Falso alerta de tiroteio

Metrô deve indenizar passageira pisoteada durante tumulto em estação

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8 de março de 2022, 17h45

O contrato de transporte traz implícita a denominada cláusula de incolumidade, pela qual o passageiro tem o direito de ser conduzido são e salvo ao local de destino (artigo 734 do Código Civil, e artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor). 

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Wikimedia CommonsMetrô de São Paulo deve indenizar passageira pisoteada durante tumulto em estação

O entendimento é da 13ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo ao manter a condenação do Metrô de São Paulo e da concessionária responsável pela linha-4 amarela a indenizar uma passageira que se machucou durante um tumulto entre as estações Paulista e Consolação.

De acordo com os autos, houve uma enorme confusão entre passageiros após um falso alarme de tiroteio na área de ligação entre as estações Paulista e Consolação. A autora foi pisoteada por outras pessoas e sofreu lesões e escoriações nas pernas e nas costas, que exigiram atendimento fisioterápico para plena recuperação. A indenização por danos morais foi fixada em R$ 15 mil.

Segundo o relator, desembargador Francisco Giaquinto, embora a estação Paulista seja administrada pela concessionária Linha-4 e a estação Consolação pelo Metrô de São Paulo, ambas respondem solidariamente perante a passageira, em razão da cadeia de consumo evidenciada entre as partes (artigos 7º, § único, 14 e 22, todos do CDC).

"As concessionárias prestam o serviço de transporte metroviário aos passageiros sem possibilidade de qualquer distinção entre elas, razão pela qual a existência de parcerias público-privadas distintas, firmadas individualmente por cada uma delas com o Poder Público não pode ser oposta como obstáculo à eventual pretensão indenizatória dos passageiros, sob alegação de falha na prestação do serviço", afirmou.

O magistrado ressaltou que a responsabilidade das empresas, como transportadoras, é objetiva, não cabendo discussão a respeito da culpa pelo acidente: "As transportadoras corrés são concessionárias de serviço público, percebem vantagens com a atividade de transporte desenvolvida e devem responder pelos efeitos prejudiciais que dela decorrem, sendo aplicável a responsabilidade objetiva prevista no artigo 37, § 6º, da Constituição, artigos 14 e 22 do CDC".

Giaquinto afastou o argumento do Metrô de São Paulo de que a confusão generalizada entre os passageiros constituiria fato de terceiro caracterizador de excludente da responsabilidade civil, isentando a empresa do dever de indenizar. Para ele, não é possível afirmar que o tumulto decorreu de culpa exclusiva de terceiro, sem relação com o serviço de transporte prestado, rompendo o nexo de causalidade.

"Conforme se apurou a partir do depoimento de duas testemunhas, funcionários do setor de segurança da corré concessionária Linha-4, na data dos fatos um direcionador de fluxo caiu dentro do túnel de interligação entre as estações Paulista e Consolação e o barulho causado pela queda do objeto metálico de grande porte foi confundido com um tiro, dando causa ao tumulto que ensejou o acidente que vitimou a autora", explicou o relator.

Sendo assim, prosseguiu o voto, a notícia de perigo iminente, que posteriormente se apurou falsa, não constituiu um evento imprevisível e inevitável, alheio à atividade de transporte desempenhada pelas rés, mas decorreu diretamente da queda de um equipamento instalado pelas próprias transportadoras dentro de suas estações de metrô.

"Competia às corrés adotar todas as cautelas necessárias para a correta instalação e segura utilização do equipamento dentro de suas instalações, sobretudo nos horários de pico, em que o alto fluxo de passageiros torna o cenário mais propício para a ocorrência de acidentes, como o noticiado nos autos", acrescentou.

Previsibilidade do acidente
Para o desembargador, a previsibilidade do acidente não pode ser afastada no caso, pois se espera das rés uma atuação preventiva de modo a evitar o risco, principalmente pela ação de agentes de fiscalização nos locais de maior fluxo, para garantir a segurança dos passageiros.

"As transportadoras têm obrigação de preservar a integridade dos passageiros que utilizam o serviço metroviário, sendo inegável o descumprimento do contrato de transporte, por violação à cláusula de incolumidade no evento lesivo sofrido pela requerente. Na hipótese dos autos, a culpa de terceiro não tem o condão de afastar a responsabilidade das empresas de transporte frente à passageira lesada", frisou.

O magistrado concluiu que a atuação do terceiro que teria dado causa ao tumulto, ao alertar os demais passageiros sobre um possível tiroteio, decorreu da queda do direcionador de fluxo dentro do túnel de ligação das estações Paulista e Consolação, tratando-se, portanto, de fortuito interno, inerente ao risco do empreendimento, inapto a romper o nexo causal ensejador do dever de indenizar os danos suportados pela autora.

"Tal situação causou inegável abalo emocional na autora, constituindo causa suficiente para gerar obrigação de indenizar por danos morais, cuja prova, porque afeta a direitos da personalidade, conforma-se com a mera demonstração do ilícito, haja vista que, na espécie, a responsabilização do agente causador opera-se por força do simples fato da violação (damnum in re ipsa)", finalizou Giaquinto.

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1004021-39.2014.8.26.0704

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