Voto concordante é o mais importante em decisão da Suprema Corte sobre armas
24 de junho de 2022, 10h50
A decisão desta quinta-feira (23/6) da Suprema Corte dos EUA de liberar o porte de arma em todo o país pode ser drástica — mas menos do que parece.
A lei afeta, além de Nova York, outros estados, como Califórnia, Havaí, Maryland, Massachusetts e Nova Jersey (todos estados democratas) e muitas cidades, que têm leis que impõem restrições semelhantes. Juntos, esses estados têm uma população de cerca de 80 milhões de habitantes.
Porém, mais importante que o voto da maioria, foi o voto concordante (mas com fundamentos diferentes) do ministro Brett Kavanaugh, ao qual o presidente da corte, ministro John Roberts, aderiu. O voto esclarece que a decisão da corte não afeta as leis estaduais que regulam a compra e a posse de armas — nem mesmo que tipo de arma a pessoa possui.
Isto é, apesar de parte da decisão proibir os estados de impor a exigência de justificativa para porte de armas, a decisão não barra os estados de impor exigências para conceder licença e outras restrições a compradores de armas.
"Há 43 estados que usam esquemas de licenciamento que incluem exigências tais como atestado de bons antecedentes, treinamento para uso de arma e segurança, registros de sanidade mental, impressões digitais, etc. Tais esquemas são objetivos e não requerem a apresentação de alguma necessidade especial do que a da autodefesa", escreveu Kavanaugh.
(Ao contrário dos estados liberais-democratas, que são mais rigorosos sobre a compra, posse e uso de armas, os estados conservadores-republicanos tendem a ser mais liberais, no que se refere ao controle das armas: 31 estados permitem o porte visível de arma sem licença e 21 estados permitem o porte de arma escondida sem licença.)
A explicação de Kavanaugh e Roberts veio em boa hora, porque o Congresso está a ponto de aprovar um projeto de lei bipartidário, que impõe algumas restrições à compra e posse de arma.
O PL é bastante tímido, mas é o que foi possível fazer para conquistar a adesão de número suficiente de parlamentares republicanos para aprová-lo, uma vez que boa parte do Partido Republicano é refém dos grupos que defendem os interesses dos fabricantes de arma.
Argumentos
A justificativa do ministro Clarence Thomas, no voto da maioria, para liberar o porto de armas, foi a de que a lei de Nova York "impede os cidadãos cumpridores das leis, com necessidades ordinárias de autodefesa, de exercer o direito constitucional de manter e portar armas".
O direito a que Thomas se refere é o expresso na Segunda Emenda da Constituição, que diz apenas: "Uma milícia bem regulamentada, necessária para a segurança de um estado livre, o direito das pessoas de manter e portar armas não deve ser violado."
Há uma eterna discussão sobre os termos dessa emenda. Há interpretações que se apegam à ideia da milícia que pode se armar para derrubar tiranias e manter o estado livre; e há interpretações que se apegam à ideia de que o cidadão pode manter e portar armas.
Para derrubar a lei de Nova York, Thomas também citou a 14ª Emenda da Constituição, que garante ao cidadão o direito (entre outros) ao devido processo — isto é, o estado não poderia tomar, unilateralmente, a decisão de negar a licença ao cidadão. Para Thomas, a 2ª Emenda e a 14ª Emenda garantem ao cidadão "o direito de portar armas, para defesa pessoal, fora de casa".
Pela ala liberal da corte, o ministro Stephen Breyer escreveu o voto dissidente, ao qual aderiram as ministras Sonia Sotomayor e Elena Kagan. Breyer destacou que 45.222 pessoas foram mortas por arma de fogo nos EUA em 2020. E que a violência armada superou o número de mortes causadas por acidentes de automóveis e como a principal causa de morte de crianças e adolescentes.
"Muitos estados têm tentado lidar com os perigos que a violência armada conhecida, aprovando leis que limitam, de diversas maneiras, a compra e o porte de armas de fogo. Hoje, a corte está emperrando os esforços dos estados de cumprir esse objetivo", ele escreveu.
Breyer criticou a decisão da maioria, dizendo que seus colegas conservadores estão revogando a lei de Nova York sem analisar como o esquema realmente funciona na prática, "sem considerar os interesses irrefutáveis do estado de impedir a violência armada e de proteger a segurança de seus cidadãos, e sem levar em conta, ainda, as possíveis consequências mortais de sua decisão".
Consequências
O jornal Huff Post cita pesquisa do Pew Research Center, de fevereiro de 2022, segundo a qual 80% dos homicídios que ocorreram nos EUA em 2020 (45.222 segundo o ministro Breyer) envolveram armas de fogo. Na Inglaterra, Escócia e Pais de Gales, combinados, o número de homicídios é de cerca de 30 por ano, diz o jornal.
Globalmente, 54% de todos os homicídios de 2017 foram executados por arma de fogo e 22% por facas, segundo um estudo das Nações Unidas sobre homicídios.
No que se refere a massacres (em escolas, supermercados, shows de música, cinemas, etc.), os EUA lideram o mundo ocidental: foram 417 em 2019, 611 em 2020 e 693 em 2021.
Os dois últimos massacres aconteceram recentemente: um em um supermercado de Buffalo, Nova York, em que um rapaz branco, de 18 anos, matou, com um rifle de assalto AR-15, 10 pessoas negras e feriu outras; e outro em Uvalde, Texas, onde um rapaz de 18 anos matou, também com um AR-15, 19 estudantes e dois professoras, em uma escola primária.
Esses dois massacres motivaram 14 dos 50 senadores republicanos a se juntar aos 50 senadores democratas para aprovar o PL com algumas restrições à compra de armas. Mas não passaram duas restrições, entre outras, que foram propostas: a proibição de vendas fuzis AR-15 e a elevação da idade mínima para se comprar armas de 18 para 21 anos.
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