Opinião

Eleição de jurisdição estrangeira e o entendimento dos tribunais

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29 de julho de 2022, 18h19

Em vista da globalização e do contexto político e econômico atual, permeado por instabilidade em diversos países, as discussões envolvendo a eleição de jurisdição estrangeira em contratos celebrados entre partes nacionais e internacionais têm se tornado cada vez mais recorrentes.

Entende-se por eleição de foro a escolha dos contratantes sobre a lei e jurisdição aplicáveis ao contrato em caso de eventual controvérsia entre as partes. Trata-se, por conseguinte, de pacto acessório, por meio do qual os contratantes escolhem o foro competente para conhecer de eventual litígio, e a lei de direito material aplicável para reger os direitos e obrigações que se originam a partir da relação contratual.

No Brasil, os limites da jurisdição nacional são disciplinados nos artigos 21 a 25 do Código de Processo Civil (CPC). Em regra, o Brasil não reconhece a litispendência internacional, de modo que, no caso de competência concorrente, é possível que sejam propostas ações idênticas perante autoridades brasileira e estrangeira.

O artigo 21 do CPC contempla as hipóteses de competência concorrente da autoridade judiciária brasileira, quais sejam: 1) ações em que o réu estiver domiciliado no Brasil; 2) ações em que a obrigação tiver de ser cumprida no Brasil; e 3) ações em que o fundamento seja fato ocorrido ou ato praticado no Brasil.

Nos termos do artigo 22 do CPC, as Cortes nacionais também possuem jurisdição concorrente para dirimir questões envolvendo as seguintes matérias: 1) ações de alimentos; 2) ações decorrentes de relações de consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil; e 3) em que as partes, expressa ou tacitamente, se submeterem à jurisdição nacional.

O artigo 25 do CPC, por sua vez, trouxe sensíveis alterações no que tange ao regramento da cláusula de eleição de foro estrangeiro, viabilizando o afastamento da jurisdição brasileira quando verificada a existência de cláusula contratual de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional.

A legislação brasileira, portanto, reconhece a validade e a eficácia de cláusula de eleição de foro estrangeiro em contratos internacionais que visam afastar a jurisdição brasileira para conhecer e julgar causas para as quais a competência era, inicialmente, concorrente.

Ao prestigiar a autonomia das partes contratantes, a norma também encerra a divergência jurisprudencial existente no tocante à validade desse tipo de cláusula. Do regramento da cláusula de eleição de foro estrangeiro no Código atual, depreende-se que o afastamento dessa cláusula, e o consequente reconhecimento da competência concorrente da justiça brasileira, passou a ter caráter excepcional.

O entendimento da jurisprudência seguiu a mesma linha do legislador. Atualmente, é relevante o número de julgados em que se reconhece a incompetência da autoridade judicial brasileira quando constatada a existência de cláusula por meio da qual as partes se submetem expressamente à lei estrangeira.

Não obstante, há situações em que a jurisprudência afasta a regra do artigo 25, mitigando os efeitos da eleição de foro estrangeiro em detrimento da autonomia privada das partes. São elas: 1) a existência de quaisquer hipóteses elencadas nos incisos dos artigos 21 e 22 do CPC de 2015, ou 2) a presença de elementos indicativos de abusividade na cláusula de eleição de foro estrangeiro.

A análise da jurisprudência atual sobre a matéria evidencia que relações contratuais de consumo, e empresas estrangeiras com filiais do Brasil são as principais causas de afastamento da cláusula de eleição de foro estrangeiro pelos tribunais brasileiros.

Exemplo disso é o recente julgado [1] do Tribunal de Justiça do estado de São Paulo, em que a cláusula de eleição de foro estrangeiro foi afastada pois: 1) a empresa estrangeira possuía filial no Brasil, atraindo a hipótese de jurisdição concorrente prevista no inciso I do artigo 21 do CPC; e 2) a relação entre as partes era de consumo, e a cláusula de eleição de foro estrangeiro abusiva sob esta perspectiva, colocando os consumidores em exagerada desvantagem.

Especificamente em relações envolvendo consumo, o Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou pelo afastamento cláusula de eleição de foro estrangeiro e prevalência da competência nacional, diante da desigualdade estabelecida entre as partes [2].

As alterações trazidas pelo CPC/2015 no tocante ao regramento da cláusula de eleição de foro estrangeiro ensejaram, portanto, importante movimento jurisprudencial no sentido de valorizar a autonomia da vontade das partes. Ao assim fazê-lo, aproximou-se Direito Processual Internacional brasileiro das tendências internacionais, tornando o ambiente de negócios brasileiro juridicamente mais seguro para o investidor estrangeiro.

É importante, todavia, que se observe as hipóteses de afastamento da eleição, para que se possa antever certos riscos envolvendo a utilização desse tipo de cláusula em contratos internacionais, de forma a garantir que a jurisdição escolhida prevaleça em caso de disputa envolvendo o contrato.

______________

[1] TJSP, 35ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº 1004351-06.2020.8.26.0161, relator desembargador Rodolfo Cesar Milano, j. 02.05.2022.

[2] STJ, 3ª Turma, AgRg no AREsp 697099/RJ, relator ministro Marco Aurélio Bellizze, j. 03/11/2015

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