Opinião

Mais de R$ 100 bilhões por ano gastos com o Poder Judiciário

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24 de novembro de 2022, 7h03

Cultura do litígio versus a cultura do consenso
Temos no Brasil vários hábitos e posturas enraizadas há muito tempo e que pareciam ser imutáveis. Mas algumas situações fizeram com que se modificassem, e passamos a lidar com elas de novas formas. Não é novidade para ninguém que a pandemia de Covid-19 acelerou e muito o uso do mercado digital em todos os formatos (aplicativos, sites, WhatsApp)

Essa aceleração trouxe novos produtos, novos serviços, novos modelos de negócios. Diferentes cenários fáticos se apresentam mediante o uso da inteligência artificial (IA), internet das coisas, realidade virtual (VR), metaverso e tantas outras tecnologias que vêm definindo as novas formas de relações de consumo em todo o planeta e operando mudanças qualitativas e quantitativas para os consumidores; maior agilidade, comodidade, desburocratização do ambiente de negócios e o melhor: custos mais acessíveis.

Contudo, essa aceleração também atribuiu ao consumidor o desafio de compreender e se adaptar às novas modalidades de relações e, principalmente, de assumir o protagonismo dessa transformação, valorizando o que realmente é essencial à sustentabilidade econômica e social, afinal de contas somos parte de um todo.

77,3 milhões de processos em tramitação, aguardando alguma solução
Tudo isso seria excelente para o avanço do país se o Brasil não fosse um dos países que tem o maior número de processos judiciais do mundo. As medidas de estoque de processos no Brasil são inimagináveis para todos os países do resto do mundo. Segundo dados da Justiça em Números, o Poder Judiciário brasileiro finalizou o ano de 2021 com 77,3 milhões de processos em tramitação, aguardando alguma solução definitiva.

O elevado número de ações revela uma imaturidade do brasileiro, no sentido de não conseguir resolver os seus problemas sem a interferência do Poder Judiciário. Muitas dessas ações poderiam ter sido solucionadas no âmbito administrativo, recorrendo à Justiça apenas como última alternativa.

Além dos mais de R$ 100 bilhões por ano gastos com Judiciário, a base nacional de dados do Poder Judiciário, mantida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), contabilizou o total de 76.410.786 milhões de processos em tramitação até o dia 31 de agosto de 2022.

O Poder Judiciário concluiu 26,9 milhões de processos em 2021, uma expansão de 11,1% no número de casos solucionados em relação a 2020. No entanto, neste mesmo período registrou-se o ingresso de 27,7 milhões de novas ações — incluídas as que voltaram a tramitar —, revelando um crescimento de 10,4%.

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Se prevalecesse a cultura do consenso no lugar da do litígio, os recursos alocados para os trâmites desses processos poderiam atender demandas em áreas vitais para o bem-estar dos cidadãos, como saúde, educação, segurança, saneamento básico etc.

Não se trata de apenas assegurar o acesso, o ingresso no Judiciário, mas de insistir nas resoluções de controvérsias por métodos extrajudiciais, a partir de diversos canais e ferramentas tecnológicas, pois, além de impactar positivamente na redução das demandas no Judiciário, contribuirá para a eficácia das normas, a eficiência na solução dos conflitos e um melhor desempenho econômico do país.

A mudança cultural necessária
Diante desse cenário devastador da litigiosidade desvairada no Brasil, convido os leitores e as leitoras a refletirmos juntos sobre o papel que cada um de nós desempenhamos para uma mudança cultural que seja baseada na garantia de acesso à ordem jurídica justa e solução efetiva de controvérsias, mas sem necessariamente se esperar da litigância paradigmática em âmbito judicial o único meio capaz de fazer justiça. Acesso à Justiça não depende necessariamente de acesso ao Judiciário.

Segundo Fernando Teixeira de Andrade, "há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos".

Nos próximos artigos trarei temas relacionados à variedade desses efeitos diretos e indiretos provocados pela cultura litigiosa, sem pretender ser exaustiva, mas com a certeza de que precisamos refletir e rever a forma como lidamos com os problemas, utilizamos os recursos e construímos uma sociedade protagonista na solução dos seus próprios conflitos.

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