Opinião

Lei do Superendividamento: um balanço após um ano de vigência

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21 de julho de 2022, 6h27

A Lei do Superendividamento (Lei nº 14.181/2021), que entrou em vigor em 2 de julho de 2021, alterou o Código de Defesa do Consumidor (CDC), criando regramento específico sobre a oferta de crédito, novos tipos de práticas abusivas e procedimento próprio de repactuação de dívidas para o consumidor superendividado. Ao longo desse primeiro ano de vigência da lei, o Poder Judiciário definiu a extensão de alguns de seus conceitos, ao passo que o Poder Executivo promoveu iniciativas para aperfeiçoar a sua implementação.

No âmbito do Judiciário, os principais temas analisados entre cem precedentes judiciais mapeados são: a interpretação sobre o que deve compor o mínimo existencial e a aplicação do Tema Repetitivo 1.085 do STJ (59% dos precedentes analisados); a implementação do processo de repactuação de dívidas (20%); e a observação ao dever de informação na oferta de crédito (6%), dentre outros (15%).

Em relação ao mínimo existencial, vinha se consolidando o entendimento nos Tribunais de que nos casos de contratação de crédito, os descontos das parcelas deveriam ser limitados a 30% dos rendimentos líquidos do consumidor, a fim de preservar o mínimo existencial, aplicando-se, por analogia, a Lei nº 10.820/2003, que trata da limitação de 35% do desconto em folha de pagamento de crédito consignado.

Entretanto, em março de 2022, ao julgar o Tema Repetitivo 1085, o STJ fixou a tese de que não é aplicável a referida limitação aos contratos de empréstimos comuns em conta corrente, pois estes não representam instrumento idôneo a preservar o mínimo existencial. Segundo o STJ, a prevenção e o combate ao superendividamento "não se dão por meio de uma indevida intervenção judicial nos contratos. A partir desse precedente, houve aumento considerável de decisões judiciais que afastaram pedidos de limitações de parcelas de empréstimos comuns".

Quanto ao processo de repactuação de dívida, a jurisprudência tem entendido que, havendo requerimento do consumidor para a redução das parcelas referentes à cobrança do crédito, deve haver audiência global de conciliação para apresentação de plano de pagamento e que o pedido de repactuação de dívida não enseja a suspensão automática da exigibilidade, nem a proibição da inscrição do consumidor nos cadastros de proteção ao crédito, sendo necessário observar o rito da lei. Somente após a homologação judicial de eventual repactuação é que se pode excluir restrições decorrentes de protesto/negativação em relação às dívidas contempladas no plano de pagamento.

Quanto às informações obrigatórias para o fornecimento de crédito, os precedentes indicam que a falha na disponibilização de informações (tais como o custo efetivo total, a descrição dos elementos que o compõem e o montante das prestações), gera a obrigação de reparação, além do reconhecimento da abusividade do contrato.

Por fim, no âmbito do Poder Executivo, audiência pública promovida pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública em 21 de outubro de 2021 foi palco para o debate de proposta para regulamentação do mínimo existencial, incluindo os critérios para o cálculo desse valor, tais como as despesas relativas à saúde, alimentação e higiene, entre outros.

Já os Procons instituíram Núcleos de Apoio ao Superendividado, como no Maranhão e Minas Gerais, com a finalidade de realizar audiência global de conciliação, bem como promover a educação financeira do consumidor. O CNJ instituiu Grupo de Trabalho multidisciplinar para aperfeiçoar os procedimentos administrativos e facilitar a sua tramitação, além de realizar eventos e atividades de capacitação de magistrados.

Apesar disso, os Procons enfrentam dificuldades em relação ao procedimento para a repactuação de dívida. Algumas sugestões para melhoria dadas pela Associação Brasileira dos Procons são a criação de cartilha com passo-a-passo prático do procedimento de atendimento e o oferecimento de cursos de formação de conciliadores pelo CNJ.

Portanto, a nova lei tem fomentado a transformação de paradigmas nas atividades de concessão e repactuação de crédito ao consumidor brasileiro. Entre os desafios futuros, destacam-se: a regulamentação do mínimo existencial, a qual deve considerar as diversas realidades econômicas, regionais e sociais do consumidor brasileiro; a sistematização dos procedimentos de conciliação e repactuação de dívidas e o alcance do objetivo de prevenir e tratar o superendividado, sem limitar a oferta de crédito  que deve ser concedido de forma responsável.

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