Guerra nas estrelas

Gilmar propõe solução mitigada para pedir dados de provedores do exterior

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30 de setembro de 2022, 10h46

O ministro Gilmar Mendes, relator da ADC 51 no Supremo Tribunal Federal, propôs que a requisição de dados de provedores de internet com sede fora do Brasil possa ser feita de duas formas: pela via diplomática, à autoridade do país sede da empresa; ou diretamente a seus representantes no Brasil. 

O Plenário retomou nesta quinta-feira (29/9) o julgamento da ação que discute a constitucionalidade do tratado de cooperação firmado entre Brasil e Estados Unidos pra compartilhamento de dados armazenados em provedores estrangeiros, como Google, Yahoo, Facebook, WhatsApp, Telegram, entre outros. As empresas querem que os pedidos só sejam válidos se de país para país. Na prática, contudo, o índice de atendimento por essa via tem funcionado pouco.

A ação foi promovida pela Federação das Associações das Empresas de Tecnologia da Informação (Assespro Nacional), que busca validar dispositivos do Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal (MLAT, na sigla em inglês) promulgado pelo Decreto Federal 3.810/2001, para a obtenção de conteúdo de comunicação privada sob controle de provedores de aplicativos de internet sediados fora do país.

De acordo com o entendimento de tribunais inferiores, os dados somente poderiam ser obtidos por carta rogatória ou o acordo de cooperação. Ao pacificar a questão, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que o acesso a esses dados também pode se dar por decisão judicial direcionada à filial da empresa com sede ou filial no país, mesmo que elas não tenham a custódia ou o controle dos dados. O primeiro dia de julgamento no Supremo foi destinado às sustentações orais.

Na sessão desta quinta-feira (29/9), o relator Gilmar Mendes apresentou seu voto, de parcial procedência da ação. O ministro destacou que "a discussão jurídica travada no caso em tela tem sido debatida ao redor do mundo. O mote desse debate tem a ver com as dificuldades que os órgãos de persecução criminal muitas vezes enfrentam para acessar legalmente dados e conteúdos de comunicações que são armazenadas ou transportadas por provedores de aplicações de internet".

Gilmar votou pela constitucionalidade de normas previstas no MLAT e nos dispositivos dos Códigos Processuais Civil e Penal brasileiros que tratam da cooperação jurídica internacional e da emissão de cartas rogatórias, em especial nos casos em que a comunicação ou a prestação de serviços tenham ocorrido fora do território nacional.

Para o relator, o instrumento cabível para a solicitação de dados eletrônicos é o da cooperação prevista pelo tratado bilateral e as cartas rogatórias. Mas considerou possível que as autoridades brasileiras solicitem as informações diretamente no Brasil, dentro do que prevê o artigo 11 do Marco Civil da Internet. Ou seja, quando a empresa tem representação no Brasil e aqui ocorram as atividades de coleta ou tratamento de dados e para os crimes cometidos por pessoas localizadas em território nacional. Segundo o relator, essas hipóteses estão contidas no Marco Civil da Internet, com respaldo no artigo 18 da Convenção de Budapeste.

O ministro observou que, ainda que o STF conclua pela constitucionalidade do modelo do MLAT em complementação às hipóteses de requisição direta de dados eletrônicos transnacionais, o procedimento de requisição e obtenção de dados será aperfeiçoado mediante a celebração de outros tratados e acordos que possibilitem a obtenção dessas informações com maior agilidade e segurança.

O relator entendeu que o Supremo deve comunicar essa decisão aos Poderes Legislativo e Executivo para que adotem providências necessárias, como a aprovação do projeto de Lei Geral de Proteção de Dados para fins Penal (LGPD penal) e a adesão a outros tratados e acordos internacionais bilaterais sobre o tema.

"Faço aqui essas observações teóricas para acentuar que, a rigor, a decisão que este STF tomar sobre a matéria não irá resolver de forma definitiva os debates sobre a legitimidade da jurisdição brasileira nos casos de compartilhamento transnacional de dados, ainda mais diante do cenário de aumento exponencial de crimes cibernéticos, que cresceram no patamar de 300% apenas durante o período da pandemia da Covid-19", afirmou o relator.

"Por isso, é de fato indispensável que o Poder Legislativo e o Poder Executivo adotem as medidas necessárias para o aperfeiçoamento do quadro legislativo, com a análise de novos modelos de tratados multilaterais ou de acordos executivos que possibilitam a obtenção de dados eletrônicos com mais segurança jurídica e agilidade, evitando os riscos de colisão entre ordenamentos jurídicos e simplificando o marco regulatório aplicável às relações entre os Estados e as empresas de tecnologia", afirmou Gilmar.

Já o ministro André Mendonça abriu divergência. Em seu voto, defendeu o não conhecimento da ação, acolhendo os argumentos da AGU e a PGR. Segundo o ministro, a parte requerente "não representaria os interesses de uma específica categoria, sendo composta por empresas da área de informática que integrariam segmentos diversos, o que contrariaria a jurisprudência consolidada do STF". Se ficar vencido nessa questão preliminar, no mérito, Mendonça acompanhou o relator.

Na avaliação de Saulo Stefanone Alle, especialista em cooperação jurídica internacional do escritório Peixoto & Cury Advogados, o voto do ministro Gilmar confirma uma tendência recente sobre cooperação internacional.

"O voto confirma uma tendência já desenhada na jurisprudência brasileira de que a via da cooperação, nos termos do tratado específico, é válida, mas não é a única ou necessária. A persistir esse posicionamento, o que deve acontecer, as empresas estabelecidas no Brasil que receberem ordens de autoridades brasileiras deverão atender à ordem, ainda que aleguem que isso pode configurar desrespeito à legislação da sede da empresa, onde os dados efetivamente fiquem armazenados".

O julgamento será retomado na próxima sessão plenária, marcada para quarta-feira (5/10).

Clique aqui para ler o voto do relator
ADC 51

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