Opinião

Manejo de ações civis públicas coletivas

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28 de março de 2022, 20h13

Ao adentrar o último trimestre de 2021, uma entidade sindical, ciente da futura demissão em massa de funcionários, realizou o manejo de ação civil pública para resguardar de forma cautelar o Direito exposto no inciso I do Artigo 7 da Constituição de 1988.

Naquele tempo, apesar de incontáveis medidas judiciais necessárias para o cumprimento de direitos garantidos pela Constituição, portanto, básicos, houve resistência do Judiciário no trâmite da ação, o que levou à inexistência de medidas cautelares efetivas.

Ao virar o dia 31/12/2021, mais de mil empregados foram demitidos de serviço essencial de saúde, ficando à mercê de uma conta milionária, sem o último salário, a segunda parcela do 13º, férias ou FGTS. A empresa, além de compor o polo passivo de dezenas de ações coletivas, sabidamente não possuía valores em suas contas, enquanto seu sócio tilintava patrimônio e viagens de alto custo.

Desde então, nada foi garantido aos trabalhadores. As verbas alimentares jamais foram pagas, a emissão de documentos somente ocorreu após decisões judiciais e as ações contra a empresa saltaram de 75 para 515 em menos de dois meses.

Este é o reflexo da dificuldade e resistência judicial no manejo de ações civis públicas coletivas, que em sua grande parte são tratadas como simples ações individuais, encontrando despachos e decisões que não condizem com a gravidade, o conjunto de informações e afetados envolvidos, ultrapassando transcurso de tempo que esvazia a utilidade do meio processual.

O resultado são centenas de pessoas desamparadas e que precisarão esperar o longo trâmite de um processo, por vezes individual e de forma custosa, à mercê do oportunismo, para a garantia de direitos que, de outra forma, deveriam ser absolutos, pois protegido pelos Artigos 5, 6 e 7 da CRFB/88.

Dois são os aspectos principais de resistência. O primeiro envolve a figura sindical, que aparentemente confronta a visão geral destas entidades, que são a única forma de defensoria pública do trabalhador, em razão da polarização política partidária que, infelizmente, assolou os representantes de classe.O segundo é o despreparo e o desconhecimento daqueles que tramitam o processo sobre as normas e a dinâmica de funcionamento daquilo que foge ao dia a dia, levando à necessidade de recursos desnecessariamente banais.

Felizmente, magistrados com visão administrativa, empresarial e de realidade brasileira conseguem entender a dinâmica de funcionamento de uma empresa que contínua e sistematicamente descumpre a lei, diante da necessidade de ação contra o descumprimento de direitos que são absolutos, entendendo que se existe processo, há alguém sem salário.

Infelizmente, o Brasil definitivamente não comporta uma análise restritiva de comportamento empresarial, em especial diante do crescente profissionalismo no trato de figuras e componentes de desvio financeiro, por vezes, escancarado. Somente o Judiciário possui ferramentas necessárias para uma análise cuidadosa da condição do devedor de direito tão básico e essencial à sobrevivência. E estas ferramentas não podem ficar restritas ao momento final do processo, quando o desespero do trabalhador e o transcurso do tempo podem significar a perda do resultado útil da dinâmica judicial.

As ações coletivas são, quando utilizadas e manejadas com a devida seriedade, uma ferramenta essencial à garantia cautelar e definitiva de direitos que atingem centenas de pessoas, sem que a Justiça tenha que passar pelo martírio de milhares de decisões e recursos, por vezes conflitantes e com reflexos infindáveis na forma como o cidadão entende a própria Justiça.

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