Opinião

Os seis meses da guerra na Ucrânia

Autor

  • Thiago Ferreira Almeida

    é advogado e pesquisador convidado de doutorado na Faculdade de Direito da Universidade de Geneva (Unige) doutorando em Direito Internacional do Investimento na Faculdade de Direito da UFMG pesquisador associado no Centro de Excelência Jean Monnet (Erasmus+ & UFMG) professor e coordenador no Centro de Direito Internacional (Cedin).

27 de julho de 2022, 12h03

A guerra na Ucrânia começou em 24 de fevereiro de 2022 e, após seis meses de conflito, ainda não vislumbra sinais de encerramento das hostilidades. O conflito envolve consequências em nível internacional que ultrapassam questões locais. Em específico, a guerra envolve consequências políticas, militares e econômicas de repercussão global.

Agência Tass
Agência Tass

Em julho de 2022, a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (United Nations Conference on Trade and Development, Unctad) publicou o mais atual relatório anual sobre o fluxo de investimentos internacionais no mundo.[2]

Em linhas gerais, o relatório da Unctad de 2022 sintetiza a situação internacional, no que se refere ao fluxo dos investimentos aos países conforme a sua exposição direta ou indireta, quanto a três questões de maior importância: alimentos, combustível e finanças.

No que se refere a alimentos, os países do Oriente Médio são os mais impactados pela escassez de importação de produtos agrícolas da Rússia e Ucrânia. No dia 23 de julho, foi celebrado dois acordos, um entre a Ucrânia, Nações Unidas e Turquia, e outro entre a Rússia, Nações Unidas e Turquia, para permitir a retomada das exportações desses produtos. O pacto estabelece um prazo de 120 dias, com a possibilidade de renovação.[3] Contudo, no dia 24 de julho de 2022, a Rússia bombardeou parte do porto de Odessa, na Ucrânia, comprometendo as convenções recentemente acordadas.[4]

No que se refere à questão energética, por mais que a Europa atue na redução das perdas com o consumo energético, alguns países europeus, como Alemanha, Itália e outros do Leste Europeu, dependem de forma significativa das importações do gás russo. A exemplo, a exportação de gás e petróleo russo para a Europa, via o gasoduto Nordstream 1 será reduzido de 40% para 20% de sua operação. O governo russo alega que uma turbina precisa de manutenção e se encontra no Canadá.

Em virtude das sanções econômicas, a sua importação foi comprometida e o governo russo alega atrasados em virtude dessa situação, o que é negada pela Alemanha, cuja exceção à sanção foi aplicada nesse caso específico.[5] Independente das alegações russas e das refutações alemãs, a guerra na Ucrânia desenvolveu um conflito energético no território europeu.

Com o panorama de uma guerra de longo prazo, a Europa concentra-se na necessidade de assegurar reservas energéticas durante o inverno. Tal instabilidade energética provocou o aumento da taxa de juros pelo Banco Central Europeu depois de 11 anos, devido a saída de capital especulativo para centros financeiros considerados mais seguros, como o mercado norte-americano. O aumento das taxas de juros europeias foi considerada uma medida a combater o aumento da inflação.[6]

Dessa forma, os efeitos da guerra na Ucrânia reduzem as expectativas de retorno do crescimento econômico da região em um cenário de pós-pandemia do Covid-19.

Por fim, a situação de déficit fiscal, a situação é crítica para países emergentes e em desenvolvimento, que confrontam com cenário de restrição orçamentária e inflação acelerada, provocando o aumento da miséria e fome.

Ressalta-se que, além do conflito na Ucrânia, outros países ainda se encontram em guerras civis e com governos frágeis a assegurar um nível mínimo de coesão social, ou mesmo subjugados por golpes militares, a citar: Síria, Líbia, Iêmen, República Centro-Africana, Somália, Etiópia, Haiti, Myanmar, Sri Lanka e outros.[7]

Segundo informações das Nações Unidas, os conflitos tendem a envolver atores não-Estatais, como milícias e grupos terroristas. Além disso, tensões locais e regionais não resolvidas ocasionam a violação do Estado de Direito, a deturpação de instituições e a geração de comércio ilícito sobre os recursos escassos dos territórios em conflito.[8] Atualmente, existem 12 forças de paz da ONU mobilizadas no mundo, em sua maioria, no território africano e no Oriente Médio.[9]

As fragilidades e interrupções observadas nos fluxos de investimento e comércio globais não somente provocam redução das taxas de crescimento, mas principalmente causam conflitos sociais e o aumento das condições de miséria dos povos. Em consequência, tais realidades provocam o aumento de migrações de indivíduos e o acirramento de conflitos locais e internacionais.

Portanto, as relações comerciais devem ser analisadas sob o prisma do desenvolvimento, cujos efeitos são sentidos de forma diferenciada entre países desenvolvidos, emergentes e em desenvolvimento. Os efeitos da redução das taxas de crescimento provocam a piora dos indicadores de desenvolvimento humano, aumentando o numero de indivíduos em situação de vulnerabilidade sócio-econômica.

A solução do conflito na Ucrânia e em outros países e regiões não devem se restringir a questões locais ou de natureza política. Além disso, as posições diferentes entre os povos devem ser solucionadas por mecanismos de solução pacífica, respeitando as disposições da Carta das Nações Unidas de 1945 e regramentos internacionais posteriores, principalmente no que se refere ao Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito Internacional Humanitário.

Sendo a Rússia e a Ucrânia importantes países exportadores de grãos, sementes de girassol, fertilizantes, gás e petróleo, a solução do conflito deve se submeter ao diálogo e cooperação. Outrossim, a aplicação de sanções econômicas possuem o objetivo de curto prazo de causar danos econômicos na Rússia. Contudo, as consequências de tais sanções acabam se propagando para outros países indiretamente envolvidos no comércio global. Países como os Estados Unidos, Japão, os membros da União Europeia, Reino Unido, Suíça, Nova Zelândia e Austrália introduziram sanções econômicas contra a Rússia.

Países do sul global, que dependem de determinados produtos russos, ou mesmo do seu mercado consumidor, abstiveram-se de aplicar tais sanções, como foi o caso do Brasil, como também da China e Índia. Dessa forma, 2/3 da população mundial vivem em países que se posicionam de forma neutra ou contrária à aplicação das sanções econômicas. Em termos do PIB mundial, 70% da riqueza global encontra-se nos países que aplicaram sanções à Rússia.

Dessa forma, observa-se que a posição dos países ocidentais desenvolvidos possui um peso relevante na aplicação das sanções econômicas na Rússia. Lado outro, a maioria dos países posiciona-se neutra ou contrária à aplicação de sanções. Essa divisão pode ser interpretada a partir de uma posição pragmática econômica.

Os países em desenvolvimento, cujas economias são menos robustas e em um contexto atual fragilizado devido a pandemia do Covid-19, estão tomando medidas a assegurar as suas economias.[10] Apesar disso, tal posição pragmática não impede que os países condenem atos de força contra outras nações, como observado nas resoluções da Assembleia Geral da ONU, cuja maioria dos países membros da organização internacional condenou as hostilidades russas na Ucrânia.[11]

 


[2] UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT – UNCTAD. World Investment Report 2022. June 2022. Disponível em: <https://unctad.org/webflyer/world-investment-report-2022>. Acesso em: 22 jun. 2022.

[3] FAHIM, Kareem. Russia and Ukraine agree to release blockaded grain exports. The Washington Post. July 22th, 2022. Disponível em: <https://www.washingtonpost.com/world/2022/07/22/ukraine-grain-deal-turkey-russia/>. Acesso em: 26 jul. 2022.

[4] FAHIM, Kareem; FRANCIS, Ellen; PARKER, Claire. Russia attacks Odessa port a day after signing grain deal, Ukraine says. The Washington Post. July 23th, 2022. Disponível em: <https://www.washingtonpost.com/world/2022/07/23/russian-strike-odessa-port-ukraine-grain/>. Acesso em: 26 jul. 2022.

[5] DW NEWS. Russia to further slash gas deliveries to Germany via Nord Stream pipeline. July 25th, 2022. Disponível em: <https://www.dw.com/en/russia-to-further-slash-gas-deliveries-to-germany-via-nord-stream-pipeline/a-62588620>. Acesso em: 26 jul. 2022.

[6] BBC NEWS. Eurozone raises interest rates for first time in 11 years. July 22th, 2022. Disponível em: <https://www.bbc.com/news/business-62240730>. Acesso em: 26 jul. 2022.

[7] UNITED NATIONS. 2021 Year in Review: UN support for countries in conflict. December 28th, 2021. Disponível em: <https://news.un.org/en/story/2021/12/1108352>. Acesso em: 26 jul. 2022.

[8] UNITED NATIONS. A New Era of Conflict and Violence. Disponível em: <https://www.un.org/en/un75/new-era-conflict-and-violence>. Acesso em: 26 jul. 2022.

[9] UNITED NATIONS. Peacekeeping operations. Disponível em: <https://peacekeeping.un.org/en/where-we-operate>. Acesso em: 26 jul. 2022.

[10] THE ECONOMIST. Russia can count on support from many developing countries. Disponível em: <https://www.eiu.com/n/russia-can-count-on-support-from-many-developing-countries/>. Acesso em: 26 jul. 2022.

[11] UNITED NATIONS. General Assembly resolution demands end to Russian offensive in Ukraine. Disponível em: <https://news.un.org/en/story/2022/03/1113152>. Acesso em: 26 jul. 2022.

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    é advogado e pesquisador convidado de doutorado na Faculdade de Direito da Universidade de Geneva (Unige), doutorando em Direito Internacional do Investimento na Faculdade de Direito da UFMG, professor e coordenador no Centro de Direito Internacional (Cedin)

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