Opinião

A narrativa cruel do governo federal e da AGU contra os aposentados

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18 de março de 2022, 18h33

O governo federal está orquestrando uma verdadeira crueldade contra os direitos dos aposentados do país. No último dia 8 de março, às 23h31, data limite para a finalização do julgamento do Tema 1.102, a "revisão da vida toda", um fato inusitado aconteceu em sessão de julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Kassio Nunes Marques, que já havia votado contra a revisão dos benefícios, pediu destaque ao processo. Ou seja, a decisão virtual do STF, que foi de seis votos a favor dos aposentados e cinco contra, poderá ter que ser debatida novamente e presencialmente pelos ministros da Corte, o que pode representar um revés para os segurados.

Importante ressaltar que é faculdade dos ministros e ministras do Supremo o "pedido de destaque", onde processos que estão sendo julgados em plenário virtual (em razão da pandemia) devem ser enviados para o plenário presencial, recomeçando do zero a votação. Este pedido é um mecanismo que busca trazer um julgamento mais resolutivo, visando aumentar a troca de argumentos e informações sobre o caso, também trazendo mais atenção dos ministros para novos fatos apresentados ou a compreensão da matéria.

Este mecanismo é importante para o enriquecimento da controvérsia, ainda mais quando se trata de um direito tão importante, como é a "revisão da vida toda". Porém, este tema tratado teve ampla produção probatória e foi abundantemente enriquecido em seu conteúdo.

Entretanto, os dias que sucederam o pedido de destaque forma elucidativos para entender o motivo do uso de tal instrumento. O presidente Jair Bolsonaro e o atual advogado-geral da União, Bruno Bianco, vieram a público para deixar claro que, além de utilizarem números e uma narrativa contra o STF, não estão preocupados com os aposentados brasileiros.

Bolsonaro verbalizou no último dia 11, a seguinte frase ao falar sobre a decisão do plenário virtual da Corte Superior sobre a validade de "revisão da vida toda": "querem quebrar o Brasil. Decisão lá do Supremo". A crítica foi direta aos ministros e ministras do STF que votaram a favor dos aposentados. Foram eles: o ministro agora aposentado Marco Aurélio Mello, além de Edson Fachin, Cármen Lúcia, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes.

A fala de Bolsonaro reforçou a interpretação de ministros do STF de que o pedido de destaque de Nunes Marques, nos minutos finais do julgamento, foi uma tentativa de manipular o resultado final a favor do governo.

Já o AGU, Bruno Bianco, concedeu uma entrevista à rádio Bandeirantes, no último dia 10, na qual cometeu uma série de incongruências com relação ao processo e pelas provas que foram juntadas pelas partes, com objetivo cristalino de não reconhecer o direito legal e constitucional dos aposentados a esta revisão.

Bianco utilizou argumentos fraquíssimos e informações que contradizem o próprios INSS na ação. Inicialmente, ele utiliza a tática verbal e uma narrativa falsa que se trata de uma "revisão do fim do mundo", que vai quebrar a Previdência no Brasil. Falácia pura, igual à do presidente Bolsonaro.

O AGU indica que os aposentados querem declarar inconstitucional e revogar a Lei 9876, de 1999, que dispõe sobre a contribuição previdenciária do contribuinte individual e o cálculo do benefício, o que não é verdade. A lei é constitucional e no STF não defendemos a sua revogação. Ele diz que tal lei "preservou a segurança jurídica para os aposentados". Aqui vale analisar que esta norma não trouxe segurança jurídica para todos os aposentados que contribuíram com valores altos antes de junho de 1994. A legislação foi positiva para a maioria dos aposentados pois corrigiu problemas provocados pela hiperinflação, mas para uma minoria, ela foi prejudicial. E por isso chamamos a Revisão da Vida Toda de uma revisão de exceção, pois cabe para uma camada mínima de aposentados. É a possibilidade de inclusão dos salários de contribuição anteriores a julho de 1994, quando estes são maiores que os posteriores.

Bruno Bianco diz na entrevista que o plenário virtual do STF foi feito para tratar questões simples, com presteza e rapidez, e para temas nos quais a Corte Superior já tenha se posicionado. E concordamos, pois a questão Revisão da Vida Toda não é complexa, ela é simples, pois visa garantir a segurança jurídica dos segurados do INSS. E também, vale citar aqui, que a "revisão da vida toda" é baseada no posicionamento consolidado pelo Supremo desde 2013, que é o da revisão pelo melhor benefício, muito parecido com o da "vida toda", que é regido pelo princípio de que o aposentado não pode ser prejudicado por uma metodologia de cálculo de aposentadoria que mudou no meio do caminho, porque isso fere a segurança jurídica. Esse ponto foi amplamente discutido durante o julgamento da "revisão da vida toda". Ou seja, já possui precedentes. E parece que Bianco não se deu o trabalho de ler os votos dos ministros antes de conceder tal entrevista e tentar diminuir a importância da decisão por ela ter sido dada em ambiente virtual.

O AGU também disse aos jornalistas que o julgamento não estava encerrado. Como assim, não estava encerrado? Os 11 ministros votaram. O placar foi de seis a cinco a favor dos aposentados. Vale lembrar que a revisão teve seu início no Supremo em junho de 2020, iniciando seu julgamento em 4 de junho de 2021 e após dez votos computados, o processo teve pedido de vistas em 11 de junho de 2021, sendo retomado em 25 de fevereiro de 2022. Foram oito meses de novos estudos sobre o tema, onde as partes trouxeram ao processo todo o material probatório de suas alegações e sendo noticiado por toda a mídia nacional a importância da ação. Portanto, o debate foi amplo, e todos os julgadores puderam embasar as fundamentações dos seus votos.

Vale frisar que o presente processo teve ampla produção probatória, com a juntada de sustentações orais das partes e amigos da corte, parecer do Procurador Geral da República, memoriais, despachos, nota técnica juntada pelo INSS com informações sobre o custo da ação para seus cofres e também o voto divergente do ministro Kassio Nunes Marques. O voto divergente foi muito bem fundamentado, e isso demonstrou a profundidade do debate levado ao STF.

Bianco dá uma espécie de tiro no pé da defesa do INSS e da narrativa do governo quando diz que não se sabe para quantos aposentados cabe a revisão e também quando cita que o prejuízo financeiro seria de R$ 120 bilhões. Mas como assim advogado-geral, vocês não estão se conversando? Esclareço: O INSS, como estratégia, buscou fazer um terrorismo econômico no STF. Através da Nota Técnica SEI nº 4921/2020ME, que foi juntada no processo, o órgão afirma que o custo da ação é de R$ 46 bilhões de reais, e foi juntada pelo próprio INSS no processo. Um número bem menor do dito pelo Bruno Bianco e oito vezes menos do que o presidente trouxe aos microfones da mídia nacional. E vale destacar que o INSS também, no último dia do julgamento da "revisão da vida toda", buscou um grande jornal para expor que a tese geraria um prejuízo de R$ 360 bilhões aos cofres públicos, tentando, de alguma forma, afastar o legítimo reconhecimento do direito reconhecido pelo Supremo. Nenhum dos números dados pelo governos para órgãos da imprensa nacional batem. Afinal, qual o estudo correto? Qual a verdade sobre os cálculos? O governo e o INSS sabem realmente quais os impactos? Ou apenas querem confundir a cabeça dos leitores e dos ministros e ministras do STF com relação ao impacto financeiro da ação? Aqui cabe frisar mais uma vez: e "revisão da vida toda" é de exceção e é válida para uma minoria de aposentados de um período restrito do tempo.

Na entrevista, Bianco também deixa expresso que "o INSS é um cliente da AGU". Aqui é importante citar que o mais recente ministro empossado do STF, André Mendonça, era o advogado-geral da União em 2021, quando o julgamento já tinha sido iniciado na Corte Superior. Ou seja, aqui fica evidente qual será a linha que o voto do novo ministro deve seguir, caso o julgamento seja recomeçado em plenário presencial. Isso porque a ideia do governo é que o voto do relator do caso, ex-ministro Marco Aurélio seja substituído pelo voto de Mendonça, o que provocaria uma reviravolta no placar. Uma grande jogada suja.

A narrativa de Bianco, Bolsonaro e o pedido de Nunes Marques causam uma enorme preocupação com a capacidade que esse poder tem para se tornar um mecanismo estratégico que proporciona a atuação individual de um ministro contra o colegiado.

O STF estava prestes a corrigir uma injustiça com o aposentado, aplicando o seu entendimento consolidado e principiológico de que "jamais uma regra de transição pode ser mais desfavorável que uma regra permanente". Ela é uma "homeopatia jurídica", jamais o veneno. Caso este não fosse o entendimento do Poder Legislativo a norma de transição não seria criada para a proteção de quem já estava contribuindo por décadas ao sistema, e sim apenas a regra permanente.

Após o pedido de destaque foi levantada questão de ordem, que busca dois pontos: impedir a ida do processo para plenário presencial, pois o julgamento teve ampla produção probatória, deixando todos os ministros confortáveis para a apresentação de seus votos. E um segundo, que é a manutenção do voto do relator aposentado.

Não ocorreu um fato novo, e isso deixa claro a preclusão consumativa, pois este pedido de destaque deveria ser realizado antes ou durante o seu voto, e não posteriormente. E vamos além, foi solicitado após a juntada dos 11 votos, tendo conhecimento do resultado final, ferindo frontalmente a segurança jurídica, o juiz natural e a credibilidade do Poder Judiciário.

O STF trouxe nesse julgamento, a esperança de uma vida mais digna aos aposentados, e corrigiu uma anomalia legislativa, pois jamais regras de transição podem ser mais desfavoráveis que regras permanentes. Este não é o intuito do legislador, e essa violação é a base de toda a fundamentação da revisão da vida toda. E o governo, com seus argumentos apenas de interesses políticos e de batalha ideológica contra ministros da Corte Superior, atua contra os direitos dos aposentados brasileiros.

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