Opinião

O futuro dos agentes autônomos de investimentos no Brasil

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  • Isac Costa

    é sócio de Warde Advogados professor do Ibmec do Insper e da LegalBlocks doutor (USP) mestre (FGV) e bacharel (USP) em Direito engenheiro de Computação (ITA) e ex-analista da CVM onde também atuou como assessor do colegiado.

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3 de março de 2022, 11h34

O Brasil tem hoje pouco menos de 20 mil agentes autônomos de investimentos (AAIs). Essa atividade é regulada pela Resolução CVM nº 16/2021 e envolve a distribuição de produtos financeiros. O AAI hoje tem vínculo exclusivo com uma corretora e é remunerado por comissões nos produtos distribuídos.

Com o aumento do número de investidores no mercado brasileiro e nos investimentos e novas estratégias envolvendo a atuação das corretoras (veja-se a disputa por grandes escritórios de AAIs por parte da XP e do BTG no passado recente), o setor passa por uma reorganização comercial e regulatória.

A Medida Provisória nº 1.072/2021 foi editada em 1º.10.2021 para alterar a Lei nº 7.940/1989, que disciplina a Taxa de Fiscalização dos mercados de títulos e valores mobiliários, arrecadada pela CVM (e revertida para o Tesouro Nacional e não para a autarquia). Esta MP poderia caducar se não fosse encaminhada para votação até 10.3.2022.

Seus principais pontos envolveram a redução da taxa cobrada de agentes autônomos de investimentos: pessoas físicas passam a pagar R$ 530, com redução de 80%, e o novo valor para pessoas jurídicas passa a ser R$ 2.538,50, com redução de 50%. Ainda, a cobrança que era trimestral agora será anual, com o primeiro vencimento em 10.5.2022.

Adicionalmente, a Taxa de Fiscalização passa a ser cobrada no caso de ofertas públicas de valores mobiliários dispensadas de registro – 0,03% sobre cada operação, incluindo ofertas que foram iniciadas em 2021 com encerramento previsto para 2022.

É possível fazer algumas continhas para se concluir que, na prática, a arrecadação da CVM poderá aumentar, com a ressalva de que esse valor não é revertido para a autarquia, mas destinado ao Tesouro Nacional. Ou seja, o aumento do custo para o mercado não auxiliará na melhoria da atividade da CVM, que sofre com restrições orçamentárias crônicas.

As taxas de fiscalização cobradas pela CVM são disciplinadas em nível infralegal pela Resolução CVM nº 54 de 21.10.2021, que foi alterada pela Resolução CVM nº 61 de 27.12.2021 para refletir as disposições da MP 1.072/2021.

Dentre as emendas propostas no projeto de lei de conversão da MP, foi incorporado o pedido para que a profissão de AAI seja denominada de "assessores de investimentos".

A redução da taxa de fiscalização dos AAIs é bem-vinda, mas não se pode afirmar que é suficiente para aumentar o número de AAIs no Brasil. Dois fatores que ficaram fora do projeto de lei de conversão da MP 1.072/2021 são mais relevantes.

Primeiro, não foi acatado o pedido para que fosse disciplinado em lei o fim da exigência de que esses profissionais tivessem relação de exclusividade com corretoras, deixando a critério da CVM a disciplina da matéria em nível infralegal. Em minuta de norma submetida a audiência pública (SDM nº 5/2021), a CVM propôs o fim da exclusividade condicionado à adoção de certas medidas de mitigação de riscos pelos agentes autônomos e, ainda, exigindo um aval a ser dado pela corretora detentora de um vínculo principal para que o agente possa trabalhar com outras corretoras.

Diante da possibilidade de relações entre um agente autônomo e mais de uma corretora, a CVM destacou ter especial preocupação com a confidencialidade de informações pertinentes a dados cadastrais, comunicações e a operações de clientes, divulgação de remuneração e conflitos de interesse a fim de dar maior transparência à atividade e aos incentivos do agente, além de evitar o surgimento de uma zona cinzenta de responsabilidade na fiscalização por mais de um intermediário.

A proposta da CVM sobre o fim da exclusividade foi alvo de críticas pela Associação Brasileira de Agentes Autônomos de Investimentos (ABAAI) e pelo grupo AIs Livres. Apesar do provável fim da exigência legal ou infralegal, espera-se que a exclusividade do vínculo entre agentes e corretoras permaneça nos contratos firmados entre eles.

Outro tema que ficou fora do projeto de lei de conversão da MP 1.072/2021 foi a possibilidade de uma sociedade de agentes autônomos ter um sócio capitalista (hoje é uma sociedade simples uniprofissional). A nova norma da CVM acolhe essa medida, desde que existam controles que evitem o exercício da atividade pelo sócio que não tenha a devida autorização pela autarquia. Trata-se de uma mudança relevante, pois permitirá a expansão de escritórios de agentes autônomos e o estabelecimento de parcerias com instituições financeiras, investindo em tecnologia e na ampliação do escopo de serviços prestados. O tema foi objeto de discussão no âmbito do Conselho Monetário Nacional (CMN) com a alteração da Resolução nº 2.838/2001, dada pela Resolução nº 4.982/2022.

Os grandes escritórios de AAIs poderão atuar como poderosos distribuidores de produtos das plataformas de grandes corretoras, agregando serviços de gestão de recursos, utilizando de forma inteligente os dados em um contexto de open finance e até mesmo se transformando em corretoras. Com o aporte de recursos por sócios capitalistas, certamente haverá demanda por profissionais cada vez mais especializados e aptos a prestar assessoria em investimento, inclusive com a possibilidade de transição para outra profissão regulamentada pela CVM, a de consultor de valores mobiliários (planejador financeiro).

Além das mudanças regulatórias e dos modelos de negócios indicados, o futuro dos agentes autônomos no Brasil depende do aprimoramento contínuo desses profissionais por meio de atividades de educação continuada sobre os instrumentos financeiros e seus riscos, sobre os deveres e vedações e, principalmente, sobre a ética em sua atuação, evitando que pressões por resultados imediatos e a dependência da remuneração por comissões coloquem o interesse dos investidores em segundo plano.

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