Opinião

Relevância recursal no STJ e modelos de contencioso nos EUA e na França

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31 de julho de 2022, 12h14

A Emenda Constitucional nº 125 de 14 de julho de 2022, conhecida como oriunda da proposta da arguição de relevância para interposição de REsp (recurso especial), nos traz à tona a compreensão do porquê da existência de um tribunal nos moldes do STJ.

O modelo jurisdicional brasileiro ora colheu aspectos do sistema estadunidense de organização de uma justiça federal e estadual no ápice com o Supremo Tribunal Federal, ora possui sombra do sistema de contencioso francês para o qual o Superior Tribunal de Justiça parece ter sido modelado.

Relembre-se que antes de ser o STJ, aquela competência se concentrava no extinto Tribunal Federal de Recursos. Ao TFR cabia o julgamento em única ou última instância das causas envolvendo atos praticados por agentes federais ou causas oriundas da Justiça Federal.

Ao STF era reservada a competência originária de julgar o presidente e seus ministros em crimes comuns, litígios estrangeiros, causas envolvendo entes federativos e a União, bem como recursos e ações originárias nas quais se discute dispositivo constitucional.

Desde seu surgimento com a Constituição de 1988, o STJ tem buscado de afirmar como uma corte de precedente em vez de uma terceira instância recursal. Na verdade, envolto aos milhares de processos, os ministros esgueiram-se em meio à cisão entre questão de fato e questão de direito para tentar assenhorar-se de sua autoridade institucional.

Mas não tem tido êxito. As súmulas 5 e 7 e a incompreensão sistêmica do que constitui um precedente levaram o tribunal a mero emissor de verbetes, que são facilmente rechaçados pelos tribunais ou na mesma facilidade aplicados sem a constatação da ratio decidendi.

O Código de Processo Civil de 2015 tentou afastar a jurisprudência defensiva, prática por meio da qual em poucas linhas inadmite-se o recurso especial com a invocação de que a matéria envolve reexame fático o que não é permitido pela súmula 7, ou, ainda, que não houve correta demonstração do prequestionamento e nem devidamente demonstrada a violação da lei, são alguns exemplos.

O funcionamento de dois tribunais superiores com função jurisdicional é uma jabuticaba.

Nos Estados Unidos as partes que não estiverem satisfeitas com a decisão de um tribunal inferior devem peticionar à Suprema Corte para ouvir seu caso. O principal meio de petição ao tribunal para revisão é pedir que ele conceda um writ of certiorari. Trata-se de um pedido para que o Supremo Tribunal ordene a um tribunal inferior que envie os autos do processo para revisão.

O tribunal geralmente não tem nenhuma obrigação de ouvir esses casos, e geralmente só o faz se o caso puder ter importância nacional, harmonizar decisões conflitantes nos tribunais federais do circuito e/ou tiver valor precedente. De fato, a Corte aceita de 100 a 150 dos mais de 7.000 casos que são solicitados a revisar a cada ano. Normalmente, o Tribunal ouve casos que foram decididos em um Tribunal de Apelações dos EUA apropriado ou no mais alto Tribunal de um determinado estado (se o tribunal estadual decidiu uma questão constitucional).

Mas esse funcionamento exige uma maturidade em termos de manipulação do precedente. Enquanto se imaginar que precedente é igual a súmula viveremos em meio a milhares de recursos e decisões igualmente desconexas do sentido da razão de decidir.

A Emenda da Relevância, data venia, arrasta o STJ para um campo de existência bastante complexo e de duvidosa inconstitucionalidade originária como é o caso de filtrar a relevância pelo valor da matéria envolvida. O Tribunal caminha para tornar-se prolator de (mais) súmulas e revisor de acórdãos que em tese afrontam estes enunciados. Para o cidadão, o que é pior. A corte de apelação não compreendendo o fundamento da súmula pode afastar sua aplicação com base na identidade da matéria de fato e o STJ não poderá rever essa decisão, já que a Súmula 7 impede o tal reexame de provas e fatos.

Se é para copiarmos o modelo de precedentes então que copiemos fielmente, que haja treinamento técnico nos Tribunais, já que muitos dos membros foram processualmente instruídos na égide do CPC 73, o que dificulta o manejo das novas ferramentas.

A emenda constitucional perdeu a oportunidade de colocar o STJ mais próximo do modelo de Contencioso Francês. Através das suas missões, o Conselho de Estado é um dos pilares do Estado de Direito. Por um lado, resolve litígios entre cidadãos, empresas e associações e administrações. Por outro lado, propõe ao governo e ao parlamento melhorias para assegurar as leis e regulamentos, antes de serem votados ou entrarem em vigor.

Como juiz administrativo supremo, o Conselho de Estado geralmente julga essas disputas após os tribunais administrativos e os tribunais administrativos de apelação. Mas também pode ser apreendido diretamente quando a medida contestada provém de uma autoridade com jurisdição a nível nacional (presidente da República, Governo e ministérios, autoridades administrativas independentes).

A grande massa de demandas que chegam ao STJ envolvem matéria fiscal, previdenciária e administrativa que poderia ter orientação e decisão abastada do processualismo até então aplicado. O STJ poderia estar em maior envolvimento técnico-político com as autoridades, orientando as decisões acerca da aplicação de decretos, portarias, normas que regulamentam o sistema tributário, por exemplo.

Filtrar o que é relevante é um contrassenso. A relevância da aposentadoria de um salário mínimo é relevante para seu titular. Agora a fórmula para se chegar ao valor do benefício é geral e aplicada à milhares de pessoas. A cobrança de adicional de alíquota (Difal) de uma ME (microempresa) é relevante para sua operação. Já a partir de quando pode ser cobrado o Difal é relevante para o Brasil e até agora, no segundo semestre já, o STJ nada se pronunciou e os tribunais sendo abarrotados de processos.

A relevância e que ela é continua no limbo da administração da justiça.

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