A invisibilidade das mulheres presas e egressas do sistema prisional brasileiro
7 de setembro de 2022, 8h00
Em uma sociedade patriarcal, na qual os papéis de gênero são muito bem definidos, as mulheres, culturalmente, são estereotipadas como sendo passivas, frágeis, submissas e sensíveis — em contraponto aos homens, fortes, violentos e viris.
Segundo os dados da 2ª Edição do Infopen Mulheres, 74% das unidades prisionais brasileiras visam atender ao público masculino, enquanto apenas 7% dos estabelecimentos penitenciários são destinados ao público feminino [1].
A partir daí, seria possível concluir que o número de mulheres presas no Brasil não é expressivo, o que não é verdade: considerando os dados do Infopen, o Brasil ocupa a quarta posição no ranking dos países com a maior população carcerária feminina do mundo.
Ocorre que, justamente por serem estruturas pensadas por homens e para homens — além da vulnerabilidade intrínseca à permanência em um sistema penitenciário reconhecidamente inconstitucional —, as prisões brasileiras acabam por perpetuar também a vulnerabilidade de gênero.
Sim, as prisões foram feitas para os homens e adaptadas para as mulheres e, em que pese a previsão de inúmeros direitos resguardados às mulheres presas na Lei de Execução Penal, os dados revelam que, à título de exemplo, apenas 41% dos presídios femininos disponibilizam locais para visitas íntimas, apenas 16% das prisões possuem dormitórios para gestantes e somente 14% dispõem de berçários ou centros de referência materno-infantil.
O não pertencimento da mulher não se limita, assim, à vida em sociedade e à ocupação de espaços de poder. Se estende, também, àquelas privadas de liberdade.
É importante conhecer, ainda, o perfil das mulheres presas no Brasil: são jovens, mães, provedoras do lar, com baixa escolaridade e, em sua maioria, negras.
As mulheres presas são aquelas que acumulam marcadores sociais de vulnerabilidade. São aquelas que ocupam a base da pirâmide socioeconômica. São mães, a maior parte solteiras, que, antes da prisão, já encontravam resistência para a entrada no mercado formal de trabalho.
É preciso ter em mente que as prisões femininas brasileiras não são ocupadas apenas por Suzanes ou Elizes. Aproximadamente 68% das mulheres presas no Brasil estão detidas em decorrência de condenações relacionadas ao envolvimento com o tráfico de drogas — crimes praticados sem violência ou ameaça à pessoa.
De maneira geral, estas mulheres faziam transporte ou comercializavam pequena quantidade de drogas, sem vínculo com organizações criminosas. São coadjuvantes do crime. Muitas, inclusive, eram usuárias de drogas que, em razão das inúmeras falhas existentes na atual política de drogas, somadas à inquestionável seletividade do sistema penal, são denunciadas e condenadas como traficantes.
Após a prisão, inseridas em uma estrutura que não atende as especificidades do que é ser mulher, tratadas meramente como homens que menstruam, são afastadas de seus lares e de seus filhos.
Nos dias de visita, as filas que se estendem nas portas dos presídios brasileiros, masculinos e femininos, são compostas majoritariamente por outras mulheres. As mulheres presas que são casadas com homens lidam, assim, também com o abandono afetivo de seus parceiros.
A invisibilidade das mulheres presas é evidente. No entanto, ao deixar a prisão, as mulheres egressas do sistema prisional se tornam ainda mais invisíveis.
Não há dúvidas de que a finalidade de prevenção especial positiva, ou seja, de ressocialização, não é alcançada pela pena de prisão, nos moldes em que esta é aplicada no Brasil.
O estado de coisas inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro foi reconhecido, inclusive, pelo próprio Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADPF 347. Reconheceu-se, assim, que as prisões brasileiras violam massivamente os direitos fundamentais da população prisional.
A pena, que deveria privar os presos e as presas de sua liberdade, acaba também os privando de sua dignidade e os submetendo às mais variadas formas de violência no cárcere: violência física, sexual, moral, psicológica.
Os egressos e egressas, estigmatizados, encontram muitos obstáculos ao tentar recomeçar a vida e fazer novas escolhas, sobretudo no que diz respeito ao acesso aos empregos formais.
Seguindo com o recorte de gênero proposto neste artigo, a vulnerabilidade e a escassez vivenciadas na prisão pelas mulheres privadas de liberdade acabam, portanto, se perpetuando para além daqueles muros.
É preciso que enxerguemos estas mulheres. Que as mulheres privadas de liberdade tenham os seus direitos não apenas garantidos, mas implementados. Que a reinserção social das egressas seja encarada como uma pauta urgente, por razões humanitárias e utilitárias.
Quanto maiores forem as oportunidades conferidas, menores serão os índices de reincidência. Menos crianças ficaram sem as suas mães. Menos lares estarão sem as suas únicas provedoras. Mais mulheres estarão inseridas no mercado de trabalho. Menos direitos fundamentais serão violados.
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