Opinião

Proibição da venda, publicidade e importação de cigarros eletrônicos à luz do CDC

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22 de novembro de 2022, 11h20

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A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por meio de decisão colegiada proferida em julho de 2022, decidiu manter a proibição dos dispositivos eletrônicos de fumo, outrora denominados de "vapes", "e-cigs", "e-cigar", entre outros nomes.

Em 2009, a agência reguladora, por meio da Resolução RDC nº 46, proibiu a comercialização, publicidade, importação e distribuição destes dispositivos em todo território nacional. A agência reguladora publicou edital para contribuições da sociedade em abril deste ano, com o objetivo de que sejam apresentadas informações acerca da segurança dos dispositivos eletrônicos para fumar, e posteriormente apresentar parecer que possa permitir o comércio destes que seguem sendo comercializados sem permissão, desde 2009.

O principal argumento que manteve a proibição dos "vapes" segue o critério da precaução, uma vez que inexistem dados científicos suficientes que atestem tanto a segurança do produto, quanto a extensão de seus danos, se houver.

Muito embora a extensão dos dados científicos e médicos acerca da prejudicialidade dos cigarros eletrônicos seja limitada, existem sim dados que comprovam diversas lesões pulmonares graves em pacientes jovens, grupo demográfico em que tais produtos são extremamente populares. O FDA (Food and Drug Administration), também neste ano proibiu a comercialização de diversas marcas de cigarros eletrônicos nos EUA, sustentando que há um aumento significativo do uso de cigarros eletrônicos entre jovens, e que enquanto os produtos não forem seguros para uso dentro das normativas americanas, eles não devem ser comercializados. "'Today's action is further progress on the FDAs commitment to ensuring that all e-cigarette and electronic nicotine delivery system products currently being marketed to consumers meet our public health standards', said FDA Commissioner Robert M. Califf, M.D. 'The agency has dedicated significant resources to review products from the companies that account for most of the U.S. market. We recognize these make up a significant part of the available products and many have played a disproportionate role in the rise in youth vaping'".

Riscos e doenças já associados ao uso de vapes
Muito embora a posição da Anvisa e a das agências reguladoras dos EUA foque na precaução em virtude de poucos dados científicos, tais dados não são inexistentes. Já existem casos descritos na literatura médica de gravíssimas lesões pulmonares em pacientes jovens que fazem o uso crônico do cigarro eletrônico, o que resultou na denominação de uma doença chamada Evali (vape associated lung injury). O estudo consistiu na análise de casos de internações nas Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) no Hospital Universitário e Centro Médico de Rochester, em Nova York. Os pacientes analisados apresentavam quadros de dispnéia, vômito, febre e hipóxia, quadros que, nas condições apresentadas, colocavam os pacientes em risco de vida, o que foi constatado mediante análise de exames de raios-x no tórax. O tratamento consistiu principalmente na cessação completa do uso de produtos vaporizadores e "vapes", bem como injeções de esteroides, comumente denominados de corticoides, que atuavam na mitigação da inflamação brônquica areolar. A grande maioria dos pacientes apresentou melhora significativa nas primeiras duas semanas após cessarem com o uso do cigarro eletrônico.

O estudo marcou o início de uma série de novas pesquisas sobre o mesmo tema, a respeito de casos ainda mais graves, por toda a extensão dos Estados Unidos. Em alguns casos, os pacientes adulteravam os cigarros eletrônicos e os carregavam com extratos de óleo de tetrahidrocanabinol (THC), substância entorpecente extraída da cannabis (maconha).

Cigarros eletrênicos e o CDC: prevenção
O Código de Defesa do Consumidor é o principal diploma legal que regulamenta as relações consumeristas no Brasil. Partindo do pressuposto de que as relações entre consumidor e fornecedor nascem em desigualdade, em virtude da vulnerabilidade sustentada pelo consumidor, é de responsabilidade do fornecedor que aja com zelo e boa-fé nas tratativas com o consumidor.

Por isso, destacam-se dois princípios dos dez presentes no Código de Defesa do Consumidor: o princípio do dever de informar e o princípio da prevenção, ambos presentes nos artigos 8, 9 e 10, do CDC.

O princípio do dever de informar não se restringe a somente informar as qualidades objetivas do produto, sendo também obrigatório que se informe os riscos que o uso do produto apresenta para a saúde do consumidor, ou seja, não basta informar somente a composição do produto, fornecedor deve informar os efeitos dos elementos na saúde do consumidor.

Trazendo isso ao caso dos cigarros eletrônicos, verifica-se que diante da inviabilidade de informar extensivamente e enfaticamente os efeitos que o fumo de vaporizadores tem na saúde do consumidor, a comercialização deles contraria diretamente as disposições do Código de Defesa do Consumidor. Embora, somente agora estudos estão sendo feitos acerca da extensão dos danos desses produtos, já existem casos de inflamações pulmonares graves associadas ao uso de vaporizadores. Alia-se isso ao fato de que é um produto extremamente popular entre jovens abaixo dos dezoito anos. De acordo com um estudo conduzido pelo CDC (Center for Diseases Control) cerca de 84,9% de jovens já alegaram terem consumido cigarros eletrônicos e vaporizadores. A grande maioria desses jovens que se encontram em período escolar (ensino fundamental e ensino médio, majoritariamente), informaram terem consumido cigarros eletrônicos com sabores de fruta, doces, sobremesas, menta, entre outros. São sabores que acabam sendo extremamente populares entre pessoas mais jovens por conta do paladar mais adocicado, contrário ao cigarro convencional e produtos fumígenos.

Trata-se de um panorama extremamente preocupante, que evidencia um enorme retrocesso do combate ao tabagismo, principalmente entre jovens. A ausência de fumaça e cheiro, aliado com o fato de que as empresas utilizam sabores muitas vezes "infantis" bem como a facilidade de transporte dos cigarros eletrônicos facilita o crescimento exponencial do abuso de substâncias como a nicotina no formato dos cigarros eletrônicos.

Tendo tudo isso em vista, sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor, junto das atribuições da Anvisa e demais autarquias reguladoras, verifica-se que os cigarros eletrônicos seguem sendo extremamente nocivos para a saúde, e a importação, comercialização e publicidade deles devem ser proibida.

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Bibliografia e referências
FDA: https://www.fda.gov/tobacco-products/products-ingredients-components/e-cigarettes-vapes-and-other-electronic-nicotine-delivery-systems-ends

PUBMED: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31711871/

CDC: https://www.cdc.gov/tobacco/basic_information/e-cigarettes/severe-lung-disease.html

Código de Defesa do Consumidor: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm

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