Opinião

Necessidade de rever a tributação na reciclagem

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30 de julho de 2022, 7h09

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), Lei 12.305/2010, da qual fui relator, trouxe uma importante contribuição para gestão dos resíduos no Brasil: introduziu o conceito da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, distribuindo a "obrigação de fazer" entre os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes.

Promoveu também uma grande mudança de mentalidade da sociedade civil ao agregar valor econômico ao lixo, por meio da reciclagem. Quando se torna um insumo, por intermédio da transformação e do beneficiamento, os resíduos retornam à cadeia produtiva originando novos produtos.

Por isso, a PNRS considera a reciclagem como umas das suas principais ferramentas, para reduzir a quantidade de resíduos descartados diariamente e, consequentemente, aumentar a vida útil dos aterros sanitários. Sem falar nas externalidades econômicas e sociais.

De todo lixo produzido no Brasil, aproximadamente 30% é composto por papel, vidro, plástico, metal e alumínio, que, se reaproveitáveis, podem gerar, segundo estimativas governamentais, algo em torno R$ 14 bilhões por ano — seria meio milhão de empregos envolvidos na coleta, separação e recuperação da fração reciclável. Sem contar a manutenção do trabalho dos 1,5 milhão de catadores entre autônomos e cooperados em atividade no país.

Um potencial que não passa despercebido no velho continente. Segundo a Agência Europeia do Ambiente, o setor emprega 2 milhões de pessoas e rende 145 bilhões de euros anualmente. A Alemanha, com 60% de reaproveitamento, a Áustria, com 58%, a Eslovênia, com 58%, e Bélgica, 55%, dão lição em reciclagem. Por aqui, reciclamos apenas 4% e o restante, perdido no descarte inadequado — um reflexo da dificuldade de reciclar no Brasil.

Dentre tantos desafios, o principal entrave é, sem sombra de dúvidas, a bitributação. Diferentemente da Europa, onde as empresas recebem incentivos para utilizar material reciclado, a estrutura tributária brasileira onera a cadeia de produção. Ainda que se entenda, sob o aspecto tributário, a cobrança do imposto toda vez que um bem é produzido, sob o aspecto ambiental e econômico, a utilização de material reciclável gera tantas externalidades positivas que justificaria um tratamento tributário diferenciado. Hoje, é mais barato fazer um produto novo no Brasil do que reciclar.

Em 2005, com a aprovação da Lei 11.195/2005 — também conhecida como Lei do Bem —, o Congresso Nacional buscou incentivar a indústria da reciclagem, concentrando a tributação do PIS/Pasep e da Cofins somente na última etapa, onde efetivamente o insumo é utilizado. Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a regra inconstitucional e o setor deverá voltar a recolher os tributos.

Em meio a tantas distorções, a reciclagem não encontra ambiente para deslanchar e os índices continuam decepcionando.  

Precisamos, portanto, revisar esse modelo tributário que onera mais quem recicla do que quem usa a matéria-prima virgem. O aumento dos índices de reciclagem não será obra do acaso, mas sim o resultado de estímulos bem direcionados. A tributação não pode servir apenas para arrecadar.

Precisamos aproveitar seu grande potencial de incentivar mudanças na forma de produzir e na forma de consumir.

Por isso, defendemos que a política tributária deva ser utilizada para que os preços dos bens e serviços reflitam também os seus custos ambientais e o diferencial do ambientalmente correto seja reconhecido. Precisamos onerar. Isso mesmo, onerar os modos de produção nocivos ao meio ambiente em relação àqueles que contribuem para sua preservação, como é o caso da reciclagem.

Há quem diga que se pode determinar o quão avançada é uma sociedade pela quantidade de lixo que recicla — o custo de proteger o meio ambiente é infinitamente menor do que o custo de repará-lo.

Isso quando é possível mitigar o dano.

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