Opinião

Julgamentos pendentes da coisa julgada em matéria tributária

Autores

  • Tércio Chiavassa

    é mestre pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e advogado.

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  • Fernanda Donnabella Camano

    é pós-doutora pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo advogada professora dos Cursos de Especialização e Extensão em "Processo Tributário Analítico" do Ibet e pesquisadora do grupo de estudos de "Processo Tributário Analítico" do Ibet.

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20 de julho de 2022, 7h06

O objetivo do presente texto é apresentar três pontos que merecem aprofundamento em tema que está sendo deliberado pelo plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF). Recentemente, os ministros relatores Barroso e Fachin iniciaram o julgamento virtual de dois Recursos Extraordinários (REs) com repercussão geral admitida (temas 881 e 885) e que tratam do impacto das decisões em controle concentrado e difuso sobre a eficácia da coisa julgada nas relações jurídicas de trato continuado.

A matéria de fundo apreciada nos referidos REs é a da Contribuição Social sobre o Lucro (CSL), em que os contribuintes obtiveram decisões judiciais definitivas declarando a inconstitucionalidade da lei que a instituiu. Alega-se que anteriormente o STF teria decidido de modo contrário às coisas julgadas que se formaram no sentido da constitucionalidade da exação e questiona-se se tal fato seria (ou não) o gatilho imediato para eventual limitação de suas eficácias.

O RE de relatoria do ministro Fachin decidirá se, e como, a decisão em controle concentrado cessa prospectivamente a eficácia da coisa julgada em sentido contrário.

Parece-nos que há uma questão preliminar e que merece exame, qual seja, a premissa que dá como certa a declaração da constitucionalidade da CSL pelo plenário do STF no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 15-2 (ADI 15-2).

Esse, pois, é o primeiro ponto a ser analisado neste breve texto e refere-se ao julgamento dos casos concretos (antes, portanto, da fixação da "tese" pelo STF). Ao decidir a ADI 15-2, a Corte declarou expressamente a inconstitucionalidade dos artigos 8º e 9º da Lei 7.689/88, julgando improcedente os demais pedidos. Apenas e tão somente isso. Em síntese, não é possível concluir que teria ocorrido a declaração de constitucionalidade dos artigos 1º a 3º da Lei 7.689/88.

Sabe-se que a declaração de constitucionalidade pode ocorrer no julgamento da ação direta de inconstitucionalidade. Tal possibilidade, decorrente de seu efeito dúplice, exige pedido e proclamação específica nesse sentido, além do quórum qualificado de votação, a teor do artigo 23 da Lei 9.868/99. Sim, é verdade, isso poderia ter ocorrido. Poderia, mas não foi.

Em artigo publicado antes do início do julgamento, abordamos [1] exaustivamente tal questão e afirmamos que "da ADI 15-2 não se pode concluir automaticamente pela declaração de constitucionalidade dos artigos 1º a 3º da Lei 7.689/88 e, muito menos, que aquela decisão  que apenas julgou improcedente o pedido  tem o condão de automaticamente fazer cessar a coisa julgada entre contribuintes e fisco, no que tange à exigência da CSL".

Em síntese, é necessário que se obedeça ao binômio: 1) proclamação expressa da constitucionalidade ou inconstitucionalidade e 2) quórum qualificado, para que a lei seja extirpada da ordem jurídica ou nela mantida, confirmando-se nesta última hipótese a sua presunção de constitucionalidade.

O objetivo do presente texto é colocar em xeque aquela premissa, já que em momento algum o plenário do STF declarou a constitucionalidade da CSL, no controle concentrado de constitucionalidade.

O segundo ponto diz respeito à violação ao princípio da livre concorrência, isto é, que haveria vedação constitucional ao tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente.

É certo que a CF impede que a lei preveja incidências tributárias diferentes entre contribuintes que se encontrem em situação similar. Não é, contudo, o que se verifica nos casos concretos (em que alguns contribuintes obtiveram decisões favoráveis sobre o tema da CSL).

Na hipótese apreciada pela Suprema Corte, há contribuintes em contextos distintos. Alguns deles valeram-se de prerrogativas constitucionais (direito de ação) para buscar no Judiciário proteção ao seu direito. O outro grupo não o exerceu ("dormientibus non succurrit jus") ou o fez, mas, obteve decisão em sentido diverso.

A prevalecer o entendimento de que havia situações equivalentes e, portanto, estaria configurada uma violação ao direito de concorrência no caso examinado, a mensagem seria a de que nenhum contribuinte poderia pleitear liminar ou mesmo obter decisão de cognição exauriente para deixar de pagar algum tributo em vista de vícios na lei, em "vantagem" a outro, e que isso representaria ofensa ao comando da CF que veda o tratamento desigual por estarem em situação equivalente.

O exercício de um direito constitucional legítimo (direito de ação) não pode ser afastado a pretexto de prejuízo de um outro jurisdicionado que está no mesmo ramo de atividade e optou pelo seu não exercício, por um simples motivo: essas situações são claramente distintas (e não equivalentes).

Em parecer juntado aos autos (portanto, de acesso público) o professor Tercio Sampaio Ferraz Jr. afirma que "É um equívoco contrapor a coisa julgada à isonomia. Levada a contraposição ao extremo, teríamos de desfazer toda a estrutura em que se baseia o poder judiciário como instituição. (…) Particularmente a exigência de respeito à singularidade não contradiz a igualdade, mas a realiza".

Portanto, quando o contribuinte busca o Poder Judiciário para não recolher tributo que entende ser inconstitucional, insere-se no campo de proteção outorgado pelo sistema difuso de constitucionalidade, em que todos os juízes e tribunais detêm competência para decidir a seu respeito. Negar-lhe o direito concedido nesse sistema é recusar a realização dos direitos fundamentais.

O terceiro ponto merecedor de atenção é a "modulação" de efeitos dos julgados, caso o rumo que se dê aos casos seja o indicado nos votos dos ministros relatores, no sentido de que as decisões tomadas em controles concentrado e difuso (com repercussão geral) interrompem a eficácia da coisa julgada (prospectivamente).

Como a situação concreta vivenciada entre os contribuintes e a União ocorreu há longa data (1992), inclusive muito antes de existir um sistema de precedentes, cuja aquisição definitiva se deu com o CPC/2015, a proteção do passado resguarda a confiança no Poder Judiciário, pois esta será a primeira vez que o STF decidirá sobre a cessação dos efeitos da coisa julgada nas relações jurídico-tributárias de trato continuado em face de ulterior precedente em sentido contrário.

As decisões judiciais exaradas anteriormente e que, de certo modo, tocam no ponto (REs 596.663/RJ e 730.462/SP) não se referem ao ramo do direito tributário, cujas relações jurídico-materiais são constituídas a partir de um Sistema Tributário constitucional e regradas pelo Código Tributário Nacional.

Não se pode invocar decisões de outras searas do direito para, com isso, afirmar que não haveria confiança a ser protegida, aliás, são tão particulares as relações jurídicas entre Estado-Fisco e contribuintes que o CTN, em seu artigo 156, X, estabelece que a coisa julgada extingue o crédito tributário. Ora, tal dispositivo não se compatibiliza com a ideia de que a solução desses leading cases possa "revigorar" créditos tributários eventualmente extintos.

Em suma, apenas na hipótese de a declaração de constitucionalidade ter sido proclamada pelo plenário (o que não ocorreu) seria possível pensar na viabilidade da ação revisional para que houvesse a cessação da eficácia da coisa julgada obtida pelos contribuintes no tema da CSL, mas não em razão da violação ao princípio da igualdade/livre concorrência. Afinal, o exercício de um direito constitucional legítimo não pode levar à ofensa constitucional da isonomia na presença de situação que, na verdade, é distinta (e não equivalente).

Os aspectos delineados são contribuições para a reflexão daqueles três tópicos, sugerindo maior aprofundamento e amadurecimento para que se prossiga o julgamento virtual pelo plenário do STF.

 


[1] CHIAVASSA, Tércio; SOUZA, Fernanda Donnabella Camano de. A improcedência da ADIN declara a lei constitucional? Revista Fórum de Direito Tributário  RFDT, Belo Horizonte, ano 16, n. 95, p. 243-252, set./out. 2018.

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