Reflexões Trabalhistas

Considerações sobre a prova do assédio sexual no trabalho

Autor

  • Raimundo Simão de Melo

    é doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho consultor jurídico advogado procurador regional do Trabalho aposentado e autor de livros jurídicos entre eles Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador.

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18 de março de 2022, 8h00

Da leitura de matéria extraída do site do TST ("Assédio sexual: o que é, quais são os seus direitos e como prevenir?") tem-se uma rápida ideia sobre a problemática do assédio sexual e das dificuldades da prova para as vítimas de tal prática: "O assédio sexual é definido, de forma geral, como o constrangimento com conotação sexual no ambiente de trabalho, em que, como regra, o agente utiliza sua posição hierárquica superior ou sua influência para obter o que deseja".

Em 2019, essa prática foi tema de 4.786 processos na Justiça do Trabalho.

Segundo a presidente do TST e do CSJT, ministra Maria Cristina Peduzzi, é dever do empregador promover a gestão racional das condições de segurança e saúde do trabalho. "Ao deixar de providenciar essas medidas, ele viola o dever objetivo de cuidado, configurando-se a conduta culposa [1], assinala a ministra Peduzzi. 'Cabe ao empregador, assim, coibir o abuso de poder nas relações de trabalho e tomar medidas para impedir tais práticas, de modo que as relações no trabalho se desenvolvam em clima de respeito e harmonia'" (site do TST, acesso em 12/3/2022).

Ainda se extrai da matéria importantes subsídios da corte superior sobre o tema: "Uma das dificuldades ao ajuizar uma ação de assédio sexual é a produção de provas. 'Geralmente, os atos não são praticados em público. São feitos de forma secreta, quando a vítima está sozinha', explica a ministra Maria Cristina Peduzzi. As provas são importantes para evitar alegações falsas e podem ser extraídas de conversas por aplicativos de mensagens e até por testemunhas do fato".

Às vezes se exige das vitimas de assédio sexual, que na maioria das vezes são mulheres, prova documental, como faz alguém que cobra uma dívida não paga e apresenta como prova o respectivo título!

Mas não é assim que ocorre nos casos de assédio sexual, como explica a ministra Maria Cristina Peduzzi, acentuando as dificuldades ao se ajuizar uma ação de assédio sexual, no tocante à produção de provas, porque geralmente os atos não são praticados em público e são feitos de forma secreta, quando a vítima está sozinha.

Diante das dificuldades de prova do assédio sexual são aceitos os mais diversos meios de prova, com a devida ponderação do julgador, acolhendo até mesmo o depoimento da vítima, como em importante decisão pronunciou o TRT da 2ª Região no Processo nº 1000150-07.2019.5.02.0037.

O relator da decisão, juiz convocado Marcos Neves Fava, reconheceu que "o depoimento de vítimas de assédio sexual tem grande valor como prova em uma ação judicial porque, em geral, é praticado na clandestinidade, sem a presença de testemunhas", afirmando ainda que "há uma cultura machista que causa a prática reiterada do assédio contra a mulher, e ainda põe a culpa na vítima".

A decisão do TRT-2 aplicou o entendimento da Justiça Penal de que o depoimento da vítima em caso de assédio tem caráter de prova.

Também por conta da submissão da mulher na sociedade patriarcal ocidental machista, se inclui sua exposição mais frequente ao assédio sexual. Por isso, o Poder Judiciário, sabedor dessa situação, no âmbito dos processos que julga, tem ponderado sobre as dificuldades da prova desse fato, diferentemente de outros tipos de alegações de reclamantes em processos trabalhistas.

O certo é que a prática social mediana e medíocre ainda reitera nos padrões de análise e avaliação do tema por muitos, o que desprestigia a igualdade de gênero e retroalimenta o sistema, para torná-lo ainda mais impermeável à evolução na busca de maior respeito às mulheres nos ambientes de trabalho. Queiramos ou não, ainda existe uma cultura atrasada, que considera a mulher como objeto de desejo masculino.

É nesse cenário cruel que as mulheres empregadas, na maioria das situações de assédio sexual, inibem-se de procurar auxílio ou punição de seus agressores, temendo a ocorrência da reiteração, da confirmação ou da condenação de que, ao fim e ao cabo, foi agredida porque provocou, mas também, pelo medo de perder o emprego e ter sua vida intima colocada em exposição.

Por isso, muitas vezes a vítima suporta as investidas do seu superior e, por conta da situação, sofre e fica doente. Ainda, há casos em que a vítima, que não aceita as investidas do assediador, passa a sofrer assédio moral como reprimenda do superior hierárquico.

Quer dizer, a vida da vítima pode virar um verdadeiro inferno, que a leva à doença mental, porque ninguém é de ferro e, finalmente, ao que tanto ela teme: a perda do emprego.

Dizer levianamente que a vítima "inventa" história para ganhar indenização por dano moral, como se vê em alguns processos judiciais, é uma acinte e agressão cruel à dignidade da pessoa humana.

Há casos em que a vitima é uma senhora casada e mãe de família, que não tem o menor interesse em expor sua vida íntima, inclusive pelos problemas matrimoniais e no seio da família, pela situação constrangedora e, por isso, não criaria uma situação de assédio sexual para ganhar dinheiro, convenhamos.

Autores

  • é doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP, professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas, membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, consultor jurídico, advogado, procurador regional do Trabalho aposentado e autor de livros jurídicos.

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