Opinião

Compensação do prejuízo fiscal como hipótese para transação tributária

Autor

  • Antonio Carlos Sirqueira Rocha

    é advogado especialista em Filosofia e Teoria do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e em Compliance e Gestão Tributária pela Faculdade Brasileira de Tributação (FBT) e procurador da Fazenda Nacional.

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27 de julho de 2022, 6h04

Indiscutivelmente, a criação do ambiente do Sped impactou, positivamente, tanto os negócios da Administração Tributária quanto os dos contribuintes. Com efeito, o uso da tecnologia, somado ao paradigma de compliance, vêm sendo uma tendência global de uma relação "ganha-ganha", representando uma ruptura com o paradigma anterior  de contraposição de interesses entre a ordem estatal e o particular.

A despeito disso, recentes dados coletados pela pesquisa capitaneada pelo Insper, em parceria com o CNJ e outras auxílio de instituições públicas, atestam que, no Brasil, ainda persiste um quadro dramático de macrolitigância tributária. Aliás, a litigiosidade brasileira contamina as empresas transnacionais de tal maneira que, em média, 98,7% dos seus processos tributários são brasileiros, sendo que o percentual desses valores discutidos, em relação ao faturamento anual das empresas, é de 57% no Brasil e de 3,33% nos outros países em que atuam.

Isso quer dizer que uma boa parte dos recursos dessas empresas são provisionados, não sendo empregados no setor produtivo, o que afeta, diretamente, o PIB nacional. Inclusive, podemos conjecturar que seja a incerteza jurídica uma das várias causas que levaram várias multinacionais optarem por sair daqui nos últimos anos. Talvez, ainda, seja ela um dos motivos que leva outras se estabelecerem aqui somente quando são atraídas por amplos  e desarrazoados  benefícios fiscais.

A celeuma a respeito do prejuízo fiscal exemplifica bem o cenário de baixo grau de aderência apontado.

Embora consagrado em nossa tradição, referido instituto somente veio a contar com previsão expressa em 1947. Entre idas e vindas, chegou a sofrer alteração quanto à limitação temporal e, no limite, acabou sendo suprimido pelas MPv nº 947, 972 e 998 enviadas pelo Executivo em 1995. No trâmite das MPs, porém, a hipótese foi reinserida via emenda parlamentar. Ao fim, por ocasião da conversão na Lei nº 9.065 de 1995, a limitação temporal foi substituída pela chamada trava de 30%, fruto de contrapartida para que o Governo ganhasse um fôlego de caixa, garantindo-lhe um fluxo de entradas.

Todo o consenso, embasado no diálogo, concessões e compromissos recíprocos assumidos, pelos poderes Legislativo e Executivo, se perdeu ralo abaixo, frente à rediscussão em torno da compensação do prejuízo fiscal na via administrativa e judicial nos anos seguintes. Essa proliferação de teses jurídicas, de caráter formalista, espelha bem a retórica arraigada em nossa tradição jurídica, forte nos arroubos semânticos e artificialismos teóricos. Ocorre que, quando atiramos contra legado deixado pela história, acertamos na insegurança jurídica.

Instado a se manifestar, o STF, por diversas vezes, rejeitou a tese do particular quanto à limitação material de 30% (AI 479672 AgR, RE 291523 AgR, RE 617389 AgR etc), até firmar a tese de repercussão geral julgado sob o tema de nº 117: "É constitucional a limitação do direito de compensação de prejuízos fiscais do IRPJ e da base de cálculo negativa da CSLL" (leading case RE 591340).

Mais recentemente, o STJ julgou o tema da compensação de prejuízo fiscal para empresas extintas, nos casos de incorporação, fusão e cisão, validando, também, para esses casos, a trava dos 30% (por exemplo, REsp 1805925/SP e REsp 1925025/SC). A despeito disso, no âmbito do Carf, é possível colher decisões que contrariam os precedentes dos STJ, a exemplo do acórdão 9101-005.728  CSRF/ 1ª Turma  que, de passagem, ainda faz reflexões críticas sobre os fundamentos levados a efeito pelo STF em relação à trava de 30%.

Diante do caos que gira sobre uma questão aparentemente simples (ao menos, em outras jurisdições há menor animosidade), veio em boa hora a edição da Lei nº 14.375, inserindo na Lei nº 13.988/2020 a possibilidade de utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) dentre as possibilidades contempladas pela transação na cobrança de créditos da União. A hipótese nada diz a respeito da trava dos 30%, apenas traz o limite de até 70% do saldo remanescente após a incidência dos descontos, se houver.

A ampliação do rol reflete bem o papel que a Advocacia Pública, na figura das Procuradorias, deve desempenhar no enfrentamento da macrolotigância fiscal, no sentido de adotarem soluções sistêmicas e estruturantes. Nesse sentido, verificado o gap criado pela compensação dos prejuízos fiscais, num quadro de grande disputa judicial e administrativa, a utilização do instituto como crédito se mostrou uma decisão mais do que acertada. Se o contribuinte possui o direito de exercer a compensação sem limitação temporal – tratando-se, assim, de um direito imprescritível -, é razoável conjecturar que em algum momento irá utilizá-lo, e melhor que seja para saldar dívidas com o governo!

Um alento para os empresários, minimizando os efeitos dos prejuízos acumulados com a desaceleração da economia. E alívio para o Governo, que reduz o seu estoque de dívida ativa.

Dito tudo isso, propomos uma maior afinidade entre o particular e Fazenda Pública, no sentido de buscarem, cada vez mais, saídas consensuais – ao menos, nos níveis verificados nos países componentes do bloco OCDE. Do ponto de vista dos particulares, desejamos que analisem se o "custo Brasil" gerado pelas aventuras jurídicas compensa operacionalmente falando, avaliando o respectivo custo de trade off com o investimento em compliance. Sob a ótica das Procuradorias, postulamos que suas decisões sejam tomadas com base em dados macroscópicos e empíricos, voltando os olhos mais para a efetivação dos valores e direitos individuais inerentes à sua atividade no médio e longo-prazo, tais como os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, direito à propriedade e à igualdade, isto é, menos preocupadas com a pura insuficiência ou fluxo de caixa no curto prazo.

Autores

  • é advogado, especialista em Filosofia e Teoria do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e em Compliance e Gestão Tributária pela Faculdade Brasileira de Tributação (FBT) e procurador da Fazenda Nacional.

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