Licitações e Contratos

Impedimento de licitar e contratar: âmbito e termo inicial da aplicação da sanção

Autores

  • Guilherme Carvalho

    é doutor em Direito Administrativo mestre em Direito e políticas públicas ex-procurador do estado do Amapá bacharel em administração sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

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  • Raphael Guimarães

    é advogado e sócio do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados com larga experiência na área de contratação pública.

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25 de novembro de 2022, 8h00

Um dos temas mais preocupantes para aqueles que se interessam em contratar com a administração pública compreende, sem dúvidas, as sanções decorrentes de infrações contratuais.

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De modo semelhante, o artigo 156, da Lei nº 14.133/2011 [1], reproduziu as sanções previstas no artigo 87, da Lei nº 8.666/1993 [2], quais sejam: advertência; multa; impedimento de licitar e contratar/suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração; e declaração de inidoneidade para licitar ou contratar/declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a administração pública.

Em leitura apressada, pode-se chegar à conclusão (equivocada, bem se diga) de que a legislação atual não inovou em relação à anterior.

Desprovido do intuito de exaurir as alterações promovidas pela Lei nº 14.133/2011 no ordenamento jurídico, designadamente na seara das sanções aplicáveis a título de ilícitos contratuais, neste artigo serão tratadas somente as seguintes questões: 1) âmbito e 2) termo inicial da aplicação do impedimento de licitar e contratar com a administração.

No que se refere ao âmbito da aplicação do impedimento de licitar e contratar com a Administração, a Lei nº 14.133/2011 cuidou de resolver celeuma entre o Tribunal de Contas da União e o Superior Tribunal de Justiça.

É que o Tribunal de Contas da União consolidou entendimento de que "a sanção prevista no art. 87, inciso III, da Lei 8.666/1993 (suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a administração) tem aplicação restrita ao órgão ou entidade que a cominou" [3], enquanto que o Superior Tribunal de Justiça construiu jurisprudência remansosa de que "a penalidade prevista no art. 87, III, da Lei nº 8.666/1993, não produz efeitos apenas em relação ao ente federativo sancionador, mas alcança toda a Administração Pública" [4].

Diante de incompreensível (e, por que não, temerária) colisão de entendimentos, o legislador intentou conferir segurança jurídica ao dispor, no § 4º do artigo 156 da Lei nº 14.133/2021, que o impedimento de licitar e contratar abrangerá a administração direta e indireta do ente federativo (União, estados; Distrito Federal; e municípios) sancionador, senão vejamos:

"A sanção prevista no inciso III do caput deste artigo será aplicada ao responsável pelas infrações administrativas previstas nos incisos II, III, IV, V, VI e VII do caput do art. 155 desta Lei, quando não se justificar a imposição de penalidade mais grave, e impedirá o responsável de licitar ou contratar no âmbito da Administração Pública direta e indireta do ente federativo que tiver aplicado a sanção, pelo prazo máximo de 3 (três) anos."

Verifica-se, portanto, que o legislador positivou o moderado entendimento adotado pelo Tribunal de Contas da União, em detrimento da rigorosa jurisprudência oriunda do Superior Tribunal de Justiça.

Nada obstante a positivação desse entendimento mais prudente, faz-se interessante anotar que o legislador não excluiu a possibilidade de — à luz dos postulados da razoabilidade, da proporcionalidade e do consequencionalismo jurídico — o impedimento de licitar e contratar ser limitado, tão-somente, ao âmbito do órgão sancionador.

Não por acaso, inúmeros editais preveem o impedimento de licitar e contratar em dois dispositivos específicos, sendo um para o âmbito do órgão sancionador e outro para o ente federativo.

E no que se refere ao termo inicial da aplicação do impedimento de licitar e contratar com a administração, a Lei nº 14.133/2011 também cuidou de resolver outra problemática, referente a eventual morosidade no registro da sanção junto ao Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores (Sicaf).

Sucede que, na prática, nem sempre o órgão sancionador procede à publicização da penalidade com a presteza devida, isto é, logo após o encerramento do procedimento de apuração de infração e de aplicação de sanção.

Nessa situação, entendíamos – antes mesmo do advento da Lei nº 14.133/2011 — que a sanção deveria ser registrada junto ao Sicaf no primeiro dia útil subsequente à data em que o ato sancionador se tornou definitivo (não mais recorrível) perante a administração, uma vez que tal ato sempre poderá ser impugnado, em tese, perante o Judiciário.

Isso porque o contratado não pode ficar a mercê da Administração, suportando os ônus derivados da aplicação da sanção de impedimento de licitar e contratar, a qual independe — para os licitantes de boa-fé — da publicização.

Para a melhor compreensão da necessidade de pronto cadastro da penalidade junto ao Sicaf, ilustra-se: aplicada, em 25/5/2022, a sanção de impedimento de licitar e contratar pelo período de seis meses, a administração tarda três meses para fazer o multicitado registro. Por conseguinte, se a data de registro for considerada como termo inicial (por exemplo, 25/8/2022) da sanção, o apenado ficará impedido até 25/02/2023. Se não houvesse, no entanto, morosidade, o apenado estaria novamente apto para licitar e contratar a partir de 25/11/2022.

Nobres leitores, num contexto em que é predatório o mercado, indaga-se: um licitante impedido de participar de procedimento de contratação pública, ainda que a penalidade não esteja registrada no Sicaf, não será delatado pelos seus concorrentes? Parece-nos que sim, invariavelmente.

Quer-se dizer, assim, que o atraso injustificado por parte da administração não deve prejudicar o apenado. Do contrário, permitir-se-á indevido prolongamento — no caso ilustrado, de seis meses para nove meses — do período da sanção.

De modo salutar, no entanto, dispôs o legislador, no artigo 161, caput, da Lei nº 14.133/2011, que a publicização da penalidade deve ser realizada no prazo improrrogável de 15 dias úteis, senão vejamos também:

"Os órgãos e entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todos os entes federativos deverão, no prazo máximo 15 (quinze) dias úteis, contado da data de aplicação da sanção, informar e manter atualizados os dados relativos às sanções por eles aplicadas, para fins de publicidade no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (Ceis) e no Cadastro Nacional de Empresas Punidas (Cnep), instituídos no âmbito do Poder Executivo federal."

À guisa de conclusão, percebe-se que a sanção de impedimento de licitar e contratar abrange, em regra, a Administração indireta e direta do ente federativo (União; estados; Distrito Federal; e munícipios) sancionador, o que não exclui a hipótese — ainda que excepcional sob a vertente dos postulados da razoabilidade, da proporcionalidade e do consequencionalismo jurídico — de que a sanção seja limitada ao âmbito do órgão sancionador.

Outrossim, havendo expressa disposição legal no sentido de que a administração deve proceder ao registro da sanção no prazo improrrogável de 15 (quinze) dias úteis, não há mais dúvida acerca do termo inicial do impedimento de licitar e contratar.

 


[1] Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2011. Lei de Licitações e Contratos Administrativos.

[2] Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências.

[3] Acórdão: 1793/2011 – Plenário, relator: VALMIR CAMPELO, data de julgamento: 6/7/2011

[4] STJ – AgInt no REsp: 1382362 PR 2013/0134522-6, relator: ministro GURGEL DE FARIA, data de julgamento: 7/3/2017, T1 – 1ª TURMA, data de publicação: DJe 31/3/2017.

Autores

  • é doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e políticas públicas, ex-procurador do estado do Amapá, bacharel em administração e sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

  • é advogado e sócio do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados, com larga experiência na área de contratação pública.

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