Extensão de créditos de PIS/Cofins na LC 192/22 para revenda de combustíveis
7 de novembro de 2022, 7h05
Recentemente foi julgada a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.181, com pedido de medida cautelar, pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), tendo por objeto a inconstitucionalidade da Medida Provisória nº 1.118, de 17 de maio de 2022, a qual alterou a Lei Complementar nº 192, de 11 de março de 2022.
A referida lei define os combustíveis sobre os quais incidirá uma única vez o ICMS e também zera as alíquotas do PIS e da Cofins até 31 de dezembro de 2022, mantendo, neste período, o direito ao aproveitamento dos créditos vinculados a todas as pessoas jurídicas da cadeia, inclusive os adquirentes finais. O texto da MP 1.118/22, por sua vez, extirpou o trecho final do artigo 9º, extinguindo o creditamento pelo adquirente final dos combustíveis, ou seja, para aqueles que compram esses produtos para uso próprio. Veja-se abaixo o comparativo entre as redações:
Redação Original da Lei Complementar nº 192/22 |
Redação da Lei Complementar nº 192/22, alterada pela MP nº 1.118/22
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Art. 9º. As alíquotas da Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Contribuição para o PIS/Pasep) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) de quem tratam os incisos II e III do caput do art. 4º da Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998, o art. 2º da Lei nº 10.560, de 13 de novembro de 2002, os incisos II, III e IV do caput do art. 13 da Lei nº 10.865, de 30 de abril de 2004, e os arts. 3º e 4º da Lei nº 11.116, de 18 de maio de 2005, ficam reduzidas a 0 (zero) até 31 de dezembro de 2022, garantidas às pessoas jurídicas da cadeia, incluído o adquirente final, a manutenção dos créditos vinculados. |
Art. 9º. As alíquotas da Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público – Contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins de que tratam os incisos II e III do caput do art. 4º da Lei nº nº 9.718, de 27 de novembro de 1998, o art. 2º da Lei nº 10.560, de 13 de novembro de 2002, os incisos II, III e IV do caput do art. 13 da Lei nº 10.865, de 30 de abril de 2004, e os art. 3º e art. 4º da Lei nº 11.116, de 18 de maio de 2005, ficam reduzidas a zero até 31 de dezembro de 2022. (Redação dada pela Medida Provisória nº 1.118, de 2022). |
A ADI nº 7.181, a qual insurgiu em face da MP, invocou, resumidamente, os seguintes argumentos: a) inconstitucionalidade da MP nº 1.118/22, no ponto em que retirou dos consumidores finais de combustíveis o direito (concedido por lei complementar) de se creditarem nas operações submetidas à alíquota zero, visto que o impedimento deste crédito importa grave impacto ao setor; b) no mérito, alega ter o ato normativo em questão violado os artigos 2º; 62, caput; 150, I, II, c; e 195, § 6º, da Constituição Federal bem como os princípios da não-surpresa e da segurança jurídica; c) inconstitucionalidade formal da Medida Provisória, pois não atende os requisitos da relevância e da urgência.
O instrumento configura importante mecanismo de defesa para arguir a inconstitucionalidade de lei, ato normativo federal ou estadual. A ADI pode ser apresentada pelo presidente da República, pelos presidentes do Senado, da Câmara ou de assembleia legislativa, pela Ordem dos Advogados do Brasil, pelo procurador-geral da República, por partido político e por entidade sindical de âmbito nacional, categoria em que se enquadra a CNT.
O ponto chave da questão foi em relação à majoração indireta, visto que a medida provisória só poderia surtir efeitos desde que observada a anterioridade nonagesimal, o que não ocorreu. A Confederação mencionou, inclusive, o julgamento da ADI nº 5.277, no qual se teria afirmado que o princípio da anterioridade nonagesimal também deve ser observado na edição de medidas provisórias.
O ministro Dias Toffoli, a quem a ADI foi distribuída, deferiu o pedido liminar:
"(…) Resumidamente, em sede de cognição sumária, julgo estar presente o fumus boni iuris tão somente quanto à alegada violação do art. 195, § 6º, da Constituição Federal e, nesse sentido, considero que a medida provisória hostilizada só poderia produzir efeitos depois de decorridos noventa dias da data de sua publicação. Em relação ao periculum in mora, também entendo estar ele presente. Como bem sustentou a Confederação Nacional do Transporte (CNT), a medida provisória impugnada provoca impacto relevante e nacional no setor de transportes. Não sendo concedida a medida cautelar, as pessoas jurídicas que adquirem os combustíveis para uso próprio ficarão obstadas de tomarem o crédito a que têm direito até o julgamento final da ação direta. Paralelamente a isso, cumpre recordar que boa parte do transporte de mercadorias é feita, no país, por meio de caminhões, muitos deles movidos a diesel. Nessa toada, a majoração, ainda que de forma indireta, da carga tributária do PIS/Pasep e da Cofins relativamente aos produtos referidos no art. 9º da LC nº 192/22 em desacordo com o texto constitucional pode gerar impactos amplos em termos econômicos. Ante o exposto, defiro em parte a medida cautelar, ad referendum do Plenário, para determinar que a Medida Provisória nº 1.118, de 17 de maio de 2022, somente produza efeitos após decorridos noventa dias da data de sua publicação. Tendo em vista se tratar de referendo de medida liminar, o qual pode ser apresentado em mesa para julgamento independentemente de pauta (art. 21, XIV, RISTF)."
Posteriormente, a Corte iniciou o julgamento do processo no Plenário Virtual, onde seis dos onze ministros votaram pela concessão de liminar que garante aos consumidores finais de óleo diesel o direito ao crédito de PIS e Cofins pelo período de 90 dias, a contar da publicação da Medida Provisória nº 1.118, de maio de 2022.
Insta salientar que a Medida Provisória 1.118/2022, que aguardava votação no Senado, perdeu a validade em 27/9/2022. Sendo assim, o Congresso Nacional terá 60 dias para editar, se for o caso, decreto legislativo regulamentando os efeitos da norma durante seu período de vigência. A ADI, porém, não perdeu seu objeto, visto que foi interposta durante a vigência da MP, perdurando assim, seus efeitos e prevalecendo a decisão da Corte no que couber.
O ponto controverso que se impõe diz respeito principalmente quanto à extensão do artigo 9º do texto original da LC 192/2022. Restando em um primeiro momento, mantidos os créditos aos consumidores finais e à todas as pessoas jurídicas da cadeia, isso significa dizer que resta garantido aos revendedores a manutenção de crédito sobre o custo de aquisição dos itens referenciados no dispositivo (diesel, biodiesel, GLP e querosene de aviação)?
O texto normativo certamente causa confusão, uma vez que os itens em questão são submetidos ao regime monofásico e sua aquisição via de regra, conforme disposto no artigo 3º, "b" das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, não gera direito a créditos do regime não cumulativo do PIS e da Cofins. Contudo, a redação parece não deixar muita margem para discussão, uma vez que prevê expressamente que o crédito se mantém permitido aos adquirentes finais e às demais empresas que compõem os elos da cadeia econômica.
Restando permitidos os créditos, a segunda questão é quanto à sua extensão no tempo. A LC permitiu os créditos em 11 de março de 2022, a MPV 1.118 foi publicada em 17 de maio de 2022 e, caso tenha afastado o creditamento, este deveria prevalecer até 90 dias após a sua publicação. Além disso, há interpretação segundo a qual a MPV 1.118/2022 manteve o direito dos revendedores ao inserir o §2º no artigo 9º e, nestes termos, o crédito teria sido extinto apenas após a LC 194/2022, publicada em 23 de junho de 2022, e, nestes termos, o creditamento seria potencialmente possível até 90 dias após esta lei.
A MPV 1.118/2022, ao alterar o caput do artigo 9º da LC 192/2022, também inseriu o §2º, que dispõe que "aplica-se às pessoas jurídicas produtoras ou revendedoras dos produtos de que trata o caput o disposto no art. 17 da Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004". O artigo 17 em questão, por sua vez, versa:
"Art. 17. As vendas efetuadas com suspensão, isenção, alíquota 0 (zero) ou não incidência da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins não impedem a manutenção, pelo vendedor, dos créditos vinculados a essas operações."
Quanto ao sentido deste dispositivo, o STJ decidiu, em 27 de abril de 2022, que este não autoriza a composição de créditos sobre o custo de aquisição de itens submetidos à monofásica, mas sim a manutenção de créditos não vedados pela legislação, como, por exemplo, de despesas operacionais como aluguel e energia elétrica.
Nestes termos, é controversa a afirmação de que a MPV 1.118/2022 manteve os créditos aos revendedores de combustíveis até a edição da LC 194/2022, que expressamente os proibiu. Contudo, a tese vem sendo levada ao judiciário pelos contribuintes, que buscam a possibilidade de aproveitarem-se dos créditos entre 11 de março até, pelo menos, 90 dias contados a partir da publicação da MPV 1.118/2022 ou então a partir da publicação da LC 194/2022.
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