Paradoxo da Corte

Ação rescisória e reafirmação da Súmula 343/STF pelo Superior Tribunal de Justiça

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

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26 de julho de 2022, 8h05

Importante precedente da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1.508.018-RS, da relatoria do ministro Raul Araújo, secundou o entendimento de que somente é cabível a ação rescisória quando a divergência acerca da interpretação de texto legal já tiver sido superada antes da prolação da decisão rescindenda.

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Com essa orientação, a turma julgadora reafirmou o enunciado da Súmula 343/STF: "Não cabe ação rescisória por ofensa à literal disposição de lei quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais".

Extrai-se do voto condutor que esse verbete sumular vinha sendo flexibilizado pela própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em hipóteses nas quais o mérito do recurso se referia a interpretação de norma constitucional.

Nesse mesmo sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também vinha autorizando o cabimento da ação rescisória fundada na alegação de violação a literal disposição de lei, sempre que a decisão rescindenda estivesse fundamentada em norma declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

Não obstante, tratando-se de lei infraconstitucional, o posicionamento que prevalece encontra-se sintetizado no julgamento, pela mesma 2ª Seção, da Ação Rescisória nº 3.682-RN, que traçou "duas regras distintas, no trato da ação rescisória à luz do enunciado 343 da Súmula do STF, quando se verificar controvérsia na interpretação da lei à época em que prolatado o acórdão rescindendo: (i) ou essa controvérsia ainda persiste, e a ação rescisória não pode ser acolhida por força do referido enunciado sumular; (ii) ou essa controvérsia já se solucionou em um sentido, e nesta hipótese é admissível a ação rescisória, desde que seja demonstrada a pacificação do entendimento sobre a questão federal, no sentido contrário ao do acórdão vergastado".

Assim, como se observa, a ação rescisória era admitida desde que a antiga controvérsia já estivesse superada e o acórdão rescindendo contrariasse a tese consolidada.

Mais recentemente, no entanto, o Supremo Tribunal Federal modificou sua orientação para assentar que não cabe ação rescisória com fundamento em posterior alteração do entendimento do tribunal sobre a matéria então controvertida (RE nº 590.809, relator ministro Marco Aurélio).

Atento a esse novel posicionamento, que no fundo acaba aplicando sem qualquer mitigação a transcrita Súmula 343/STF, invoca o ministro Raul Araújo o julgamento da Ação Rescisória nº 3.524-DF, enfatizando que: "oscilações jurisprudenciais existem e existirão sempre, cabendo ao Poder Judiciário deixar em garantia as suas próprias decisões, respeitando-as dentro do tempo em que foi proferida. Adotar-se ação rescisória para alinhar a jurisprudência antiga à nova, mais recente, é inserir mais um inciso ao art. 485 CPC [atual art. 966 CPC/2015], criando-se assim uma nova modalidade de impugnação à decisão transitada em julgado" (STJ, 1ª Seção, rel. min. Eliana Calmon).

Acrescenta, ainda, o ministro relator, a diretriz implementada vigente Código de Processo Civil, que, segundo sua respectiva exposição de motivos, deve-se evitar a rescindibilidade de sentenças transitadas em julgado baseadas em orientação abandonada pelos tribunais: "A segurança jurídica fica comprometida com a brusca e integral alteração do entendimento dos tribunais sobre questões de direito…. Na hipótese de alteração da jurisprudência dominante do STF e dos Tribunais superiores, ou oriunda de julgamentos de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica… Esse princípio tem relevantes consequências práticas, como, por exemplo, a não rescindibilidade de sentenças transitadas em julgado baseadas na orientação abandonada pelo Tribunal…".

Verifica-se que, na situação concreta submetida à apreciação da 2ª Seção, o acórdão recorrido assentou que a Súmula 343/STF não admite mitigação, sendo de plena incidência para impedir a rescisão de julgados que tiverem sido baseados em texto legal de interpretação à época controvertida nos tribunais.

O aresto da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, invocado como paradigma, igualmente, baseia-se na mesma tese jurídica: "Quanto ao mérito, conforme assinalado na decisão ora impugnada, o acórdão rescindendo decidiu as questões relativas à legalidade do limitador etário adotando uma das interpretações possíveis para dispositivos legais que, à época, eram objeto de controvérsia interpretativa nos tribunais, fazendo incidir o disposto na Súmula nº 343 do STF…".

Já o acórdão embargado, sustenta, com todas as letras, que a Súmula 343/STF admite atenuação, de modo a ser viável a rescisão de decisão escudada em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais, conforme se infere da leitura do seguinte excerto: "O Ministério Público Federal ofertou parecer pelo conhecimento da ação rescisória… Igualmente, acha-se consolidado nessa Corte o entendimento de que é cabível a ação rescisória quando já pacífica a interpretação de lei que era controvertida à época da decisão rescindenda, em mitigação ao enunciado da Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal. Logo, nada impede seja desconstituído, por meio de ação rescisória, o acórdão em que se afastou a aplicação da exigência de idade mínima aos recorridos, que ingressaram no plano de benefícios durante a vigência do Decreto nº 81.240/78. Conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a ação rescisória é cabível na hipótese em que eventual divergência de entendimento sobre o tema já houvesse sido superada na jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça".

Diante dessa notória colidência de teses, a 2ª Seção conheceu dos embargos de divergência, com a finalidade de examinar e dirimir o dissenso.

E, assim, restou decidido que: "o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, em momento anterior ao da prolação do aresto embargado, já preconizava ser descabida a pretensão rescisória de, sob o argumento da ocorrência de violação a literal disposição de lei, fazer prevalecer o novo entendimento da Corte acerca da matéria, consolidado em sentido diverso daquele adotado anteriormente pelo acórdão rescindendo".

Diante dessa premissa, a turma julgadora deu provimento aos embargos de divergência para negar provimento ao recurso especial, confirmando-se o acórdão recorrido, prolatado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que inadmitiu qualquer abrandamento hermenêutico do enunciado da Súmula 343/STF.

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