Opinião

Spacs e fundos de private equity: o que têm em comum e como avaliar formatos

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29 de julho de 2022, 15h07

Apesar de representarem novidade no mercado de capitais brasileiro, a operação das special purpose acquisition company (Spac) tem potencial de crescer neste ambiente que já está acostumado aos investimentos em fundos de private equity — podendo, inclusive, se tornar uma alternativa a estes.  

Já consolidadas em países como os Estados Unidos, as Spacs são empresas ainda sem operação que, por meio de um IPO (sigla, em inglês, para a oferta inicial de ações no mercado de capitais), viabilizam a captação inicial de investimentos. Após a mobilização desses recursos, a Spac vai buscar seu ativo: empresa de capital privado, com potencial de crescimento que pretenda se tornar uma companhia aberta. 

A legislação brasileira não apresenta qualquer vedação à estruturação de Spacs. Sem prejuízo dessa afirmação, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) está, atualmente, analisando as contribuições à Audiência Pública SDM 02/21, referente ao novo regime proposto para as ofertas públicas de valores mobiliários. Um dos pontos que está sendo discutido é a limitação do público-alvo das ofertas feitas às Spacs.  

Mais recentemente, em 06 de abril de 2022, a B3 lançou importante guia denominado Spacs: Práticas Internacionais e Aspectos de Governança, em que são apontadas importantes características dessas estruturas societárias e quais os possíveis caminhos para sua adequada implementação no mercado brasileiro.    

Ao passo que as discussões na CVM e na B3 vão dando corpo à solidificação das Spacs, listamos adiante quatro pontos relevantes que devem ser considerados ao comparar a operação das Spacs com a dos fundos de investimento, quais sejam: 1) disponibilidade patrimonial; 2) liquidez; 3) política de investimentos e; 4) remuneração do gestor. 

É certo que os comentários tecidos adiante consideram as normas mais gerais e amplas. Além de as discussões sobre as Spacs estarem em estágio inicial no Brasil, os fundos de investimento possuem regramentos específicos e cada uma dessas particularidades devem ser analisadas no caso concreto.  

Dito isso, começamos pela disponibilidade patrimonial: a grande parte dos fundos de investimento em private equity exigem o que se convencionou chamar de compromisso de recurso. Significa dizer que o investidor somente precisará dispor do seu patrimônio quando o fundo for, efetivamente, realizar o investimento. Apesar de assegurar ao fundo que possui recursos suficientes para o aporte, o investidor tem a prerrogativa de manter livre seu patrimônio, comprometendo-o apenas quando necessário. Objetivamente, isso significa que o investidor pode fazer o dinheiro render no mercado tradicional ou em outras fontes de investimento, enquanto o gestor prepara o caminho para os investimentos do fundo.

No caso das Spacs, todo o aporte é realizado no momento do IPO (como em qualquer aquisição de ações listadas em Bolsa). O patrocinador (sponsor), que é como é conhecida a figura responsável por administrar a Spac, fica com a custódia dos recursos com vistas à combinação de negócios (que é o procedimento por meio do qual a Spac adquire o seu ativo e representa, em geral, uma operação de M&A).  

Mas aqui reside um aspecto bastante relevante do investimento a ser realizado: como a Spac não possui um valuation prévio (já que é uma sociedade "vazia"), nem números a serem avaliados, o seu valor está diretamente atrelado à reputação do sponsor. Quanto vale o olhar treinado de uma mente brilhante e competente que conhece bem o mercado e enxerga oportunidades onde todos os outros não?  

No que diz respeito à liquidez, nos fundos de investimento a regra é que a liquidez do investimento realizado somente ocorrerá quando da saída do investidor (sempre observadas as regras e limites para tanto, inclusive os aspectos tributários dessa operação). A princípio, estamos diante de regras mais rígidas.

Já nas Spacs, caso o investidor não concorde com a composição de negócios pretendida pelo sponsor, ou a qualquer outro momento, é possível se retirar do negócio — assim como em qualquer outra situação na bolsa de valores —, afinal de contas, o que se possui é valor mobiliário em companhia de capital aberto.   

Especialmente considerando os aspectos regulatórios, os fundos de investimento possuem diretrizes muito detalhadas sobre a política de investimentos (que considera, inclusive, setores da economia e níveis de governança). Ao fazer os aportes, o investidor tem visibilidade sobre como e quanto será investido, qual o perfil dos targets e quais os limites que não podem ser ultrapassados pelo gestor.  

Nas Spacs, o investimento é feito levando em consideração, sobretudo, o time da empresa, em especial o seu sponsor, que deve deter notada expertise no mercado de capitais. Essa confiança no sponsor se sobrepõe, inclusive, à observação detalhada das empresas-alvo, já que, como dito antes, no momento do IPO elas sequer foram escolhidas. Daí o tão famoso jargão para esse tipo de investimento: "empresas de cheque em branco".  

Por fim, também considerando os aspectos regulatórios, é fundamental analisar brevemente a forma de remuneração dos gestores nos dois tipos de investimento, pois esse ponto também costuma ser relevante para a escolha dos investidores. Nos fundos de investimentos, o gestor possui critérios pré-estabelecidos para a sua remuneração. Já nas Spacs, os retornos do patrocinador podem vir de diversas formas, inclusive por meio de stock options.

A primeira impressão que se pode ter é a de que não há clareza ou previsibilidade nesse segundo caso. Esse é, inclusive, um dos pontos suscitados pela B3 no guia citado acima como ponto de atenção. Como alternativa e em benefício da transparência, a tendência é a de que informações relevantes das Spacs (como é o caso da remuneração e dos benefícios do patrocinador) sejam, desde o início do processo de IPO, apresentadas ao mercado de forma clara e direta.  

Ao final, pode-se apostar que a maior flexibilidade da estrutura das Spacs não é sinônimo de falta de transparência ou de insegurança jurídica, mas sim de uma evolução do próprio mercado que sempre visa a novas formas de investimento. É importante que se visualize essa fluidez como espaço para construção de ferramentas de governança customizadas, sempre passíveis de atualização, e com foco na proteção dos investidores e do próprio mercado.  

Navegar no universo das Spacs é, também, reconhecer o perfil de mudança no ambiente dos investimentos, que, além de oferecer nova via de acesso ao mercado de capitais, valoriza cada vez mais as competências de times dinâmicos, modernos e com novos palpites de mercado. Sem dúvidas, trata-se de um investimento de risco que precisa de observação e, sempre que necessário, de regulação para coibir fraudes. Mas, por outro lado, pode representar uma grande oportunidade. Afinal, uma das principais leis do mercado é quanto maior o risco, maior o retorno.

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