Uso da geolocalização como meio de prova na Justiça do Trabalho
12 de maio de 2022, 8h00
Indubitavelmente, com a chegada das novas tecnologias, o Direito do Trabalho vem sendo fortemente impactado, de modo que alguns temas precisam, com o passar do tempo, ser melhor estudados.
Dito isso, no ano de 2020, a Justiça do Trabalho passou a investir na capacitação dos magistrados e servidores na formação de provas por meios digitais [1]. O projeto denominado Programa Provas Digitais [2] tem por objetivo auxiliar os juízes na fase de instrução do processo, visando a celeridade processual, assim como contribuir na produção de provas para aspectos controvertidos.
Frise-se, por oportuno, que as provas digitais são informações tecnológicas que têm potencial para alcançar a verdade real dos fatos, possuindo embasamento legal no atual Código de Processo Civil de 2015 [3].
Nesse sentido, um dos mecanismos que vêm sendo utilizado para se obter essa efetiva veracidade no processo judicial trabalhista é a utilização dos registros de geolocalização, como, por exemplo, para a comprovação de labor extraordinário.
Entrementes, a partir dessas informações, se torna factível comprovar em que locais em que o empregado efetivamente transitou no decorrer de um período, possibilitando, assim, cotejar as suas alegações com essa prova digital.
Aliás, um dos pontos questionáveis é se tal prova digital poderia substituir e dispensar a produção da prova oral, a qual é tradicionalmente utilizada na Justiça do Trabalho. E, mais, outra questão problemática diz respeito à segurança da prova digital para embasar a decisão judicial e esclarecer as controvérsias existentes no processo.
Nesse diapasão, a empresa Google já chegou a admitir que os dados de monitorização de pessoas podem estar sujeitos a erros, a ponto de concluir que um indivíduo esteja em um local, quando, em realidade, está em uma "distância considerável" [4].
Recentemente, inclusive, uma das maiores empresas de tecnologia do mundo admitiu falhas no GPS de um número limitado de aparelhos de telefonia móvel, afetando o uso de aplicativos que utilizam a geolocalização [5].
Lado outro, não obstante os efeitos positivos obtidos através desta nova e contemporânea prova digital, surgem debates quanto ao risco do direito à privacidade do indivíduo.
No início da pandemia, a organização não governamental, Human Rights Watch, ponderou que o uso da geolocalização utilizada em diversos países para o combate da Covid-19 poderia colocar em risco os direitos humanos, comprometendo-se assim, à vida privada [6].
Do ponto de vista normativo no Brasil, a Constituição Federal dispõe em seu artigo 5º, inciso XII, que é "inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal".
De outro norte, a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 [7], dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive, nos meios digitais. O intuito é garantir e proteger os direitos fundamentais da pessoa natural, dentre eles, a liberdade e a privacidade.
Sobre o assunto, oportunos são os ensinamentos Élisson Miessa [8]:
"Referida legislação trará inúmeras discussões acerca da aplicação da LGPD nas relações trabalhistas, desde a fase pré-contratual (na seleção dos candidatos, por exemplo), até após o término do contrato de trabalho (com o armazenamento das informações de antigos empregadores).
(…). Nesse contexto, podem surgir discussões relativas à possibilidade de juntada de provas que tenham informações pessoais de empregados pelas empresas nas reclamações trabalhistas. Assim, o empregador, em um processo trabalhista, estaria vedado de juntar uma prova que trouxesse dados pessoais de seu ex-empregado?".
Do ponto de vista internacional, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 12 [9], assegura a garantia da vida privada.
É certo que os tribunais têm sido provocados a emitirem um juízo de valor quanto a validade e aplicabilidade das provas digitais no processo do trabalho, notadamente quanto ao uso da geolocalização.
O entendimento sobre o assunto, porém, não se encontra pacificado.
Para os magistrados da 1ª Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região [10], em que pese a geolocalização possa ser admitida como meio de prova, há ofensa ao direito líquido e certo ao sigilo telemático e à privacidade.
Em seu voto, o desembargador relator ponderou que "evidencia-se que a exibição da geolocalização da impetrante, durante largo período de tempo, vinte e quatro horas por dia, revelando os lugares e os horários em que a impetrante esteve, trata-se de medida que viola a privacidade e o sigilo dos dados telemáticos da autora, além de ser desarrazoada, visto que a duração da jornada externa da obreira poderia ser constatada pelos meios ordinários de prova".
Em sentido contrário, o Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região validou o pedido para utilização da geolocalização do aparelho celular de uma empregada como meio de prova [11].
Para o desembargador relator [12], "se o novo meio probatório, digital, fornece para o fato que se quer comprovar — as folhas de ponto retratam o verdadeiro horário de trabalho — dados mais consistentes e confiáveis do que a prova testemunhal, não há porque sua produção ser relegada a um segundo momento processual, devendo, de outro modo, preceder à prova oral, ainda que mais tradicional, com vista a busca mais efetiva da verdade real, e, portanto, à maior segurança da prestação jurisdicional, bem assim atendendo ao princípio da rápida duração do processo".
Em arremate, é incontroverso que as provas digitais poderão contribuir para a efetividade do processo, contudo, cada caso deve ser analisado cautelosamente, a fim de evitar excessos, violação de princípios e ofensas aos direitos humanos fundamentais.
[1] Disponível em https://www.tst.jus.br/provas-digitais. Acesso em 4/5/2022.
[2] Disponível em https://www.csjt.jus.br/web/csjt/justica-4-0/provas-digitais. Acesso em 4/5/2022
[3] Art. 369. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.
Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.
[4] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/a-justica-google-admitiu-que-dados-de-localizacao-nao-sao-precisos/. Acesso em 5/5/2022
[5] Disponível em https://www.techtudo.com.br/noticias/2022/03/samsung-admite-falha-no-gps-do-galaxy-s22-ultra-com-chip-exynos.ghtml. Acesso em 5/5/2022
[6] Disponível em https://healthnews.pt/2020/05/13/aplicacoes-de-rastreio-e-geolocalizacao-colocam-em-risco-direitos-humanos/?doing_wp_cron=1651770728.5759189128875732421875. Acesso em 5/5/2022.
[7] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm. Acesso em 4/5/2022.
[8] Curso de Direito Processual do Trabalho – 8ª ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Editora JusPodivm, 2021, página 711.
[9] Artigo 12. Ninguém será sujeito à interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.
[10] Disponível em https://pje-consulta.trt3.jus.br/consultaprocessual/detalhe-processo/0011155-59.2021.5.03.0000/2#df27237. Acesso em 4/5/2022.
[11] Disponível em https://www.migalhas.com.br/quentes/362117/trt-12-autoriza-uso-de-geolocalizacao-do-celular-como-meio-de-prova. Acesso em 4/5/2022.
[12] Disponível em https://pje.trt12.jus.br/consultaprocessual/detalhe-processo/0000955-41.2021.5.12.0000/2#3ebbdb1. Acesso em 5/5/2022.
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