Opinião

Sobre pesquisas eleitorais e resultados ou quem errou o quê

Autor

  • Antonio Lavareda

    é sociólogo doutor em Ciência Política professor colaborador da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e presidente de honra da Abrapel (Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais)

    View all posts

4 de outubro de 2022, 10h02

Apuradas as urnas neste domingo, indicando uma dianteira de apenas cinco pontos de Lula sobre Bolsonaro, a perplexidade se abateu sobre eleitores, políticos, analistas e até, como vi na TV — e para minha surpresa — de um experiente ex-pesquisador que eu admiro, com longa estrada percorrida. Todos, em uníssono, acusando o "erro das pesquisas", e que elas precisariam rever sua metodologia, possivelmente defasada, para voltar a ter credibilidade.

Divulgação
O cientista político Antonio Lavareda
Divulgação

Nada a opor quanto à necessidade dos institutos refletirem sobre seus métodos e técnicas. Sempre trato disso em público. Há vários registros de declarações minhas, por exemplo, comentando ou que as amostras utilizadas em pesquisas para divulgação no Brasil são inusualmente grandes, se comparadas com amostras norte americanas por exemplo (como o leitor poderá ver no quadro ao fim dessa thread) ou ainda que naquele país, berço dos surveys eleitorais, há cerca de 30 anos não são feitas para divulgação pesquisas presenciais, que alguns jornalistas daqui teimam em dizer que "são o padrão gold" da atividade. Embora isso não as torne pouco confiáveis, mas apenas muito caras. Há duas semanas, sugeri a formação de uma comissão para examinar o desempenho das pesquisas nestas eleições, reunindo a ABCP, que congrega os cientistas políticos, a Abep, das empresas de pesquisa, e a Abrapel, dos pesquisadores eleitorais. Isso é feito corriqueiramente após as eleições americanas pela Aapor, associação dos pesquisadores de lá.

Outro ponto que sempre insisto foi título da minha fala no seminário da Abep dirigido a jornalistas em maio deste ano). Tema a que voltei no sábado, comentando a última rodada do Termômetro da Campanha Ipespe/Abrapel. No texto, aponto alguns dos fatores que desautorizam resultados de pesquisas a serem utilizados para tal fim. Entre eles destacando o voto estratégico (típico de sistemas pluripartidários como o nosso), o voto errático, e sobretudo, sublinhei, a abstenção, que nenhum instituto nosso tem condições de estimar de modo razoável, pelo fato do voto ser obrigatório e os prováveis absenteístas não revelarem essa disposição. Entre todos os fatores, bastaria, dizia eu, a abstenção imprevisível para distanciar frequentemente as pesquisas e os resultados.

Ocorre que veículos de comunicação, com a "complacência" dos institutos, embora ambos conhecedores do que afirmei antes, não resistem a fazer das pesquisas a espinha dorsal da cobertura das eleições. E na véspera do pleito, no show final, centram nos "votos válidos" o foco do noticiário, levando leitores e espectadores a suporem que estão diante de um "prognóstico", de um resultado antecipado do que será apurado no dia seguinte. Quando as discrepâncias são grandes como neste domingo, a cobrança se volta para quem? Lógico que para os institutos.

Qual o problema que fica encoberto nos "votos válidos" divulgados pelos institutos? O já referido antes. Para sua extração são utilizados os dados das questões estimuladas. Que apresentam os percentuais dos candidatos, mais o percentual de votos em branco e nulos, e mais 1% ou 2% de "não sabe", os supostos indecisos. E a partir daí são excluídas essas duas últimas categorias, recalculados os números e …. tem-se agora o que parece uma projeção baseada na pesquisa do resultado final. Parece mas não é. Por que de onde sairá a abstenção que não foi computada nem declarada? Inevitavelmente sairá dos contingentes de intenções de voto dos concorrentes. Ela prejudicará igualmente os candidatos? Lógico que não. No Brasil, como na maioria dos países, ela se concentra mais na base da pirâmide social. Para se ter uma ideia, dos quase 7 milhões de eleitores analfabetos, cerca de 51% não votaram na penúltima eleição. E 44% dos eleitores de Lula têm até fundamental completo. Por isso, eu lembrava aqui no Twitter, no último sábado, que a abstenção precisaria diminuir para aumentar a chance dele vencer no primeiro turno. E ela ainda foi um pouco maior do que em 2020.

Essa explicação que dei pode ser checada? Pode sim. E naturalmente com números publicados da última pesquisa registrada. Comparados com os resultados do TSE. Lógico que prefiro apresentar dados do Ipespe na pesquisa já referida. Mas acredito que as constatações seriam as mesmas com outros institutos abalizados, seja com pesquisas presenciais, seja com telefônicas.

A última pesquisa do instituto foi inteiramente feita no dia 30 de setembro. Pesquisa telefônica com entrevistadores/as. Na ressaca do debate da Globo que foi o evento de maior impacto da campanha, como nossos números anteciparam e depois constataram. Esse é o motivo provável para o repique nesse levantamento das intenções de voto nos nomes da terceira via — até o padre Kelmon foi citado por 0,6 promovidos a 1% por arredondamento. Algo que provavelmente se diluiu no sábado quando os outros institutos continuariam pesquisando.

À primeira vista, uma quase antecipação do número de Lula (49% na pesquisa e 48,2%) nas urnas. E bem longe em relação a Bolsonaro (35% na pesquisa e 43,20% nas urnas). Também superior ao limite da margem de erro (3 pontos) quanto a Ciro (8% na pesquisa e 3,04% nas urna). Aproximando-se dentro da margem com Simone (7% na pesquisa e 4,16% nas urnas). E ficando na margem também com os demais. Mas o "problema" foi a distância de Bolsonaro. Nessa e nas pesquisas de outros institutos sobretudo dos que fizeram o campo até o último dia, anunciando os resultados à noite do sábado. Teríamos então "acertado" Lula e "errado" Bolsonaro?

A questão é que na verdade as amostras de quase todos os institutos são representativas ou pretendem ser do total dos eleitores. As intenções de voto e outras opiniões apresentadas pretendem ser estimativas da ocorrência delas no universo em questão. Ou seja, nos 156 milhões e 450 mil eleitores. Não se faz amostra para captar "votos válidos". Faz-se para colher a distribuição de preferências eleitorais em todo o universo. E é assim que os resultados das pesquisas são divulgados até perto das eleições, quando "aparecem" então os tais "votos válidos". Obviamente com o intuito de os fazerem comparáveis com aqueles divulgados pelo TSE. Mas às vezes se aproximam, e às vezes, não. Dependendo de vários fatores, sobretudo de como a abstenção subtrai diferenciadamente votos dos diversos candidatos.

Vejamos agora os resultados dessa mesma pesquisa divulgada pelo Ipespe trazendo os números da intenção de voto espontâneo sobre o total de eleitores; a seguir os números da intenção de voto estimulado e por fim os resultados do TSE agora percentualizados sobre o total dos eleitores. Números esses, sim, passíveis de comparação com os resultados sobre o total dos institutos. Os números da questão estimulada discrepam na verdade em 9 pontos a mais face aos resultados de Lula; praticamente coincidem com os de Bolsonaro; e diferem em 9 pontos a menos no agregado dos outros candidatos. Brancos e nulos são muito próximos (3% na pesquisa, 4,41% nas urnas — relativos ao total de eleitores, não ao de votantes). E o que explica tais diferenças? Havia apenas 1% de "não sabe" na pesquisa. No dia deu-se uma abstenção de 20,95% que essa pesquisa e nenhuma outra conseguiria medir. Lula perdeu 9 pontos e os candidatos não competitivos outros 9 pontos. Lula por conta da vulnerabilidade — custo de votar — do seu eleitorado mais pobre. Os demais candidatos certamente por não serem competitivos. Lógico que pode ter havido movimentos de voto útil, que talvez expliquem Bolsonaro ter perdido apenas décimos em relação ao seu percentual na estimulada. Mas o fato é que a sua resiliência deve ser creditada, sobretudo, ao perfil socioeconômico dos seus apoiadores e à "taxa de entusiasmo" dos mesmos, como se pode depreender das manifestações que convoca. Ou seja, a pesquisa estimou Bolsonaro praticamente igual ao seu desempenho. Enquanto parte dos votos de Lula foram tragados pela abstenção.

Fenômeno assim já ocorreu antes? Muitas vezes. Se comparados corretamente os resultados totais da véspera da eleição e o resultado das urnas sobre o total de eleitores, isso é muito frequente. Mesmo FHC, quando ganhou em primeiro turno em 1994, tinha 48% sobre o total na véspera do pleito, mas nas urnas só teve 36,22%. A abstenção foi de 17,77% e o branco e nulo, com voto ainda em papel, chegou a 15,45%. Lula, quando por 1,4% deixou de ganhar no primeiro turno a eleição de 2006, tinha 46% sobre o total na véspera e nas urnas a abstenção lhe tomou 9 pontos e ele obteve 37,07% do total de eleitores naquele ano.

Na quase totalidade dos estados onde a eleição de governador foi decidida neste domingo as pesquisas anteciparam essa tendência. Sobre as mudanças de última hora, elas foram exatamente isso. Movimentos finais que ocorreram depois dos últimos resultados de pesquisas serem divulgados. Precisamente como a teoria do voto estratégico supõe: eleitores que utilizam os dados dos últimos levantamentos para alterar seu comportamento. Em estados como São Paulo, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, e Bahia, é nítido um processo de "alinhamento" com a disputa nacional super polarizada. Nas eleições ao governo e ao Senado. Eu esperava que ocorresse algo assim desde o início da campanha, mas só teve lugar nas últimas horas. E foi surpreendente. Aliás, como ocorreu em 2006. Por falar nessa eleição, 2022 repete sua morfologia. A polarização eleitoral recorde foi praticamente a mesma, resultando em níveis idênticos de Fracionamento (FE:0,58) e Número de Competidores Efetivos (NE: 2,4). Os menores das nove eleições da Nova República.

Autores

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!