A notificação inicial no processo do trabalho e a (in)segurança jurídica
10 de março de 2022, 8h00
Um assunto que tem criado inúmeras polêmicas atualmente diz respeito à notificação inicial no processo do trabalho.
O sistema E-carta é uma ferramenta que vem sendo utilizada através de um convênio firmado entre a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) e os Tribunais, visando, fundamentalmente, o envio de documentos, intimações, citações, entre outros [1], serviço esse prestado diretamente pelos Correios.
O objetivo de tal serviço é, em síntese, tornar mais célere e eficaz a comunicação com os órgãos públicos, assim como reduzir gastos com despesas processuais. A ferramenta, desde então, passou a ser utilizada por algumas instituições do Poder Judiciário [2].
Ocorre que alguns tribunais se utilizam deste sistema para o envio da correspondência mediante carta simples, sem o respectivo rastreio, e não disponibilizam a data de entrega devido ao corte orçamentário.
Do ponto de vista legal, o artigo 841, §1º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) preceitua que "a notificação será feita em registro postal com franquia. Se o reclamado criar embaraços ao seu recebimento ou não for encontrado, far-se-á a notificação por edital, inserto no jornal oficial ou no que publicar o expediente forense, ou, na falta, afixado na sede da Junta ou Juízo".
Dito isso, impende destacar que esta temática tem se revelado uma problemática constante no dia a dia forense, principalmente em se tratando da citação inicial, haja vista os problemas corriqueiros apresentados pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.
Em São Paulo, por exemplo, durante o período da pandemia, a Fundação Procon registrou que houve um aumento de 400% das reclamações contra a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos pelo não fornecimento adequado do serviço [3].
Lado outro, no estado do Rio de Janeiro, o Procon-RJ apontou um aumento de 339% de alta nas queixas, e, por isso, houve a instauração de processo de investigação visando averiguar as supostas falhas [4].
Aliás, na Região dos Lagos do Rio, o Procon de Cabo Frio, após captar inúmeras denúncias, chegou a penalizar a Empresa de Correios e Telégrafos, na medida em que dentre as reclamações constam várias narrativas de tentativas de entregas que, porém, nunca aconteceram [5].
Já no norte do Paraná, a falha do serviço dos Correios acarretou revolta de pessoas que perderam dia e horário de consultas médicas, após um longo período de espera, dado o atraso da entrega da correspondência [6].
E, mais, no sudeste do Pará, houve recomendação do Ministério Público Federal para que os Correios melhorassem a estrutura de suas unidades, pois, além de falta de segurança do local, os serviços eram prestados de forma ineficiente [7].
A par de todo esse cenário e, volvendo-se a questão de ordem jurídica, é oportuno frisar que a empresa, uma vez citada e que não apresenta a defesa em juízo no momento oportuno, poderá ela sofrer os efeitos da revelia, gerando graves consequências processuais.
Nesse sentido, oportunos são os ensinamentos de Mauro Schiavi [8]:
"Diariamente, constatamos nas Varas do Trabalho que os processos em que há revelia são julgados de imediato, muitas vezes, sem uma análise maior da inicial e dos documentos que a instruem. (…)
Nos grandes centros, como a capital de São Paulo, o julgamento rápido é condição de sobrevivência não só do magistrado, mas também da Vara, diante da necessidade de se dar vazão a uma quantidade sobre-humana de processos. (…)
Em razão do exposto, entendemos, salvo melhor juízo, que o Juiz do Trabalho deve ter muita cautela diante da revelia. A nosso ver, o juiz não pode prescindir das seguintes cautelas: a) verificar se o reclamado, efetivamente, foi notificado, se retornou o comprovante de entrega (SEED, ou o AR) ou se o Oficial de Justiça notificou o reclamado no endereço correto; (…)"
Portanto, considerando muitos transtornos ocorridos pelo envio de cartas simples, sem aviso de recebimento, alguns tribunais voltaram a empregar as cartas registradas com aviso de recebimento.
A título ilustrativo, no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª região, após pedidos realizados pela Ordem dos Advogados do Brasil — São Paulo, os magistrados levaram em consideração diversos embaraços criados pela ausência de confirmação da notificação [9].
De outro norte, a Ordem dos Advogados do Brasil — Alagoas pediu ao Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região que, em casos de dúvidas notificações postais, fossem expedidas as cartas com aviso de recebimento, em conformidade com norma celetista [10].
É certo que a Súmula 16 do Tribunal Superior do Trabalho dispõe que: "presume-se recebida a notificação 48 (quarenta e oito) horas depois de sua postagem. O seu não-recebimento ou a entrega após o decurso desse prazo constitui ônus de prova do destinatário". Noutro giro, a Súmula 429 do Superior Tribunal de Justiça preceitua que "a citação postal, quando autorizada por lei, exige o aviso de recebimento".
Nesse panorama, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, através da Recomendação CR nº 73/2021 [11], orientou que, diante da dificuldade de se constatar o recebimento da comunicação postal e, inobstante a presunção relativa do citado verbete sumular nº 16 do Tribunal Superior do Trabalho, mister se faz necessária a análise do caso concreto para a incidência ou não dos efeitos da revelia.
Ora, a aplicação dos efeitos da revelia, sem a certeza de ter havida a correta citação, além de acarretar prejuízos irreversíveis e penalidades severas para a empresa, afronta diretamente o princípio do contraditório e da ampla defesa (CRFB, artigo 5º, LV).
Em arremate, é forçoso lembrar que a temática exige um olhar cuidadoso, pois é imprescindível que para a formação e validade do processo não existam questionamentos quanto à regularidade da citação inicial, sob pena de ser considerada nula.
[1] Disponível em https://www.pje.jus.br/wiki/index.php/E-Carta. Acesso em 16/2/2022
[2] Disponível em https://apps2.correios.com.br/blogcorreios/2021/04/16/e-carta-dos-correios-moderniza-comunicacao-de-orgaos-publicos/. Acesso em 8/3/2022.
[3] Disponível em https://noticias.r7.com/sao-paulo/reclamacoes-contra-os-correios-aumentam-400-no-procon-de-sp-19082020. Acesso em 8/3/2022.
[4] Disponível em https://idec.org.br/idec-na-imprensa/problemas-com-entregas-dos-correios-saltam-na-pandemia. Acesso em 8/3/2022.
[5] Disponível em https://g1.globo.com/rj/regiao-dos-lagos/noticia/2021/09/08/procon-autua-agencias-dos-correios-em-cabo-frio-rj-apos-serie-de-denuncias-sobre-problemas-na-prestacao-do-servico.ghtml. Acesso em 8/3/2022.
[6] Disponível em https://g1.globo.com/pr/norte-noroeste/noticia/2021/10/08/pacientes-perdem-consultas-medicas-apos-correios-atrasarem-entregas-de-correspondencias.ghtml. Acesso em 8/3/2022.
[7] Disponível em https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2021/02/09/mpf-recomenda-q.ue-correios-melhorem-estrutura-de-seguranca-de-agencia-em-maraba-no-pa.ghtml. Acesso em 8/3/2022.
[8] Manual de Direito Processual do Trabalho – 17 ed. rev., atual. e ampli. – Salvador: Editora JusPodivm, 2021. Página
[9] Disponível em https://jornaldaadvocaci.a.oabsp.org.br/noticias/a-pedido-da-oab-sp-trt15-volta-a-utilizar-cartas-registradas/. Acesso em 8/3/2022.
[10] Disponível em https://www.oab-al.org.br/2020/09/oab-alagoas-pede-que-trt-implemente-alternativas-para-garantir-informacao-do-recebimento-de-e-carta-sem-ar/. Acesso em 8/3/2022.
[11]Disponível em https://basis.trt2.jus.br/bitstream/handle/123456789/13953/2021_rec0073_cr.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em 8/3/2022.
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