Roda viva

Mesmo fortalecidas, bancadas temáticas não devem ditar agenda do Congresso

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8 de outubro de 2022, 8h48

Apesar de seu crescimento, as bancadas lavajatista, da segurança (ou da bala) e ruralista não devem ser influentes a ponto de aprovar projetos impactantes no Congresso Nacional. Nem a bancada evangélica, que não aumentou como o previsto. A implementação de mudanças mais relevantes dependerá da construção de maioria parlamentar, a ser costurada pelo próximo presidente da República.

José Cruz/Agência Brasil
Sergio Moro representará a bancada lavajatista no Senado
José Cruz/Agência Brasil

Partido do presidente Jair Bolsonaro, o PL terá as maiores bancadas da Câmara dos Deputados (99 integrantes) e do Senado (14). Levantamento feito pelo site Congresso em Foco aponta que 40 dos 81 senadores que iniciarão a legislatura em 2023 têm, em princípio, alinhamento com Bolsonaro. Na Câmara, a coligação de Bolsonaro terá 187 representantes.

Já o PT, do ex-presidente Lula, elegeu 68 deputados. A Federação Brasil Esperança (PT-PCdoB-PV) e a Federação Psol-Rede Sustentabilidade terão, em conjunto, 134 deputados, que apoiarão o petista em um eventual segundo mandato. No Senado, Lula provavelmente contaria com os 28 senadores que são contrários a Bolsonaro, segundo o Congresso em Foco. Outros 13 são neutros.

O próximo presidente, seja Lula ou Bolsonaro, deve conseguir construir maioria parlamentar, afirma o ex-presidente da Câmara dos Deputados Aldo Rebelo (PDT-SP). Ele recorda que, quando o petista foi eleito presidente pela primeira vez, em 2002, havia o receio de que não conseguisse o suporte necessário do Congresso para a aprovação de projetos importantes. No entanto, isso não foi um problema para o governo.

Deputado federal por 11 mandatos — inclusive na Assembleia Constituinte —, Miro Teixeira (PDT-RJ) ressalta a importância de o governo ter presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado alinhados às suas pautas. Isso impacta nos projetos de lei que serão priorizados e na velocidade de tramitação deles.

Teixeira destaca a importância de extinguir o orçamento secreto. E alerta para o risco de distorção e manipulação do debate político causado pelo uso de algoritmos, instrumentos de inteligência artificial e impulsionamento de conteúdo na internet e nas redes sociais. De acordo com ele, o Supremo Tribunal Federal deve levantar o sigilo sobre o inquérito das fake news, de forma a permitir que órgãos públicos e organizações da sociedade civil tenham conhecimento sobre essas táticas antidemocráticas e aprendam a se precaver.

Bancada lavajatista
Os dois principais atores da operação "lava jato", o ex-juiz federal Sergio Moro (União Brasil) e o ex-procurador da República Deltan Dallagnol (Podemos), foram eleitos, respectivamente, senador e deputado federal pelo Paraná. Em São Paulo, foi eleita deputada federal a advogada Rosângela Moro (União Brasil), mulher do antigo titular da 13ª Vara Federal de Curitiba. Eles devem ser os pilares de uma pequena bancada lavajatista — ou "bancada anticorrupção", como afirmou Rosângela em suas redes sociais.

Dallagnol disse que vai lutar no Congresso para aprovar as pautas lavajatistas, como o fim do foro por prerrogativa de função e as "Dez medidas contra a corrupção". O projeto original previa o aproveitamento de provas ilícitas em ações penais, restrição ao uso de Habeas Corpus e mudanças nos prazos prescricionais de certos crimes. Após a proposta ser barrada no Congresso, Dallagnol, em conjunto com a Transparência Internacional e a Fundação Getulio Vargas, passou a articular uma ampliação das medidas. Um novo projeto de lei pode surgir dessa iniciativa.

Além disso, pode-se esperar que Sergio Moro tente ressuscitar pontos que foram barrados de seu projeto "anticrime", sua principal proposta como ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Jair Bolsonaro (PL). O texto original tinha viés punitivista, com a ampliação do tempo máximo de pena — de 30 para 40 anos — e a permissão para que o juiz deixasse de aplicar a pena por excesso de legítima defesa caso o crime tivesse sido cometido em decorrência de "escusável medo, surpresa ou violenta emoção".

Embora a primeira medida tenha sido aprovada, o projeto foi profundamente reformulado pela Câmara dos Deputados e tornou-se uma norma (Lei 13.694/2019) com medidas garantistas, como limites ao uso da colaboração premiada e a criação do juiz das garantias.

Dallagnol também declarou querer voltar a permitir a prisão em segunda instância. A medida consta da Proposta de Emenda à Constituição 199/2019 (do deputado Alex Manente) e do Projeto de Lei do Senado 166/2018 (do senador Lasier Martins).

Em fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal mudou de entendimento e passou a permitir a execução da pena após condenação em segundo grau. A decisão foi muito elogiada por lavajatistas, mas severamente criticada por constitucionalistas e criminalistas. Porém, a Corte resgatou, em novembro de 2019, o entendimento firmado em 2009 e declarou a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, proibindo a execução provisória da pena.

Especialistas afirmam que a execução da pena depois de condenação em segundo grau só poderia ser permitida com nova Constituição. O princípio da presunção de inocência, estabelecido no artigo 5º, LVII, da Carta Magna, não pode ser relativizado por nenhuma lei. E constitui cláusula pétrea, conforme o artigo 60, parágrafo 4º, IV. Portanto, não pode ser abolida por meio de emenda constitucional.

Com relação ao STF, Dallagnol defendeu, em entrevista à rádio Jovem Pan, mudar o critério de escolha de ministros para garantir que o processo "seja mais técnico e menos político". No entanto, ele não esclareceu no que consistiriam tais requisitos. O ex-procurador apontou que a ampliação do número de ministros — possibilidade que o presidente Jair Bolsonaro (PL) admitiu debater se for reeleito —, não é a solução para os problemas do Supremo. O que melhoraria a Corte, em sua visão, é fazer com que ela se concentre em julgamentos constitucionais, reduzindo os casos penais.

Além disso, Dallagnol quer "reestabelecer a competência da Justiça Federal, e não da Justiça Eleitoral, para investigar e processar a corrupção". Em 2019, o Supremo manteve o entendimento de que compete à Justiça Eleitoral julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos. Com o precedente, diversos processos da "lava jato" deixaram a Justiça Federal.

No entanto, parlamentares avaliam que a bancada lavajatista não deve ser impactante. O deputado federal reeleito Paulo Teixeira (PT-SP) ressalta que Moro é um entre 81 senadores, e Dallagnol, um entre 513 deputados.

"Portanto, não representa força nenhuma para recuperar a pauta autoritária, do Estado policial, contra a Constituição Federal, que eles tentaram vender para o Brasil. E o país descartou essa pauta depois do estrago grande que eles fizeram. Tanto que Moro quis ser candidato a presidente e não conseguiu", opina Teixeira.

Miro Teixeira (PDT-RJ) ressalta que "uma coisa é apresentar projeto, outra é aprovar". Segundo Teixeira, que ficou como suplente na Câmara, os lavajatistas podem lutar por propostas como as "Dez medidas contra a corrupção", mas não é fácil aprová-las.

Aldo Rebelo também não espera uma atuação relevante do casal Moro e de Dallagnol. "Muitos lavajatistas foram eleitos em 2018 e não fizeram nada."

Já o senador eleito Flávio Dino (PSB-MA) torce para que eles mudem de rumo. "Espero que eles se libertem do 'lavajatismo', ideologia ilegal e rejeitada pelo STF. E que se convençam de que a lei não pode ser rasgada para saciar fome de poder, fama e dinheiro."

Bancada da bala
A bancada da segurança ou da bala cresceu de 28 para 40 deputados federais, aponta levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Eles são policiais ou militares das Forças Armadas.

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Bancada da bala deve tentar revogar o Estatuto do Desarmamento
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Além disso, ressaltou o presidente da instituição, Renato Sérgio de Lima, os deputados que mais atuaram para reformar o pacote "anticrime" não se reelegeram, como Margarete Coelho (PP-PI), Subtenente Gonzaga (PSD-MG), Orlando Silva (PCdoB-SP) e Marcelo Freixo (PSB-RJ), que perdeu a disputa pelo governo do Rio.

Lima afirmou à revista piauí que a bancada deve ter duas pautas principais. A primeira é ampliação de excludentes de ilicitude para policiais e militares em operações. Uma das principais promessas de campanha de Bolsonaro em 2018, a medida foi proposta em duas ocasiões, mas não foi convertida em lei. O presidente promete, em seu programa de governo, lutar pela sua implementação em um eventual segundo mandato.

A segunda pauta da bancada da bala é a revogação do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003). O governo Bolsonaro flexibilizou as regras para a posse e porte de armas de fogo. No entanto, o STF suspendeu os efeitos de trechos de decretos facilitaram a compra e o porte de armas.

Em entrevista à ConJur, o consultor político Antônio Augusto de Queiroz, ex-diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), avaliou que, se Bolsonaro for reeleito, deve haver um endurecimento penal. Mas em crimes cometidos por pobres, como roubo e furto, e não em delitos de colarinho branco, como corrupção. Por outro lado, se o próximo presidente for Lula, a expectativa é que a agenda punitivista seja freada, analisou Queiroz, destacando a capacidade de diálogo do ex-chefe do Executivo e de seus aliados.

Miro Teixeira prevê que, no começo da legislatura, haja uma "excitação" na apresentação de projetos, como os de costumes e de segurança. Como a tramitação é lenta, porém, é possível que o ímpeto não dure muito, e as propostas sejam deixadas de lado. Como Bolsonaro já facilitou a posse e o porte de armas, Teixeira não acredita que haja muito campo para a bancada da bala avançar.

Para Aldo Rebelo, "bancada temática não significa muita coisa", pois depende dos partidos. O próximo presidente deve construir uma maioria no Congresso, mas ele não acredita em mudanças radicais.

Flávio Dino espera que os integrantes da bancada da bala "ajudem em projetos de segurança pública, que levem em conta o binômio prevenção e repressão". "E que não apoiem o armamentismo selvagem, que está levando mais armas às organizações criminosas."

Já Paulo Teixeira lembra que Lula se comprometeu a revogar todos os decretos que flexibilizaram o acesso a armas e munições no Brasil. Segundo ele, o aumento da bancada da bala não é expressivo para impedir a revogação desses decretos.

Bancada ruralista
Houve um crescimento da bancada ruralista, que contabiliza ao menos 120 integrantes no Congresso, conforme o Jornal da USP. A ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina (PP-MS) deve ser uma importante voz do setor.

Por outro lado, a Frente Parlamentar Ambientalista foi enfraquecida. Alguns dos principais nomes da bancada não foram reeleitos, como os deputados Joenia Wapichana (Rede-RR), Ivan Valente (Psol-SP) e Alessandro Molon (PSB-RJ). Por outro lado, há a expectativa de que a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede-SP) seja uma importante voz na Câmara.

Para parlamentares ouvidos pela ConJur, a bancada ruralista não deve promover retrocessos ambientais. Isso porque o agronegócio compreende que a preservação do meio ambiente é necessária e ajuda as relações exteriores do Brasil.

"Só teremos uma agricultura forte e respeitada se houver o pleno cumprimento da legislação ambiental e comprometimento com a redução de emissão de gases de efeito estufa. Espero que a bancada ruralista fortaleça essa visão moderna e ajude a combater práticas ilegais", afirma Flávio Dino.

Os ruralistas, destaca Paulo Teixeira, têm consciência "do quão perverso para o meio ambiente, para o clima e para o comércio exterior brasileiro é a destruição da Amazônia".

"O ruralista de hoje entende que a atividade depende de um meio ambiente equilibrado", diz Miro Teixeira. Ele também acredita que propostas exóticas serão barradas pelo Congresso.

Bancada evangélica
A bancada evangélica deve ter 102 deputados federais e 13 senadores na próxima legislatura, conforme o jornal Folha de S.Paulo. Isso equivale a 20% dos integrantes Câmara dos Deputados e 16% do Senado. Porém, o número fica abaixo dos 30% de parlamentares que o presidente do bloco, o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), pretendia atingir nesta eleição.

Dois dos mais importantes representantes dos evangélicos serão os senadores eleitos Damares Alves (Republicanos-DF), ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, e Magno Malta (PL-ES). Deputado federal mais votado do Brasil, Nikolas Ferreira (PL-MG) será um dos reforços da bancada.

Minoria na religião, a esquerda elegeu evangélicos como os deputados Benedita da Silva (PT-RJ), Marina Silva (Rede-SP) e o pastor Henrique Vieira (Psol-RJ).

Se Bolsonaro for reeleito, deve haver um impulso nas pautas de costumes, caras aos evangélicos, aponta o consultor político Antônio Augusto de Queiroz. No atual governo, as pautas de costumes e de segurança foram barradas por Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara dos Deputados (PSDB-RJ). Ele priorizou medidas econômicas, associadas ao equilíbrio das contas públicas. Com isso, as pautas de valores e de segurança ficaram em segundo lugar. Após a eleição de Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara, não houve tempo, pois Bolsonaro passou a priorizar a reeleição.

Como a bancada evangélica não cresceu como o previsto, não deve ter força para aprovar grandes projetos, analisa Paulo Teixeira.

Já Flávio Dino diz que "os evangélicos podem ajudar muito com os postulados mais importantes da fé cristã, relacionados com a proteção aos que menos tem, aos que têm 'fome e sede de justiça'".

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