Opinião

Estratégia de planejamento fiscal à luz da recente jurisprudência do Carf

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22 de março de 2022, 13h03

Diante das recentes decisões do Carf reconhecendo a dedutibilidade tanto (1) dos juros sobre capital próprio (JCP) acumulados quanto (2) daqueles oriundos de incorporações horizontais/"linha a linha", que ocorrem quando o patrimônio da incorporada é absorvido diretamente na conta da incorporadora, por meio da soma dos saldos, lucros e reservas da incorporada, muito se tem discutido sobre o assunto no âmbito de planejamentos tributários.

Os JCP não são novidade em nosso país. Eles passaram a ser importantes instrumentos de planejamento tributário das empresas optantes pelo lucro real a partir da promulgação da Lei nº 9.249/1995, que previu a dedutibilidade de tais valores das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL. De acordo com a exposição de motivos da norma, o propósito era recuperar a economia brasileira na década de 1990, estimulando o sócio ou acionista a manter a sociedade capitalizada sem recorrer ao endividamento com terceiros.

Para que os JCP sejam pagos ou creditados aos sócios ou acionistas de determinada sociedade devem ser preenchidos os seguintes requisitos: (1) a apuração deve ser feita sobre as contas do patrimônio líquido e limitada à variação, pro rata die, da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) e (2) os valores não devem ultrapassar 50% dos lucros distribuíveis. Sobre as quantias recebidas pelos sócios ou acionistas a título de JCP deve incidir IRRF, à alíquota de 15%, na data do pagamento ou crédito do beneficiário, nos termos do artigo 9º, §2º, da Lei nº 9.249/1995. Se tais valores forem recebidos por pessoa jurídica domiciliada em país ou dependência com tributação favorecida, deverá ser aplicada a alíquota de 25%, como disposto no artigo 14, §1º, da Instrução Normativa RFB nº 1.455/2014.

Nos anos de 2020 e 2021, com a pandemia causada pela Covid-19, muitas empresas, alarmadas pelo cenário de incertezas da economia mundial, decidiram proteger seu caixa, optando pela retenção do pagamento de JCP aos seus sócios e acionistas.

Na época, o Carf, em sua maioria, afirmava que as despesas com JCP somente poderiam ser deduzidas das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL no período de apuração do lucro da sociedade, e não em anos-exercícios posteriores, em respeito ao regime de competência.

Não obstante, com o fim do voto de qualidade pelo artigo 19-E da Lei nº 10.522/2002, acrescido pelo artigo 28 da Lei nº 13.988/2020, alguns precedentes favoráveis aos contribuintes começaram a se firmar na Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF). Foi o que ocorreu nos processos administrativos nºs 16327.001202/2009-72, 10950.006120/2007-10 e 16327.721311/2014-77, apreciados pela 1ª Turma nas sessões realizadas nos dias 3/9/2021, 6/10/2021 e 7/10/2021, respectivamente. Todos esses casos foram decididos por desempate pró-contribuinte.

O fundamento utilizado pela 1ª Turma do CSRF, em relação ao qual nos filiamos, é de que o artigo 9º da Lei nº 9.249/1995 não impõe quaisquer limites temporais para que a dedução dos valores pagos ou creditados a título de JCP seja efetivada.

Como exposto na ementa do acórdão nº 9101-005.815, vinculado ao processo administrativo nº 16327.721311/2014-77, "a dedução dos juros sobre capital próprio do Lucro Real não está submetida, condicionada ou limitada ao regime de competência, podendo ser feita a redução de tais valores da monta do lucro tributável, efetivamente pagos ou creditados, ainda que referentes a apurações de períodos anteriores".

A esse respeito, cabe esclarecer que o STJ já havia consolidado entendimento pela possibilidade de as empresas deduzirem as despesas incorridas com JCP da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, desde que (1) ocorra o seu efetivo pagamento ou credenciamento ao beneficiário e (2) tenha havido deliberação societária. Foi o caso do julgamento, ocorrido em 17.02.2009, do REsp nº 1.086.752/PR pela 1ª Turma da Corte, de relatoria do ministro Francisco Falcão, precedente repetido em decisões posteriores sobre o tema.

Por outro lado, quanto aos JCP oriundos de incorporações horizontais/"linha a linha", a 1ª Turma da CSRF, recentemente, por meio do julgamento do processo administrativo nº 16327.001538/2010-79, firmou o posicionamento de que essas remunerações, apuradas com base no patrimônio líquido da incorporadora após tais incorporações, seriam dedutíveis para fins de IRPJ e CSLL, por ausência de previsão legal que disponha ao contrário. O caso também foi decidido por voto de desempate pró-contribuinte.

Trata-se de importante precedente em nossa jurisprudência administrativa, uma vez que o Carf sustentou entendimento diverso no julgamento do recurso voluntário vinculado a este mesmo processo administrativo, no ano de 2013. Na ocasião, o tribunal arguiu que, na incorporação, a transferência do patrimônio da incorporada se daria somente pelo aumento do capital social da incorporadora, com a extinção da incorporada. A consequência seria o desaparecimento das contas contábeis de lucros acumulados de períodos anteriores e das reservas da incorporada, que, portanto, não poderiam ser "aproveitadas", ao contrário do que ocorre na incorporação horizontal/"linha a linha".

Em que pese o avanço da jurisprudência administrativa sobre o assunto, é importante observar que ainda não há posição jurisprudencial consolidada (1) seja em relação aos JCP acumulados, (2) seja quanto à possibilidade de se deduzir tais remunerações da base de cálculo do IRPJ e da CSLL quando provenientes de incorporações horizontais/"linha a linha".

De todo modo, a tendência é que as empresas comecem a estudar cada vez mais a possibilidade de utilização dos JCP como forma de planejamento tributário, bem como de imediata distribuição dos JCP acumulados, para fins de dedução de tais despesas das bases de cálculo de IRPJ e de CSLL, principalmente considerando que uma das propostas previstas no Projeto de Lei nº 2.337/2021 é justamente a extinção dessa espécie de remuneração dos sócios/acionistas.

 


COLUSSI, João Marcos Colussi. BRUNELLI, Lucas Diehl. O debate sobre a dedutibilidade dos JCP pagos de forma retroativa ou acumulada. Conjur, 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-mar-07/opiniao-dedutibilidade-jcp-pagos-forma-retroativa. Acesso em: 12 /2/ 2022.

RIBAS, Mariana. Após mudanças no Carf, empresas planejam pagar JCP acumulado em 2022. Jota, 2022. Disponível em: https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/carf-apos-mudanca-empresas-planejam-pagar-jcp-acumulado-2022-31012022. Acesso em: 12/2/2022.

RIBAS, Mariana. Carf decide que JCP resultante de incorporação linha a linha é dedutível. Jota, 2022. Disponível em: https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/carf-jcp-resultante-incorporacao-linha-a-linha-e-dedutivel-11022022#:~:text=Este%20conte%C3%BAdo%20integra%20a%20cobertura,com%20exclusividade%20para%20assinantes%20PRO. Acesso em: 12/2/2022.

WAGNER, Rafael Korff. Juros sobre o capital próprio "extemporâneo". Jota, 2021. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-do-carf/juros-sobre-o-capital-proprio-extemporaneo-19102021. Acesso em: 12/2/2022.

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