Opinião

Prescrição intercorrente em execução fiscal aos olhos do STJ

Autor

  • Denise Cristiane Garcia

    é advogada graduada em Direito e ciências contábeis pela Toledo Prudente Centro Universitário (Presidente Prudente-SP) e sócia fundadora do escritório Fernandes Garcia & Chartier Bittencourt Advogados.

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19 de outubro de 2022, 13h01

Prescrição intercorrente é aquela que ocorre no curso do processo, diferente da ordinária, que acontece entre o nascimento do direito e a propositura da ação judicial.

A disciplina da prescrição intercorrente em processo de Execução Fiscal é estabelecida pela Lei 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais), em seu artigo 40 e parágrafos, especialmente o § 4°:

"Art. 40 – O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.
§ 1º – Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública.
§ 2º – Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.
§ 3º – Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução.
§ 4º – Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)
§ 5º – A manifestação prévia da Fazenda Pública prevista no § 4o deste artigo será dispensada no caso de cobranças judiciais cujo valor seja inferior ao mínimo fixado por ato do Ministro de Estado da Fazenda. (Incluído pela Lei nº 11.960, de 2009)"

O dispositivo determina a suspensão do processo enquanto não localizado o devedor ou bens para a penhora, pelo prazo de um ano, no curso do qual não correrá prazo de prescrição, e determina o arquivamento dos autos em seguida.

Encontrados o devedor ou bens, a qualquer tempo, poderá haver prosseguimento da execução, salvo se, durante o arquivamento, ou seja, em seguida ao prazo de suspensão do processo por um ano, tiver corrido o prazo de cinco anos (mesmo prazo da prescrição ordinária), o juiz poderá decretar de ofício a prescrição intercorrente, depois de ouvida a Fazenda.

Embora a questão possa, a princípio, parecer simples, inúmeras divergências jurisprudenciais começaram a surgir da interpretação dos dispositivos, como, por exemplo, quais seriam os termos iniciais dos prazos de um ano de suspensão do processo e dos cinco anos da prescrição intercorrente, se seria ou não imprescindível que houvesse despacho do juízo determinando a suspensão ou arquivamento do feito, se petições da Fazenda influenciariam o prazo, acerca de quais atos processuais haveria necessidade de intimações da Fazenda e qual o tipo de nulidade decorrente, entre outros.

Diante de vários impasses na aplicação dos dispositivos, o STJ, no REsp 1.340.533/RS, fixou várias teses jurídicas, no regime de julgamento dos Recursos Repetitivos.

Pontos Fixados pelo STJ
Termo inicial do prazo de suspensão do processo
4.1.) O prazo de 1 (um) ano de suspensão do processo e do respectivo prazo prescricional previsto no art. 40, §§ 1º e 2º da Lei n. 6.830/80 – LEF tem início automaticamente na data da ciência da Fazenda Pública a respeito da não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis no endereço fornecido, havendo, sem prejuízo dessa contagem automática, o dever de o magistrado declarar ter ocorrido a suspensão da execução;

O termo inicial do prazo de suspensão é automático — prescindindo de despacho judicial suspensivo, embora persista este dever ao magistrado — e é a ciência da Fazenda a respeito da não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis.

Pontos relevantes:

– o início do prazo é automático;
– a inexistência de despacho suspensivo não obsta o início automático do prazo;
– o termo inicial é a primeira ciência da Fazenda quanto às diligências infrutíferas;
– peticionamentos da Fazenda requerendo a suspensão do feito, ou mesmo deferimentos, não afetam a fluência do prazo;
– não há necessidade de intimação da Fazenda quanto à suspensão, mas sim quanto à frustração da localização do devedor ou bens.

Efeitos da vigência da Lei Complementar nº 118/2005
4.1.1.) Sem prejuízo do disposto no item 4.1., nos casos de execução fiscal para cobrança de dívida ativa de natureza tributária (cujo despacho ordenador da citação tenha sido proferido antes da vigência da Lei Complementar n. 118/2005), depois da citação válida, ainda que editalícia, logo após a primeira tentativa infrutífera de localização de bens penhoráveis, o Juiz declarará suspensa a execução.
4.1.2.) Sem prejuízo do disposto no item 4.1., em se tratando de execução fiscal para cobrança de dívida ativa de natureza tributária (cujo despacho ordenador da citação tenha sido proferido na vigência da Lei Complementar n. 118/2005) e de qualquer dívida ativa de natureza não tributária, logo após a primeira tentativa frustrada de citação do devedor ou de localização de bens penhoráveis, o Juiz declarará suspensa a execução.

Os enunciados diferenciam os casos com despacho ordinatório da citação antes ou depois da LC 118/05 visto que, antes da referida lei, quanto aos débitos tributários, apenas a citação válida interrompia a prescrição ordinária, de forma retroativa à data da propositura da ação, e, após a lei, basta o despacho ordinatório da citação para interrompê-la.

Termo inicial do prazo de prescrição intercorrente
4.2.) Havendo ou não petição da Fazenda Pública e havendo ou não pronunciamento judicial nesse sentido, findo o prazo de 1 (um) ano de suspensão inicia-se automaticamente o prazo prescricional aplicável (de acordo com a natureza do crédito exequendo) durante o qual o processo deveria estar arquivado sem baixa na distribuição, na forma do art. 40, §§ 2º, 3º e 4º da Lei nº 6.830/80 – LEF, findo o qual o Juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato;

O termo inicial do prazo de prescrição intercorrente é automático — prescindindo de despacho judicial de arquivamento, embora persista este dever ao magistrado — e é o fim do prazo de um ano de suspensão.

Decorrido o prazo de prescrição, ela pode ser decretada de ofício, com prévia oitiva da Fazenda.

Pontos relevantes:

– o início do prazo é automático;
– a inexistência de despacho de arquivamento não obsta o início automático do prazo;
– o termo inicial é o fim do prazo de suspensão;
– peticionamentos da Fazenda requerendo o arquivamento do feito, ou mesmo deferimentos, não afetam a fluência do prazo;
– não há necessidade de intimação da Fazenda quanto ao arquivamento;
– há necessidade de intimação da Fazenda caso o juiz pretenda decretar a prescrição de ofício, após transcorrido o prazo.

Ocorrências aptas à interrupção da prescrição e data da interrupção
4.3.) A efetiva constrição patrimonial e a efetiva citação (ainda que por edital) são aptas a interromper o curso da prescrição intercorrente, não bastando para tal o mero peticionamento em juízo, requerendo, v.g., a feitura da penhora sobre ativos financeiros ou sobre outros bens. Os requerimentos feitos pelo exequente, dentro da soma do prazo máximo de 1 (um) ano de suspensão mais o prazo de prescrição aplicável (de acordo com a natureza do crédito exequendo) deverão ser processados, ainda que para além da soma desses dois prazos, pois, citados (ainda que por edital) os devedores e penhorados os bens, a qualquer tempo — mesmo depois de escoados os referidos prazos —, considera-se interrompida a prescrição intercorrente, retroativamente, na data do protocolo da petição que requereu a providência frutífera.

A efetiva citação, ainda que por edital, e a efetiva constrição patrimonial interrompem a prescrição intercorrente, e, as petições com tal finalidade protocoladas dentro do prazo prescricional devem ser processadas mesmo após tal prazo, visto que, restando frutífera a providência (citação ou constrição), ocorre a interrupção de forma retroativa à data do protocolo da petição.

Nulidades processuais
4.4.) A Fazenda Pública, em sua primeira oportunidade de falar nos autos (art. 245 do CPC/73, correspondente ao art. 278 do CPC/2015), ao alegar nulidade pela falta de qualquer intimação dentro do procedimento do art. 40 da LEF, deverá demonstrar o prejuízo que sofreu (exceto a falta da intimação que constitui o termo inicial — 4.1., onde o prejuízo é presumido), por exemplo, deverá demonstrar a ocorrência de qualquer causa interruptiva ou suspensiva da prescrição.

Acaso falte qualquer intimação da Fazenda neste procedimento, só haverá decretação de nulidade se a Fazenda a arguir na primeira oportunidade de falar nos autos e se demonstrar prejuízo (exceto quanto à falta de intimação quanto ao termo inicial, onde o prejuízo é presumido), como, por exemplo, demonstrar a ocorrência de causas suspensivas ou interruptivas da prescrição.

Nesta hipótese se enquadra a possibilidade de a prescrição ter sido decretada de ofício, por sentença, sem prévia intimação da Fazenda, nos termos da tese do item 4.2. e § 4°, do artigo 40. A Fazenda teria de argui-la em embargos de declaração ou apelação e demonstrar o prejuízo.

Quanto à falta de intimação da Fazenda quanto ao termo inicial, ela é obstativa do próprio termo inicial, que se dará na oportunidade em que a Fazenda arguir a falta da intimação.

Motivação das decisões
4.5.) O magistrado, ao reconhecer a prescrição intercorrente, deverá fundamentar o ato judicial por meio da delimitação dos marcos legais que foram aplicados na contagem do respectivo prazo, inclusive quanto ao período em que a execução ficou suspensa.

Trata-se do dever de fundamentação das decisões judiciais, de forma a permitir que a parte possa aquilatar seu interesse recursal e impugnar eficazmente a decisão, se o caso.

A conclusão é de que é louvável o trabalho executado pelo C. STJ na fixação das teses, podendo aclarar a aplicação do instituto da prescrição intercorrente em um grande volume de processos.

Inobstante, referidas teses não esgotam, e nem poderiam, devido aos limites das teses levadas ao tribunal, todas as problemáticas possíveis quanto ao tema da prescrição intercorrente.

Referidas teses não solucionam, por exemplo, situações em que os processos fiquem por mais de seis anos parados antes do termo inicial da prescrição intercorrente ou após a efetiva constrição de bens, hipóteses em que podem surgir discussões acerca dos efeitos jurídicos da existência ou não de peticionamentos da Fazenda, se frutíferos ou não, ou de intimações da Fazenda.

Se é certo que, de um lado, a Fazenda não pode ser prejudicada pela morosidade do Judiciário, de outro lado, o devedor tampouco poderia, visto que isso é contrário ao objetivo do direito, de pacificação das relações sociais, sendo este o espírito do instituto da prescrição.

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