Opinião

Prazo razoável e direito à decisão administrativa nos processos do MEC

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25 de julho de 2022, 13h13

Atrasos e demora em processos administrativos sempre foram argumentos usados para provar a ineficiência dos órgão do Estado. Generalizar os problemas de eficiência da Administração Pública não é correto nem justo, mas em algumas situações, como o dos processos regulatórios de cursos e instituições de ensino no Ministério da Educação, existem dados concretos nesse sentido.

Em fevereiro 2021, segundo relatório da Secretaria de Regulação e Supervisão do MEC, existiam 19.773 processos tramitando e, mesmo com esforço ampliado da secretaria, foram decididos apenas 5.947 processos regulatórios nos meses iniciais daquele ano, sendo a maioria deles processos periódicos e somente 88 autorização de cursos. Esse número é pequeno, especialmente considerando que entre agosto de 2020 e fevereiro de 2021 mais de 16.500 processos novos foram abertos. Enfim, o número de decisões é muito reduzido para o quantitativo enorme e crescente de processos no MEC.

Esse tipo de situação nega aos cidadãos e as pessoas jurídicas o direito a um processo com duração razoável. O que é grave, pois como afirmou Rui Barbosa: "Justiça atrasada não é Justiça, senão injustiça qualificada e manifesta".

O direito à razoável duração se tornou garantia constitucional em 2004, mas foi apenas em 2018, por meio de medida provisória e depois de lei, que uma regra foi criada para tornar eficaz esse princípio. Conforme consta da exposição de motivos da Medida Provisória 881/1018:

A razoabilidade dos prazos para processamento de liberações para a atividade econômica é uma prática mundial. Quando a Administração silencia ao longo e ao fim do prazo por ela mesmo estipulado, deve-se assumir a aprovação tácita, exceto nos casos considerados de alto risco.

Cabe a presunção da boa-fé́ do particular. Não se trata de estabelecer prazos gerais para os processos, mas, sim, a observância dos prazos que o próprio órgão dará́ no caso concreto individualizado para o solicitante. Uma bandeira histórica de diversos setores produtivos, mundialmente praticada, inclusive recomendada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE);a aprovação tácita trará́ benefícios para a economia e, garantirá que o Estado foque sua atenção de análise e fiscalização nas situações que  de fato  importem risco sério à sociedade.

Não é aceitável que agentes públicos dificultem a geração de empregos em atividades incapazes de causar dano. Essa é tão somente a inauguração, em escopo restrito, dessa modalidade de atuação estatal, já́ consolidada em países de alta competitividade, para o Brasil. (motivação do artigo 3º, IX)

A partir da regra nova os órgãos federais se prepararam para garantir o direito e o MEC produziu normas próprias, obedecendo ao Decreto 10.278/2020. Foram criadas as Portarias nº 783, sobre prazos do MEC, e 279, sobre os da Seres.

Porém algumas medidas muito negativas vem sendo tomadas nos últimos anos para burlar ou negar esse direito. A mais recente foi a revogação das regras do Ministério que estabeleciam prazos, o que já discutimos em artigo anterior.

Mas há uma prática, que entendemos também ser contrária ao direito de ter uma decisão em prazo razoável, uma prática negativa ainda mais grave. Os despachos de não homologação dos pareceres do Conselho Nacional de Educação (CNE). Esse tipo de despacho tem permitido ao Ministro desfazer as decisões do CNE em grau de recurso e tornar inútil todo o período de tramitação dos processos das Instituições de Ensino.

Sem a decisão de um recurso o processo de regulação ou supervisão do MEC torna-se mero procedimento, sem efetivo contraditório e ampla defesa. Uma verdadeira perda de tempo ou até um jogo de sorte, no qual a espera só valerá a pena se a Secretaria de Regulação aceitar o pedido sem necessidade de recurso ou se o Ministro eventualmente aceitar a decisão do CNE. Caso contrário, erros e ilegalidades poderão ser praticados e não haverá conserto, todo o procedimento será tempo perdido.

Mas deixar de praticar o ato homologatório tem sido tratado como uma omissão passível de correção pelo Poder Judiciário, da mesma forma que já ocorre com a falta de cuidado quanto aos prazos razoáveis. Um exemplo dessa postura é a decisão do STJ de 2021 na qual o ministro da Corte determinou a análise final em 60 dias:

"… a autorização para o credenciamento de cursos e habilitações oferecidos pelas instituições de ensino superior constitui-se num ato administrativo de natureza complexa, pois exige não apenas a deliberação favorável do Conselho Nacional de Educação, mas também sua aprovação pelo MINISTRO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO, mediante homologação.
Nesse diapasão, consoante informações prestadas pela autoridade impetrada, após tramitar por vários órgãos internos do Ministério da Educação, o processo administrativo em tela encontra-se a ele concluso para apreciação desde setembro de 2020 (fl. 85).
Logo, tem-se que tal cenário conspira no sentido de que, efetivamente, ainda pende de solução definitiva o pedido administrativo formulado pela parte impetrante.
[…]
No propósito de superar a referida inércia, descortina-se também necessária a fixação de prazo para que a autoridade impetrada ultime a conclusão do procedimento ainda pendente de resposta final, mostrando-se razoável, a tal desiderato, o estabelecimento de 60 (sessenta) dias úteis".
(MS 26.692, ministro Sérgio Kukina, julgado em 01/12/2021, grifamos)

Outro exemplo consta em decisão proferida em 2022 e é ainda mais contundente, pois trata-se da anulação de um despacho de não homologação com determinação de prazo para emissão de portaria. Neste caso, o desembargador do TRF-1 afirmou:

"…A homologação prevista no §2º do artigo 44 do Decreto nº 9.235/2017, inclusive, está prevista no artigo 2º da Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995, que alterou dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, verbis: artigo 2º As deliberações e pronunciamentos do Conselho Pleno e das Câmaras deverão ser homologados pelo Ministro de Estado da Educação e do Desporto. Extrai-se, do quanto disposto na legislação de regência, o caráter deliberativo da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, não se tratando de mero órgão opinativo, mas sim de instância revisional, com força impositiva em suas decisões.
Ademais, pela leitura do artigo 2º da Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995, observa-se que as deliberações do referido órgão revisional deverão ser homologadas pelo Ministro de Estado da Educação e do Desporto, vinculando seu ato à decisão tomada pela Câmara de Educação Superior que, por força de lei, é a instância recursal das decisões do Secretário de Regulação e Supervisão da Educação Superior do Ministério da Educação, não podendo dela se distanciar, sob pena de violar o princípio da hierarquia dentro do processo administrativo.
Assim, ultrapassado o prazo para as providências administrativas referentes à homologação do Parecer CNE/CES nº 600/2020, emitido pelo Conselho Nacional de Educação  CNE, de natureza vinculante, determino, suprindo a indevida omissão administrativa em relação à homologação, que, no prazo de dez dias, a União, através da Secretaria de Regulação da Educação Superior, adote as providências necessárias para a publicação de nova Portaria contemplando, desta, vez, a oferta de 120 vagas anuais para o curso de Medicina da UNESULBAHIA, mantida pela Unece, no município de Eunápolis/BA. Cumpra-se. Publique-se. Intime-se. Brasília, data da assinatura constante do rodapé. CARLOS AUGUSTO PIRES BRANDÃO Desembargador(a) Federal Relator(a)".
(AI 1043142-37.2021.4.01.0000, DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS AUGUSTO PIRES BRANDÃO, TRF1, PJe 22/02/2022 PAG.,)

Os dois julgados estão alinhados com as normas e servem para manter a esperança de que nem mesmo a revogação das regras — aparentemente com a intenção de criar anomia ou dificultar a definição de prazos — impedirá o Poder Judiciário de seguir determinando que processos administrativos do MEC sejam efetivamente decididos, com respeito ao contraditório e ampla defesa, e em prazos razoáveis.

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