Aluguel de prédios e máquinas e o direito ao crédito de PIS/Cofins
30 de novembro de 2022, 8h00
A legislação de regência da Contribuição ao PIS e da Cofins permite a apuração de créditos (como nos demais casos, mediante aplicação, respectivamente, das alíquotas de 1,65% e 7,6% Cofins) em relação ao aluguel de prédios, máquinas e equipamentos, conforme se depreende do inciso IV do artigo 3º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003.
Pela leitura do dispositivo legal, percebemos que o requisito traçado pelo legislador para fins de tomada do crédito em questão é que os gastos com aluguel sejam direcionados à atividade da empresa. Dessarte, o aluguel não precisa ser necessariamente ligado ao setor fabril ou a prestação de serviços para ser legítimo. Nesse sentido, mesmo a despesa com aluguel relativo à área administrativa da pessoa jurídica, ou aquele tido por sociedades comerciais, pode gerar crédito da Contribuição ao PIS e da Cofins [1].
São esses os requisitos legais a serem observados para a tomada do crédito, segundo o inciso IV do artigo 3º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003.
Traçadas tais premissas, passamos então ao tema central da coluna de hoje: a previsão legal do crédito em virtude do pagamento de aluguéis de prédios, máquinas e equipamentos possui alguns pontos controversos na jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que merecem nossa atenção [2].
O primeiro deles consiste em saber se outro requisito que poderia ser aventado como limitador do direito ao crédito em comento é a necessidade de registro público do contrato de aluguel. Entretanto, como já visto, a legislação afirma que é necessário que exista a contratação de aluguel de prédios, máquinas e equipamentos, sem nada mencionar sobre a necessidade de registro público. Disto, já constamos a injuridicidade da aventada restrição.
A principal finalidade dos registros públicos é garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos (conforme artigo 1º da Lei nº 6.015/73 — Lei dos Registros Públicos), na função de regulamentar o artigo 236 da Constituição Federal [3], quando dispõe sobre serviços notariais e de registro. Neste contexto normativo, o registro de documentos é importante para que tenham oponibilidade a terceiros, mas não consiste em requisito de validade dos documentos. Essa é a inteligência do artigo 221 do Código Civil.
Corroborando tal normativa de direito material, na Seção VII do Código de Processo Civil (CPC) encontramos os dispositivos que confirmam a validade e os efeitos dos instrumentos particulares, em termos probatórios/processuais.
O artigo 408 do CPC atesta que "as declarações constantes do documento particular escrito e assinado ou somente assinado presumem-se verdadeiras em relação ao signatário". Ainda, conforme estabelece o artigo 412, "o documento particular de cuja autenticidade não se duvida prova que o seu autor fez a declaração que lhe é atribuída".
Assim, a menos que a autoridade fiscal, no ínterim do procedimento de fiscalização, entenda que os atos praticados pelo contribuinte não são merecedores de fé, demonstrando eventual abuso na composição em documentos, que não corresponderiam a realidade (cf. artigos 428 e 429 do CPC), não se pode glosar o crédito decorrente de gastos com o pagamento de aluguel sob o argumento de ausência de seu registro público. Assim já se manifestou o Carf, na ocasião do julgamento do Processo nº 13227.900123/2012-81 (Acórdão nº 3402-006.650).
O segundo ponto de debate é entender se arrendamento de imóvel rural está amparado pelo artigo IV dos artigos 3º das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, garantindo o crédito das contribuições. Ou seja, deve-se aferir se a expressão "aluguel de prédio" compreende o contrato de arrendamento rural.
A resposta é afirmativa.
Não existe no ordenamento jurídico brasileiro um conceito expresso e próprio de "prédio". Podemos encontrar, todavia, a conceituação legal de "prédio rural" no Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964.), que em seu artigo 4º, define "imóvel rural" como prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agroindustrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada.
Disto percebe-se que o conceito de "prédio" se relaciona ao de "imóvel", e não necessariamente a edificação, o edifício de múltiplas unidades verticalizadas.
A Solução de Consulta Cosit nº 331, de 21 de junho de 2017, consolida o ponto, bem como o entendimento de que o "arrendamento" deve ser entendido como "locação" para fins de aplicação do artigo 3º. Inciso IV das Leis n. 10.637/2002 e 10.833/2003.
Adotando tal entendimento, é tranquila atualmente a jurisprudência do Carf no sentido de afastar glosas de crédito sob o argumento de que arrendamentos rurais não estariam englobados pelo dispositivo em comento (e.g. Acórdão nº 9303-007.535 e 9303-011.464).
Raciocínio semelhante foi utilizado para reverter glosas: 1) de gastos com aluguéis áreas docas, citando a Solução de Consulta 331/2007, para concluir que "a sólida fundamentação doutrinária é bastante para demonstrar que o conceito de prédio albergado pela legislação tributária vai muito além do edifício, abrangendo tudo aquilo que, por natureza ou por acessão, seja bem imóvel destinado às atividades do locatário" (Acórdão nº 3201-005.321); 2) de custos com aluguel de dutos e terminais, que por acessão ao solo, incorporarem-se a ele para sua utilização, tendo natureza de prédio para fins de inclusão na sistemática de creditamento das contribuições não-cumulativas (Acórdão nº 3402-002.923 e Acórdão nº 3301-010.373).
Temos também significativa controvérsia sobre a viabilidade de crédito para os casos de aluguel de veículos (automóveis, caminhões, entre outros).
Em regra, a Receita Federal veda o direito ao crédito para a hipótese de aluguel de veículos [4]. O órgão afirma que os veículos não se enquadram na noção básica de máquinas e equipamentos.
Por outro lado, o Carf, embora criterioso e restritivo[5], já permitiu o crédito a título de aluguéis de veículos, desde que tenham relação com a atividade da empresa e que se demonstre a sua relevância para o seu processo produtivo [6]. Nota-se, portanto, que o Carf, embora por vezes se atenha à análise do inciso IV das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003 [7], em determinadas situações avalia, no caso concreto, mediante as provas produzidas, a própria relevância ou essencialidade [8] do aluguel dos veículos para o processo produtivo empresarial, pautando-se, de certo modo, pela noção de insumo prevista no inciso II das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003.
Contudo, deve-se destacar que, estando adstritos ao crédito com fulcro no inciso IV (afora do tratamento do aluguel de veículos como insumo do processo produtivo ou prestação de serviço), a equiparação entre veículo e máquina foi afastada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no REsp 1.818.422, ao tratar do cálculo de amortização a ser utilizado para fins de creditamento.
Outro ponto relevante se refere à extensão da base de cálculo do crédito.
Como consabido, normalmente os locatários arcam com o adimplemento, por estipulação contratual com seus locadores, de outras parcelas que, embora relacionadas, não se confundem com o aluguel propriamente dito. É o caso de impostos (e.g. IPTU), taxas e de despesas condominiais. A dúvida que exsurge, então, é se tais parcelas compõem o crédito de PIS/Cofins tomado pelo locatário.
Não se olvida que existe discussão sobre eventual necessidade ampliação dos dizeres legais, em razão das disposições da Constituição Federal acerca da não cumulatividade da Contribuição ao PIS e da Cofins (artigo 195, §12º), aparentemente resolvida recentemente pelo STF ao fixar o tema 756 de repercussão geral. De toda forma, na seara do contencioso administrativo, impelido a aplicação da lei sem análises de cunho constitucional (Súmula Carf nº 2), a atividade fica restrita à averiguação dos dizeres da lei, entendendo seu conteúdo, mas sem criar hipótese de direito ao crédito à margem da legislação que regula o tema (artigo 26-A do Decreto 70.235/72).
Justamente no sentido de se manter fiel à escolha estrita do legislador de conferir o crédito tão somente aos valores dispendidos a título de aluguel, e não outros montantes, a Receita Federal já se manifestou em diversas oportunidades afirmando que as demais obrigações decorrentes do contrato de locação, como tributos (taxas e impostos, em especial, IPTU [9] e ITR), despesas condominiais [10] e taxa de ocupação do solo [11], juros e multa pelo pagamento a destempo do aluguel [12] não estão inseridos no valor a título de aluguel, impedindo então o respectivo crédito.
Esse posicionamento é em larga medida corroborado pelo Carf, ao afirmar que "o termo 'aluguel' contempla tão somente a remuneração pela locação de coisa não fungível, no sentido definido pela legislação civil. Despesas condominiais têm natureza distinta de pagamento de aluguel, de forma que seu creditamento não encontra amparo no inciso IV do art. 3º das Leis n. 10.637/2002 e 10.833/2003, por serem regras de exceção que não comportam interpretação extensiva" (Acórdão nº 3401-008.826) [13].
Mas o tema encontra divergência no contencioso administrativo.
Entendimento oposto foi esposado nos Acórdãos 3301-007.117 e 3301-003.874 que, lembrando a jurisprudência do STJ a respeito da situação do locatário no âmbito do IPTU (AgRg no REsp 836.089/SP; AgRg no AREsp 259.738/MA), conclui que "o locatário não integra a relação jurídico-tributária relativa do IPTU e, consequentemente, tanto o crédito fiscal não lhe pode ser exigido quanto ele prescinde do direito de solicitar repetição de indébito ou de impugnar o lançamento fiscal. O entendimento é que o fundamento jurídico do dever de o locatário pagar o valor relativo ao IPTU não é de natureza tributária, mas civil, especificamente, a cláusula do contrato de aluguel que contempla essa obrigação". Por essa razão, afastou-se a glosa de despesa de IPTU, uma vez que o crédito deveria ser outorgado com base no artigo 3º, inciso IV das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003.
No mesmo sentido foi proferido o Acórdão nº 3402-008.251, sob o argumento de que as despesas periféricas relacionadas aos contratos de aluguel, quais sejam, IPTU, taxas condominiais e outras despesas contratualmente estabelecidas, integram o custo de locação nos termos do artigo 22 da Lei nº 8.245/91 — que dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes — e devem ser consideradas para fins de apropriação de crédito das contribuição ao PIS e da Cofins.
De todos esses exemplos que causam discussão a respeito da exegese do inciso IV do artigo 3º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, percebemos que de fato é impossível esperar que a legislação tributária elenque, um a um, todos os tipos de negócios jurídicos que possuem proximidade quanto a sua natureza jurídica, para fins de regulação do sistema da não cumulatividade da Contribuição ao PIS e da Cofins e do respectivo direito ao crédito.
Firme sobre a impossibilidade de se estender os dizeres da lei criando hipótese de direito ao crédito à margem da vontade de quem, com legitimidade democrática, o assegurou, fica ao Carf a função assumir tal incapacidade do direito de regular todos os eventos sociais ao estabelecer as hipóteses normativas, averiguando se os casos concretos a elas se amoldam. Assim tem feito o Tribunal Administrativo, engrandecendo seu papel de intérprete competente da intrincada não cumulatividade da contribuição ao PIS e da Cofins.
[1] cf. Solução de Consulta Didit/SRRF 08 nº 492, de 31 de dezembro de 2009, Acórdão nº 3301-005.016 e Acórdão nº 9303-003.195.
[2] A pesquisa aqui apresentada é fruto de estudo publicado na seguinte obra coletiva: BERGAMINI, Adolpho et alii. PIS e Cofins na teoria e na prática: uma abordagem completa dos regimes cumulativo e não cumulativo. 5ª ed. São Paulo: MP Editora, 2022. v. 1.
[3] Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do poder público.
[4] Cf. Solução de Consulta nº 18/2012. Esse entendimento foi ratificado pela Solução de consulta Cosit nº 99110, de 12 de setembro de 2017 e pela Solução de consulta Disit/SRRF06 nº 6004, de 08 de abril de 2020.
[5] Acórdão nº 9303-011.943 e Acórdão nº 3201-007.344.
[6] Acórdão nº 9303008.575.
[7] Trecho do voto da relatora: "Foram glosados créditos apurados em decorrência do aluguel de veículos e outros equipamentos, pois não estaria enquadrados no disposto no inciso IV, do art. 3º, da Lei nº 10.833/2003, por não se tratarem de máquinas e equipamentos utilizados nas atividades da recorrente. Conforme explicitado pelo Contribuinte em seu apelo especial, o que a fiscalização chamou de veículo na verdade refere-se ao aluguel dos chamados 'Caminhões Munck' ou 'guindautos', os quais contam com um guindaste acoplado, destinados a colocar os produtos dentro das máquinas atuantes no processo produtivo da empresa. São máquinas utilizadas para movimentar os animais e os materiais essenciais ao processo produtivo da recorrente. (Acórdão nº 9303-011.407 – CSRF / 3ª Turma Sessão de 15 de abril de 2021).
Como outro exemplo, citamos o Acórdão nº 3402-006.726, pelo qual foi concedido direito ao crédito por ser entendido que empilhadeiras são máquinas, sendo passível de creditamento na forma do art. 3º, IV, da Lei nº 10.833/2003.
[8] Acórdão 3401-00.618 e Acórdão n. 3402-003.064.
[9] Solução de Consulta nº 647 – Cosit Data 27 de dezembro de 2017.
[10] Solução de Consulta Cosit Nº 248, de 20 de agosto de 2019.
[11] Solução de Consulta nº 115/2012.
[12] Solução de Consulta Cosit nº 485, de 25 de setembro de 2017.
[13] Trecho do voto: "Nos termos dos dispositivos da Lei no 8.245/1991, transcritos, as despesas condominiais de uma loja situada em um shopping center são decorrentes do rateio de gastos coletivos relativos ao prédio onde se situa o imóvel como por exemplo, salários e encargos trabalhistas de empregados, consumo de água e esgoto, gás, luz e força das áreas de uso comum, limpeza, conservação e manutenção das instalações e equipamentos de uso coletivo, etc. O fato de a recorrente ser obrigada ao pagamento de tais despesas juntamente com o aluguel, não as torna acessório deste. Desta forma, percebe-se que não se relacionam com aluguel e tampouco podem ter sua aplicação resultante da ampliação, por analogia, das hipóteses de creditamento expressamente previstas, como faz crer a recorrente, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade tributária".
Nesse mesmo sentido, ver também Acórdão nº 3402005.553, de 29 de agosto de 2018.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!