Processo Tributário

Mandado de segurança e efeitos patrimoniais pretéritos (parte 2)

Autores

  • Danilo Monteiro de Castro

    é advogado doutor e mestre em Direito Tributário pela PUC-SP professor do Ibet juiz do TIT-SP pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet e integrante do grupo de trabalho de Direito Processual Tributário do IBDP.

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  • Vanessa Damasceno Rosa Spina

    é advogada especialista em Direito Tributário pelo Ibet mestranda em Direito Tributário pela FGV pesquisadora do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.

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2 de abril de 2023, 8h00

Em nossas primeiras reflexões sobre os efeitos patrimoniais em mandado de segurança em matéria tributária [1], abordamos a possibilidade de a sentença decorrente deste tipo de ação viabilizar o pedido de compensação no âmbito administrativo.

Enaltecemos a Súmula 461 do STJ por representar um avanço no reconhecimento de que uma sentença declaratória esteja apta a embasar o pedido administrativo de compensação. Contudo, à época da elaboração daquele primeiro artigo, pendia de publicação o acórdão dos embargos de divergência em recurso especial 1.770.495/RS [2], por meio do qual a 1ª Seção, seguindo o posicionamento firmado pela 1ª Turma, admitiu que o mandado de segurança pode ser utilizado para viabilizar a declaração do direito à compensação do crédito tributário de períodos pretéritos (não abrangidos pela prescrição), sem que isso equivalha a ação de cobrança (súmulas 269 e 271 do STF).

Com a íntegra em mãos pudemos compreender, com mais precisão, o alcance que o Superior Tribunal de Justiça tem dado ao tema, em especial os pontos de conflito presentes nos votos lá postos, além de podermos compatibilizar nossas ideias iniciais àquilo que foi reforçado pela corte de Justiça.

O pressuposto anteriormente adotado parece incontroverso, qual seja, o de que a sentença que reconhece a exigibilidade da obrigação é título executivo judicial, conforme previsão expressa do artigo 515, I [3] do CPC, espécie na qual a sentença proferida no mandado de segurança que reconhece o direito à compensação se enquadra.

Mas é necessário ir além: apenas a compensação pode ser viabilizada por meio do mandado de segurança ou a figura da restituição também se mostra possível por esse tipo de ação?

Quando há, em mandado de segurança, o reconhecimento de que a exigibilidade de determinado tributo está comprometida por alguma ilegalidade ou inconstitucionalidade, é possível, se houver pedido para tanto, que tal declaração não impacte apenas o futuro como, também, o passado (viés condenatório, ainda que indireto). A sentença com esse conteúdo reconhece, a um só tempo, a inexigibilidade futura da exação e o caráter de indevido daquilo que foi pago no passado [4].

Ou seja, o efeito patrimonial pretérito no mandado de segurança voltado ao direito de compensação é inerente à própria declaração de inexigibilidade da obrigação tributária, não se podendo "demonizar" tal aspecto, pois isso poderia acabar levando ao raciocínio de que não seria viável a discussão quanto à exigibilidade de obrigação tributária já quitada por meio deste tipo de ação, o que evidentemente não encontra amparo nem na legislação, tanto que a jurisprudência assim reconhece consoante o que está estampado na Súmula 213 [5] do STJ [6].

Pois bem, a partir da declaração firmada na sentença que reconhece a inexigibilidade da obrigação tributária, é inegável que os valores recolhidos nos últimos cinco anos [7] podem ser objeto de restituição, pois acrescidos do caráter de indevido, enquadrando-se, a partir de então, na possibilidade prevista no artigo 165 do CTN.

A restituição do indébito tributário, contudo, é gênero do qual restituição stricto sensu (recomposição patrimonial em pecúnia) e compensação [8] são espécies. Em sendo assim, é quase intuitivo pensar que, uma vez declarada a inexigibilidade da obrigação em relação ao que foi recolhido no passado, pode o contribuinte escolher a forma que melhor lhe convier de obter de volta aquilo que foi pago indevidamente, tal como asseguram os julgados que culminaram na já mencionada Súmula 461 do STJ.

Essa é, contudo, mais uma face da discussão em torno do tema dos efeitos patrimoniais pretéritos em mandado de segurança, dada a resistência existente em se admitir que o contribuinte pode escolher entre a restituição stricto sensu ou a compensação (qualquer um deles realizados administrativamente) ou, ainda, a restituição via precatório [9].

Ao analisar a viabilidade da sentença em mandado de segurança declarar o direito à compensação, o ministro Gurgel de Faria, no julgamento do EREsp 1.770.494, adotou como premissa o fato de que a compensação não implica efeitos patrimoniais pretéritos, pois a compensação será realizada no futuro, por meio do encontro de contas a ocorrer somente depois do trânsito em julgado [10].

Embora entendamos que o efeito patrimonial é inerente à sentença posta em mandado de segurança neste específico cenário — e nenhum problema há nisso, como já afirmado — o raciocínio utilizado na referida decisão afastou-se desta controvérsia, gerando a seguinte dúvida: apenas a compensação é possível ou outras formas de restituição também o são?

Para nós, esse mesmo raciocínio (a compensação será realizada no futuro, depois do trânsito em julgado, por meio do encontro de contas, inexistindo efeito patrimonial pretérito) pode ser aplicado ao pedido administrativo de restituição, pois ele também se consagra no futuro, após o trânsito em julgado da sentença e passa pelo crivo da fiscalização quanto aos valores a serem devolvidos.

Essa hipótese não destoa, portanto, da compensação administrativa que supõe o reconhecimento do montante do indébito apurado e requerido pelo contribuinte.

Isso porque, a sentença que declara o direito à compensação em matéria tributária não faz outra coisa senão (1) reconhecer o indébito tributário — cujo valor será apurado administrativamente — e, ao mesmo tempo, (2) permitir utilizar o montante do crédito reconhecido para extinção de débitos futuros do contribuinte.

Fato é que há julgados, da 1ª Turma do STJ, reconhecendo que restituição stricto sensu e compensação são ambas formas de ver devolvido o indébito objeto de sentença que declara a inexigibilidade do tributo em mandado de segurança, como se pode verificar pela recente decisão proferida nos autos do REsp nº 1.951.855, (ressaltando-se que as normas ali analisadas foram apenas as de âmbito federal):

"(…)10. A leitura dos dispositivos transcritos revela que a devolução do indébito tributário foi instituído de forma plena e objetiva, podendo ocorrer de duas formas: pela restituição do valor recolhido, isto é, quando o contribuinte se dirige à autoridade da Receita Federal do Brasil e apresenta pedido administrativo de ressarcimento do que foi pago indevidamente ou a maior, ou mediante compensação tributária, na qual o crédito reconhecido é utilizado para quitação de débitos vincendos de quaisquer tributos ou contribuições administrados pela Receita Federal do Brasil, após o trânsito em julgado da decisão judicial.

11. Assim, o contribuinte tem direito tanto à compensação quanto à restituição de tributo recolhido a maior através do competente procedimento administrativo, regulado pela Receita Federal do Brasil, não havendo qualquer restrição vinculada à forma de reconhecimento do crédito – administrativa ou decorrente de decisão judicial proferida na via mandamental, para a operacionalização da devolução do indébito.

12. Vale ressaltar que o ente fazendário vem alegando que a pretensão de devolução em espécie na via administrativa é incompatível com a via mandamental, invocando o enunciado da Súmula 269/STF (O mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança).

13. Ocorre que esse verbete sumular não tem aplicação ao caso concreto, no qual o contribuinte visa tão somente obter pronunciamento judicial para se declarar o direito de buscar a restituição na esfera administrativa, mediante requerimento à Administração Tributária. Ou seja, o provimento judicial buscado pela via mandamental não é condenatório, mas apenas declaratório do direito de se garantir o ressarcimento do indébito tributário, cuja natureza jurídica é semelhante ao provimento declaratório da compensabilidade dos valores indevidamente pagos, que representa uma modalidade de restituição do indébito tributário.

14. Aliás, há muito esta Corte Superior já consolidou orientação de que o mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária – Súmula 213/STJ.

15. Logo, como é viável reconhecer o mandado de segurança como ação adequada para a declaração judicial do direito à compensação tributária, de igual modo é viável a utilização do mandado de segurança para assegurar a declaração do direito à restituição do indébito da esfera administrativa."

A questão é delicada, e por isso instigante, já que o mandado de segurança por pedido de restituição do indébito na esfera administrativa pode se tornar uma via para não respeitar a "fila dos precatórios" (sistemática de pagamento dos créditos orçamentados por primeiro — artigo 100, CF/88 — o que não se tem na via administrativa), se o viés condenatório do mandamus for travestido de meramente declaratório.

Enquanto não houver uma definição, clara, de quais são os critérios para obtenção deste provimento mandamental dúplice, de cunho declaratório, mas também com nítidos efeitos condenatórios, esses problemas irão persistir.

 


[2] "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO À COMPENSAÇÃO. DECLARAÇÃO. SÚMULA 213 DO STJ. VALORES RECOLHIDOS ANTERIORMENTE À IMPETRAÇÃO NÃO ATINGIDOS PELA PRESCRIÇÃO. APROVEITAMENTO. POSSIBILIDADE. 1. O provimento alcançado em mandado de segurança que visa exclusivamente a declaração do direito à compensação tributária, nos termos da Súmula 213 do STJ, tem efeitos exclusivamente prospectivos, os quais somente serão sentidos posteriormente ao trânsito em julgado, quando da realização do efetivo encontro de contas, o qual está sujeito à fiscalização pela Administração Tributária. 2. O reconhecimento do direito à compensação de eventuais indébitos recolhidos anteriormente à impetração ainda não atingidos pela prescrição não importa em produção de efeito patrimonial pretérito, vedado pela Súmula 271 do STF, visto que não há quantificação dos créditos a compensar e, por conseguinte, provimento condenatório em desfavor da Fazenda Pública à devolução de determinado valor, o qual deverá ser calculado posteriormente pelo contribuinte e pelo fisco no âmbito administrativo segundo o direito declarado judicialmente ao impetrante. 3. Esta Corte Superior orienta que a impetração de mandado de segurança interrompe o prazo prescricional para o ajuizamento da ação de repetição de indébito, entendimento esse que, pela mesma ratio decidendi, permite concluir que tal interrupção também se opera para fins do exercício do direito à compensação declarado a ser exercido na esfera administrativa, de sorte que, quando do encontro de contas, o contribuinte poderá aproveitar o valor referente a indébitos recolhidos nos cinco anos anteriores à data da impetração. 4. Embargos de divergência providos."

[3] Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título:

I – as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa;

[4] Consideração a esse respeito foi feita de forma expressa no julgamento do EREsp n. 1.770.495: "Frise-se que da tese explicitada no julgamento do REsp 1.365.095/SP é possível depreender que o pedido de declaração do direito à compensação tributária está normalmente atrelado ao 'reconhecimento da ilegalidade ou da inconstitucionalidade da anterior exigência da exação', ou seja, aos tributos indevidamente cobrados antes da impetração, não havendo razão jurídica para que, respeitada a prescrição, esses créditos não constem do provimento declaratório".

[5] O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária.

[6] Nesse sentido ver: BUENO, Cassio Scarpinella. Mandado de segurança, restituição de indébito e cumprimento de sentença. In: As conquistas comunicacionais no direito tributário atual [Coord. Paulo de Barros Carvalho]. São Paulo : Noeses, 2022.

[7] Prazo previsto no artigo 168, I do CTN.

[8] Evidentemente que para que se possa viabilizar a compensação, é necessário que haja lei prevendo tal hipótese, como dispõe o artigo 170 do CTN e, neste texto, estamos admitindo que se está diante de tal hipótese, a fim de evitar problematizações desnecessárias.

[9] Deixaremos esse específico ponto (possibilidade, ou não, desta restituição, via precatório) para artigo futuro.

[10] "(…) Digo isso porque o provimento alcançado em mandado de segurança, que visa exclusivamente a declaração do direito à compensação tributária, nos termos da Súmula 213 do STJ ('O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária'), tem efeitos exclusivamente prospectivos, os quais somente serão sentidos posteriormente ao trânsito em julgado (art. 170-A do CTN), quando da realização do efetivo encontro de contas, o qual está sujeito à fiscalização pela Administração Tributária.

Para essa espécie de pretensão mandamental, o reconhecimento do direito à compensação de eventuais indébitos recolhidos anteriormente à impetração ainda não atingidos pela prescrição não importa em produção de efeito patrimonial pretérito, vedado pela Súmula 271 do STF, visto que não há quantificação dos créditos a compensar e, por conseguinte, provimento condenatório em desfavor da Fazenda Pública à devolução de determinado valor, o qual deverá ser calculado posteriormente pelo contribuinte e pelo fisco no âmbito administrativo segundo o direito declarado judicialmente ao impetrante. (…)"

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