Opinião

Absolvição criminal e a nova Lei de Improbidade

Autores

  • Viviane Melo

    é especialista em Direito Público pós-graduada em Direito Eleitoral pós-graduanda em Direito Minerário e Ambiental e advogada do escritório Valber Melo Advogados Associados.

    View all posts
  • Valber Melo

    é advogado criminalista professor de Direito Penal e Processual Penal doutor em direito pela UMSA especialista em Direito Penal Econômico especialista em Direito Penal e Processual Penal especialista em Direito Público pós-graduado em ciências criminais autor de livros e artigos jurídicos e conselheiro nacional da Abracrim-MT.

    View all posts

1 de março de 2022, 11h38

A recente Lei 14.230/2021, intitulada já por muitos de nova Lei de Improbidade, além das inúmeras e significativas mudanças, contemplou o que há muito já era preconizado pela doutrina e jurisprudência no que tange à aproximação de institutos do Direito Penal para o novo ramo do Direito Administrativo Sancionador.

A intenção do legislador no que concerne a essa aproximação, de praticamente emprestar conceitos do Direito Penal para a esfera da improbidade, foi exatamente impor limites à persecução estatal e à propositura descontrolada de ações de improbidade, sem elementos concretos aptos a aferir justa causa.

Nesse sentido, já tivemos a oportunidade de discorrer [1]: "Com a nova sistemática, ao adotar no âmbito da lei de improbidade os princípios do direito administrativo sancionador, o legislador nada mais fez do que limitar o poder persecutório do estado, ampliando o espectro de garantias constitucionais aos demandados e afastando do intérprete o manejo indevido de ações, notadamente pelo fato da antiga redação possuir conceitos extremamente abertos e nocivos aqueles que figuram no polo passivo da ação de improbidade".

No que tange a essa interface, foi assim por exemplo ao trazer a previsão e o conceito de dolo como elemento subjetivo para tipificação dos atos de improbidade, a exclusão da modalidade de improbidade culposa, a necessária individualização da conduta que se aproxima ao artigo 41 do CPP [2], a prescrição intercorrente que já existia no Direito Penal, bem como outros institutos que passaram a imperar mais forte após a previsão expressa do artigo 1º, §4º: "Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador".

Se não bastasse toda essa normativa agora expressa, o legislador trouxe o que há tempos era aguardado pela melhor doutrina no sentido que a absolvição criminal deve surtir efeitos na ação de improbidade, independentemente da causa de absolvição.

Na antiga sistemática, até por conta do princípio da independência das instancias (artigo 935 CC [3]), bem como pela previsão do artigo 65 do CPP [4], apenas a sentença penal que reconhecesse as excludentes de ilicitude ali mencionadas bem como a inexistência material do fato (interpretação a contrário sensu do artigo 66 do CPP [5]) poderiam fazer coisa julgada no âmbito cível.

Ou seja, as demais causas de absolvição criminal prevista no artigo 386 do CPP [6], embora o sujeito fosse absolvido na esfera criminal, continuava a responder e podendo ser condenado na esfera da ação de improbidade justamente pelo fato da responsabilidade civil ser independente da criminal.

Na prática, isso equivale a dizer por exemplo que várias pessoas que foram absolvidas no âmbito criminal por atipicidade de conduta (artigo 386, III do CPP) pelo mesmo fato que gerou ambas as ações (penal e improbidade), acabavam respondendo eternamente pela ação de improbidade, pois aquela causa específica de absolvição não fazia coisa julgada no âmbito cível. É dizer: o fato não constituía crime, mas poderia configurar improbidade administrativa

Para colocar fim a essa controvérsia, e na linha da aproximação com institutos do Direito Penal, o legislador trouxe a previsão expressa na nova lei do §4º no artigo 21 da LIA, que passou a possuir a seguinte redação: "A absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação da qual trata esta Lei, havendo comunicação com todos os fundamentos de absolvição previstos no artigo 386 do Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal)".

Isso significa dizer que agora, independentemente da causa de absolvição criminal e independentemente do trânsito em julgado, o resultado dessa influencia diretamente na ação de improbidade, desde que a absolvição discuta os mesmos fatos e a decisão seja confirmada pelo tribunal.

Com efeito, malgrado o legislador se refira à confirmação por decisão colegiada, nada obsta que a sentença absolutória seja apenas em primeiro grau, notadamente naqueles casos em que não há recurso por parte do autor da ação. Essa parece ser a melhor a interpretação.

Por fim, ainda nessa direção, o próprio parágrafo 3º do artigo 21 da 14.230/2021 estabelece que "as sentenças civis e penais produzirão efeitos em relação à ação de improbidade quando concluírem pela inexistência da conduta ou pela negativa da autoria", sem fazer qualquer ressalva à decisão colegiada.

 


[2] "Artigo 41 – A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas".

[3] "Artigo 935 – A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal".

[4] "Artigo 65 – Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito".

[5] "Artigo 66 – Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato".

[6] "Artigo 386 – O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:
I – estar provada a inexistência do fato;
II – não haver prova da existência do fato;
III – não constituir o fato infração penal;
IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (artigos 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do artigo 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
VII – não existir prova suficiente para a condenação. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)".

Autores

  • é especialista em Direito Público, pós-graduada em Direito Eleitoral, pós-graduanda em Direito Minerário e Ambiental e advogada do escritório Valber Melo Advogados Associados.

  • é advogado criminalista, professor de Direito Penal e Processual Penal, doutor em direito pela UMSA, especialista em Direito Penal Econômico, especialista em Direito Penal e Processual Penal, especialista em Direito Público, pós-graduado em ciências criminais, autor de livros e artigos jurídicos e conselheiro nacional da Abracrim-MT.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!