Opinião

Reinício da "revisão da vida toda": há diferença entre plenário virtual e físico?

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10 de junho de 2022, 19h26

Em 8/3/2022, o ministro Nunes Marques pediu destaque no plenário virtual do RE 1.276.977. Trata-se do julgamento que aborda a tese denominada "revisão da vida toda", a qual consiste em análise da forma de cálculo do benefício do INSS e que naquele momento já constava com um placar de 6 a 5 em favor da tese nessa contabilidade o voto do ministro Marco Aurélio — então relator do processo —, o qual hoje está aposentado e foi substituído pelo ministro André Mendonça.

As questões que se sucedem em relação a esse caso são interessantes e lidam com diversos aspectos do dia a dia dos tribunais, tais como o limite dos regimentos internos e eventuais conflitos entre estes e a reserva legal.

A pergunta que paira inicialmente é: nos casos de pedidos de destaque dos processos do plenário virtual para o plenário físico os votos dos ministros que se aposentaram contam para fins de julgamento ou este é reiniciado por completo e os ministros que substituíram os aposentados podem votar?

O §2º, do artigo 4º, da Resolução 642/2019 do STF [1], alterado pela Resolução 669/2020, determina que no caso de destaque o julgamento será reiniciado. O que dá a entender que todos os votos proferidos serão desconsiderados, se reiniciando do zero.

A resolução supramencionada, bem como as alterações subsequentes, está no espaço em que os tribunais podem atuar para regulamentar as atividades internas. Todavia, o §1º do artigo 941[2] do CPC determina que os votos proferidos podem ser alterados até o momento da proclamação do resultado pelo presidente, com exceção daqueles proferidos por juiz que foi afastado ou substituído no decorrer do julgamento, ou seja, os votos proferidos por juiz afastado ou substituído não pode ser alterado, mas contam para efeito de julgamento.

Os regimentos internos dos tribunais são considerados atos normativos abstratos, dotados de generalidade, abstração e impessoalidade [3]. O RISTF antes da CF 88 tinha status de lei formal, as normas processuais foram recepcionadas como lei e necessitam de lei para alterá-las. Já as normas procedimentais podem ser alteradas pelos próprios ministros. Isso foi estabelecido na Ação Originária 32-7 (Agr). No julgamento da Medida Cautelar da ADI 1.105 cujo relator foi o ministro Paulo Brossard, já entendeu que os regimentos internos dos tribunais são leis materiais [4]. Assim, surge outra questão: qual norma seguir em caso de conflito entre o regimento interno e a lei?

A própria ementa desse julgado já apresenta a resposta para essa pergunta: "Na taxinomia das normas jurídicas o regimento interno dos tribunais se equipara à lei. A prevalência de uma ou de outro depende de matéria regulada, pois são normas de igual categoria. Em matéria processual prevalece a lei, no que tange ao funcionamento dos tribunais o regimento interno prepondera".

Olhando para o caso em tela, a contagem do voto de ministro substituído é uma questão subordinada ao funcionamento do tribunal ou entra na seara do direito processual?

No que tange à remessa dos autos do plenário virtual para o físico, é uma matéria interna, passível de ser regulada por norma regimental, como o é. Contudo, a contagem dos votos não, essa é matéria processual, que é regulada pelo próprio CPC.

Ainda que se entenda de modo diverso, a norma contida no §1º do artigo 941 do CPC caracteriza-se como uma regra de exceção, pois trata de caso específico no qual o julgador do colegiado foi substituído ou afastado.

Caso esse processo tivesse sido julgado no plenário físico, valeria a regra contida no CPC. Aliás, esse é um entendimento antigo do próprio STF. A título exemplificativo, quando do julgamento da AP 470, o ministro Celso Peluso [5] apresentou seu voto em relação a um dos itens da denúncia e logo em seguida se aposentou, tendo sido contabilizado para a condenação dos réus aos quais manifestou sua posição.

Talvez, o grande ponto que subjaz nesse debate todo seja: o plenário virtual deve ser entendido como uma extensão do plenário físico ou são entes separados?

Na hipótese de prevalecer o entendimento de que o plenário virtual, por mais que tenha uma dinâmica um pouco diferente, apenas traz para o mundo virtual ou digital o que se dá no plenário físico, deve ser aplicada a regra do §1º do artigo 941 do CPC, ou seja, o voto do ministro aposentado deve ser considerado.

Por outro lado, na eventualidade de prevalecer que se trata de entes separados, com dinâmicas diferentes, é possível o entendimento que se aplica a regra regimental, em outras palavras, o julgamento é totalmente reiniciado.

Nos filiamos ao entendimento de que o plenário virtual e o físico não podem ser entendidos como entes separados, logo o §1º do artigo 941 do CPC é plenamente aplicável ao caso do RE 1.276.977, o que faria com que o voto proferido pelo ministro Marco Aurélio fosse computado para fim de julgamento do caso.


[1] Artigo 4º — Não serão julgados em ambiente virtual as listas ou os processos com pedido de destaque feito: I – por qualquer ministro; II – por qualquer das partes, desde que requerido até 48 (quarenta e oito) horas antes do início da sessão e deferido pelo relator; § 1º. Nos casos previstos neste artigo, o relator retirará o processo da pauta de julgamentos eletrônicos e o encaminhará ao órgão colegiado competente para julgamento presencial, com publicação de nova pauta. § 2º. Nos casos de destaques, previstos neste artigo, o julgamento será reiniciado.

[2] Artigo 941. Proferidos os votos, o presidente anunciará o resultado do julgamento, designando para redigir o acórdão o relator ou, se vencido este, o autor do primeiro voto vencedor. § 1º. O voto poderá ser alterado até o momento da proclamação do resultado pelo presidente, salvo aquele já proferido por juiz afastado ou substituído.

[3] ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.

[4] EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Inciso IX, do artigo 7º, da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil), que pospõe a sustentação oral do advogado ao voto do relator. Liminar. Os antigos regimentos lusitanos se não confundem com os regimentos internos dos tribunais; de comum eles têm apenas o nome. Aqueles eram variantes legislativas da monarquia absoluta, enquanto estes resultam do fato da elevação do Judiciário a Poder do Estado e encontram no Direito Constitucional seu fundamento e previsão expressa. O ato do julgamento é o momento culminante da ação jurisdicional do Poder Judiciário e há de ser regulado em seu regimento interno, com exclusão de interferência dos demais Poderes. A questão está em saber se o legislador se conteve nos limites que a Constituição lhe traçou ou se o Judiciário se manteve nas raias por ela traçadas, para resguardo de sua autonomia. Necessidade do exame em face do caso concreto. A lei que interferisse na ordem do julgamento violaria a independência do judiciário e sua conseqüente autonomia. Aos tribunais compete elaborar seus regimentos internos, e neles dispor acerca de seu funcionamento e da ordem de seus serviços. Esta atribuição constitucional decorre de sua independência em relação aos Poderes Legislativo e Executivo. Esse poder, já exercido sob a Constituição de 1891, tornou- se expresso na Constituição de 34, e desde então vem sendo reafirmado, a despeito , dos sucessivos distúrbios institucionais. A Constituição subtraiu ao legislador a competência para dispor sobre a economia dos tribunais e a estes a imputou, em caráter exclusivo. Em relação à economia interna dos tribunais a lei é o seu regimento. O regimento interno dos tribunais é lei material. Na taxinomia das normas jurídicas o regimento interno dos tribunais se equipara à lei. A prevalência de uma ou de outro depende de matéria regulada, pois são normas de igual categoria. Em matéria processual prevalece a lei, no que tange ao funcionamento dos tribunais o regimento interno prepondera. Constituição, art. 5º, LIV e LV, e 96, I, a. Relevância jurídica da questão: precedente do STF e resolução do Senado Federal. Razoabilidade da suspensão cautelar de norma que alterou a ordem dos julgamentos, que é deferida até o julgamento da ação direta.(ADI 1.105 MC, relator(a): PAULO BROSSARD, Tribunal Pleno, julgado em 3/8/1994, DJ 27/4/2001 PP-00057 EMENT VOL-02028-02 PP-00208)

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