Opinião

Regulação cripto: ainda precisamos do PL 4.401/21 sobre ativos virtuais?

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  • Isac Costa

    é sócio de Warde Advogados professor do Ibmec do Insper e da LegalBlocks doutor (USP) mestre (FGV) e bacharel (USP) em Direito engenheiro de Computação (ITA) e ex-analista da CVM onde também atuou como assessor do colegiado.

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19 de setembro de 2022, 21h27

Neste artigo, argumento que o Projeto de Lei (PL) 4.401/21 deve ser substituído por uma nova proposta. Os benefícios de sua aprovação não superam o prejuízo causado por suas omissões, ambiguidades e equívocos. Penso que as considerações aqui trazidas não perdem seu objeto mesmo que o PL seja aprovado.

Reconheço antecipadamente críticas a essa ideia, tais como "a lei não pode/deve regular tudo", "é melhor alguma lei do que nenhuma" ou "os detalhes resolvemos depois", mas trago três contrapontos.

Primeiro, o PL não trata de criptoativos como investimentos, remetendo os tokens que são valores mobiliários à CVM sem delegação específica de poder normativo ou adaptação.

Segundo, a espera pelo PL tem favorecido a inércia das instituições que deveriam aplicar as normas já vigentes sobre entes regulados que prestam serviços para entes não regulados.

Terceiro, a demora na tramitação e na produção de efeitos concretos do PL torna sua aprovação meramente simbólica, trazendo mais perguntas e incertezas do que respostas e segurança jurídica.

Criptoativos precisam ser disciplinados pela CVM
O PL 4.401/21 ignora a realidade econômica: a maior parte (ou quase totalidade) dos projetos de tokens é destinada a remunerar investidores por juros, dividendos ou valorização em mercado secundário. Os criptoativos têm seu principal caso de uso em investimentos, sendo residual sua utilização em pagamentos. Por isso, a protagonista da regulação cripto deveria ser a CVM e não o Bacen. A estabilidade financeira é questão importante, porém secundária em matéria de criptoativos e questões como a aprovação de reorganizações societárias de exchanges ou outros controles típicos do Bacen não refletem uma priorização adequada dos riscos desse mercado.

Para a construção da web3, os tokens precisam estar pulverizados e os direitos econômicos emergentes dificilmente os farão escapar da qualificação como valores mobiliários, atraindo o regime tradicional que é impeditivo para que pequenas empresas alcancem investidores de varejo.

O PL ignorou problemas como o regime de informação de ofertas de tokens, descontos regulatórios para que pequenas e médias empresas possam captar recursos, transparência na formação de preços, conduta de analistas e assessores, prevenção e repressão de manipulação de mercado, facilidade para investimento via fundos, uso de blockchain para serviços de escrituração, custódia e depósito de valores mobiliários. Ainda, a segregação de ativos dos investidores daqueles pertencentes ao prestador de serviços não será aproveitada.

Fica a dúvida: existe alguma medida no PL ou nas diretrizes por ele trazida para o detalhamento posterior destinados a proteger os investidores? Penso que não, salvo pela previsão expressa de incidência do Código de Defesa do Consumidor.

"Se a lei não manda, o que posso fazer?"
A expectativa de uma lei específica tem paralisado as autoridades, hesitantes em aplicar as normas já vigentes. A par das stop orders e processos de ofertas irregulares da CVM, a primeira atuação específica do Bacen foi divulgada há alguns meses, envolvendo uma instituição de pagamento (IP) que atendia a uma exchange, a qual passou a ser atendida pouco depois por outra IP sem maiores problemas. Receita Federal e Coaf não divulgaram ações específicas de enforcement envolvendo criptoativos.

Os agentes que prestam serviços de entrada e saída do sistema de pagamentos (on/off-ramp) são regulados e, por isso, devem obter os dados de seus clientes e prevenir práticas de manipulação de mercado e lavagem de dinheiro, além de comunicar ao Fisco sobre as transações e posições para fins tributários.

A inércia das autoridades em razão da discussão do PL, a meu ver, carece de justificativa plausível. O PL não traz nenhuma autorização cuja espera seria necessária para que Bacen, Coaf e CVM passassem a atuar sobre o tema, aplicando as regras de sua competência.

Infelizmente, coexistimos com agentes que atuam fora do radar e, com isso, obtêm vantagens competitivas relevantes e a omissão dos reguladores incentiva os participantes do mercado a fugir da conformidade. O obstáculo ao desenvolvimento da criptoeconomia decorre, assim, de uma crise de enforcement e não da ausência de regulação.

Prazo de validade expirado
A lei demorará tempo demais para produzir efeitos práticos, favorecendo a continuidade de arbitragem regulatória e práticas anticoncorrenciais. Na prática, a aprovação do PL 4.401/21 no futuro próximo é meramente simbólica. Não se trata de protecionismo de agentes nacionais ineficientes, mas sim de assegurar uma proteção mínima a investidores brasileiros.

Considerando que será necessário designar o regulador, formular consulta pública sobre regramento infralegal, a ser editado após prazo para manifestações e análise, pelo regulador, dessas manifestações e, por fim, a obtenção de autorização de prestador de serviços de ativos virtuais, arrisco dizer que os efeitos práticos da norma só serão observados em 18 a 24 meses (ou mais) após sua aprovação.

Enquanto isso, para quem não deseja cumprir norma alguma, a atuação nos bastidores para atrasar a regulação, mascarada de apoio público à regulação é uma estratégia vencedora. Iniciar um novos projeto de lei favorecerá esses agentes apenas se as autoridades insistirem em deixar de aplicar as normas já existentes.

Síntese
Trilhamos até aqui um caminho que exclui o Brasil e as empresas brasileiras de qualquer participação relevante no âmbito da criptoeconomia.

Muitos esperam que algumas questões apontadas aqui serão devidamente reguladas posteriormente. Contudo, acredito que há mais razões para ceticismo do que para otimismo — por que a nova norma será aplicada se as que já existem não são?

Depois de sete anos de discussões, parece que nosso direito e nossas instituições ainda não estão aptos para que o país aproveite as oportunidades da inovação financeira e acompanhe a velocidade do mercado global.

*Este artigo foi originalmente publicado na Agência Estado/Broadcast em 14/9/22.

Autores

  • é sócio de Warde Advogados, professor do Ibmec e do Insper, doutorando (USP), mestre (FGV) e bacharel (USP) em Direito, engenheiro de computação (ITA) e ex-analista da CVM, onde também atuou como assessor do colegiado.

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