionáveis e ilegais, chegando a espionar toda a comunicação entre a J&F e todos os escritórios de advocacia e testemunhas do caso, por meio da invasão de um servidor de e-mail do grupo. A J&F denunciou isso ao tribunal arbitral (que nada fez) e à polícia, que investigou e confirmou a espionagem.

Dois hackers confessaram à polícia terem invadido os computadores da J&F, por encomenda de uma ex-diretora da Kroll, que recebeu mais de R$ 4 milhões da PE. Um laudo pericial no servidor da J&F comprovou o hackeamento. A PE confessou ter contratado a trupe, mas alega que os serviços foram lícitos. A polícia pediu a denúncia dos executivos da Paper Excellence. Não por coincidência, no dia seguinte, o procurador-geral do MP em São Paulo, Mario Sarrubbo, foi passar o fim de semana na mansão de João Doria, lobista da PE, em Campos do Jordão. Ato contínuo, o MP decidiu ignorar as provas policiais e não apresentou denúncia. Ainda há inquéritos em andamento, inclusive a pedido do Ministério Público Federal.

Laboratório de manobras
A juíza que julgou a ação anulatória da arbitragem, Renata Maciel, da 2ª Vara Empresarial e de Conflitos de Arbitragem, no fim de julho de 2022 atendeu a todos os pedidos da Paper Excellence e foi além. Ela desconsiderou as provas produzidas pela polícia sobre a espionagem e alegou que o conflito de interesse na arbitragem não comprometeu a decisão. Na prática, a juíza refez toda a arbitragem e decidiu que o grupo indonésio deveria assumir a posse da Eldorado.

A J&F recorreu da decisão da juíza de primeiro grau e o caso agora está na segunda instância, onde o processo está suspenso devido à existência de um conflito de competência gerado por recursos recorrentes da própria PE. Ainda assim, o desembargador Franco de Godói, sem que o colegiado tenha apreciado as razões da apelação, determinou a transferência da empresa em três oportunidades.

A conclusão do processo entre as duas empresas vem sendo postergada sucessivas vezes por recursos e desistências da empresa estrangeira, na tentativa de escolher o desembargador que mais lhe agrade para relatar o caso.

Enquanto a Justiça de São Paulo decide se contratos precisam ser cumpridos e se conflitos de interesse ofendem arbitragens, a Eldorado tem prosperado. A empresa, sob gestão da J&F, teve em 2022 seu melhor ano na história, com recordes de produção, receita, geração de caixa e lucro líquido.

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