Opinião

Advocacia Pública e legitimidade nas ações de improbidade na visão do STF

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  • é procurador do Estado do Paraná. Doutor e mestre em Direito pela USP (Universidade de São Paulo) e pela Universidade de Salamanca (ESP). Pós-doutor em História pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo. Diretor de Estudos Jurídicos da Apep (Associação dos Procuradores do Estado do Paraná) membro da Comissão da Advocacia Pública da OAB-PR e professor de cursos de pós-graduação.

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5 de abril de 2023, 6h03

No final de fevereiro de 2022, foram publicados os acórdãos referentes às ações direta de inconstitucionalidade (ADIs 7.042 e 7.043) ajuizadas pela Anape (Associação Nacional dos Procuradores dos estados e do Distrito Federal e pela Anafe (Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais) que, dentre as teses jurídicas consagradas pelo plenário do STF (Supremo Tribunal Federal), destacaram a "legitimidade ativa concorrente e disjuntiva entre o Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por ato de improbidade administrativa e para a celebração de acordos de não persecução civil".

A Lei 8.429/1992, desde sua origem, previa a legitimidade concorrente das pessoas jurídicas interessadas (lesadas) em conjunto com o Ministério Público para a propositura de ação de improbidade, em resguardo e plena defesa do patrimônio público e dos princípios de conotação ética e moral que, intuitivamente, devem guarnecer a Administração Pública.

Com a edição da Lei 14.230/2021, a redação do artigo 17 do diploma federal de 1992 foi alterada para consagrar a legitimidade exclusiva do Ministério Público para o ajuizamento da ação de improbidade administrativa.

Do voto do ministro Alexandre de Morais, extraem-se ponderações importantes para a promoção da defesa da probidade pública tendente a uma maior efetividade na repressão de condutas que ensejem enriquecimento ilícito, lesão ao erário público e aos princípios da administração pública, contudo, a mais importante consequência do julgamento consiste no restabelecimento da legitimidade para a proposição das ações de improbidade pela União, estados, Distrito Federal e municípios, por meio de seus órgãos de representação judicial corporificados na Advocacia Pública.

Como a redação original da lei de improbidade tratava de "pessoa jurídica interessada", além da compreensão de se referir àquela efetivamente lesada, como não se especificou no texto legal a exclusividade da legitimidade para as pessoas jurídicas de direito público, o STJ (Superior Tribunal de Justiça), recentemente, reconheceu legitimidade inclusive a pessoas jurídicas de direito privado, como empresas públicas e sociedades de economia mista[1].

A reforma promovida na lei de improbidade administrativa deixou claro que a ação em questão não é uma ação de índole penal, tanto que em seu artigo 17, na redação atual, expressamente se consignou que o procedimento adotado será o comum, previsto no Código de Processo Civil, de 2015, com exceção das peculiaridades dispostas na própria Lei 8.429/1992 e as alterações da Lei 14.230/2021.

Essa constatação, reforça o entendimento de que a titularidade para a proposição da ação não deve ser exclusiva do Ministério Público, pois, realmente, não deveria existir essa restrição na legitimação, uma vez que mesmo nas ações penais públicas incondicionadas é possível o ingresso da ação penal privada subsidiária da pública pelo ofendido em certas circunstâncias.

A diferença propriamente dita entre as mencionadas ações consiste em que na ação de improbidade a legitimidade é concorrente e disjuntiva da pessoa jurídica[2] lesada com o MP e não subsidiária, como na esfera criminal, o que pressuporia, por consequência, uma inércia do parquet para a autorização legal do ingresso da ação penal pelo ofendido[3], sendo que, neste último caso, sequer se permite, na fase pré-processual, recurso da vítima na hipótese de solicitação de arquivamento do inquérito policial por requerimento do órgão ministerial[4].

Diante da importância do bem jurídico tutelado nas ações de improbidade administrativa em que a vítima acaba sendo toda a sociedade, na medida em que atinge diretamente as pessoas jurídicas integrantes da Administração Pública e indiretamente a população, o sistema de proteção necessita ser o mais efetivo possível e uma das formas de promover a ampliação da tutela consiste no estabelecimento de uma pluralidade de legitimados, sobretudo incluindo o maior interessado no caso em questão, o próprio ente público lesado, como ponderado pelo STF.

Essa postura processual também aproxima as ações de improbidade das ações civis públicas para a defesa de direitos difusos e coletivos, que, no melhor interesse da preservação dos  direitos metaindividuais, a legislação de regência apresenta um rol de legitimados concorrentes e disjuntivos para o ajuizamento da demanda em prol justamente da defesa desses interesses de maior envergadura.

Na apreciação da situação no âmbito do STF, ponderou-se, de maneira abalizada, que a legitimação do Ministério Público é extraordinária, baseada no artigo 129, III, da CF, enquanto a legitimidade da pessoa jurídica lesada é ordinária, com fundamento no amplo acesso à Justiça insculpido no artigo 5º, XXXV e na competência comum da União, dos estados, do DF e dos municípios em "zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público", estabelecida no artigo 23, I, da CF.

Ademais, o princípio da eficiência, previsto no artigo 37 da CF, em associação ao preconizado no artigo 129, § 1º, da CF, ao destacar que "a legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei", demonstra que a melhor postura para a defesa da ética e moral pública, por meio da ação de improbidade administrativa, consiste na manutenção da legitimação ordinária das pessoas jurídicas lesadas para postular a adequação de conduta e a reparação aos danos.

Em seu voto, o relator ministro Alexandre de Moraes, de maneira proeminente, destacou a atuação da Advocacia Pública enquanto órgão representante das pessoas jurídicas lesadas para postular o respeito à legalidade e à moralidade, coibindo o desvio de finalidade dos atos administrativos, ao defender o patrimônio em uma acepção ampla, englobando a questão ética e moral.

Ao ressaltar a necessidade de manutenção da legitimidade das pessoas jurídicas lesadas, o ministro Alexandre observa, de maneira perspicaz, que "o cidadão, o eleitor, pode entrar com ação popular, o Ministério Público com ação civil, e a Advocacia Pública, em defesa do ente federativo, com nada", caso se mantivesse a exclusão de sua legitimidade por meio da Lei 14.230/2021.

A defesa da probidade administrativa será mais segura e eficaz com a pluralidade de legitimados para postular a tutela do interesse público, sendo evidente que as pessoas jurídicas de direito público, por meio do exercício da prerrogativa da autotutela dos atos administrativos e do próprio poder de polícia administrativo, apresentam um imenso potencial para auxiliar com a colheita de prova e demais elementos instrutórios para que eventual ação ajuizada, respeitado os princípios da ampla defesa e do contraditório, permitam de forma efetiva o restabelecimento dos bens jurídicos lesionados por conduta improba dos agentes públicos e particulares em prejuízo da Administração Pública Direta e Indireta, dentro dos limites e parâmetros da lei.

Diante desse contexto, o Pretório Excelso foi sensível aos anseios da primazia da defesa dos interesses da sociedade, corrigindo a distorção criada pela alteração legislativa ilegítima  e, por conseguinte, permitindo a manutenção da tutela do patrimônio público em sua acepção mais ampla, o que ensejará, com razoabilidade e proporcionalidade, uma atuação judicial escorreita dos órgãos de representação judicial da Administração Pública figurando no polo ativo dessas ações individualmente ou em conjunto com o Ministério Público em colaboração interinstitucional.


[1] AgInt no TP n. 3.489/PR, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 28/11/2022, DJe de 13/12/2022.

[2] AgInt nos EDcl no REsp n. 1.748.442/PR, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 27/9/2021, DJe de 8/10/2021.

[3] AgRg no AREsp n. 1.049.105/DF, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 18/10/2018, DJe de 19/11/2018 e AgRg no RMS n. 51.404/SP, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 14/5/2019, DJe de 20/5/2019.

[4] AgRg no AREsp n. 1.161.648/RS, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 15/3/2018, DJe de 23/3/2018.

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  • é procurador do Estado do Paraná. Doutor em Direito pela USP (Universidade de São Paulo) e pela Universidade de Salamanca. Pós-doutor em História pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo.

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