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Marcos Nakamura: Idoneidade do seguro garantia

15 de julho de 2022, 6h33

Por Marcos Nakamura

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Não foi por acaso que o legislador equiparou seguro garantia a dinheiro. Há toda uma complexidade e burocrática regulação e fiscalização que garante a liquidez do sistema de seguros até chegar à simplicidade do texto legal que equipara o seguro garantia a dinheiro e possa garantir o juízo em cada processo (execução fiscal) que tramita nos tribunais do país.

É uma tarefa hercúlea estimar a duração de um processo judicial, mas a experiência nos mostra, no entanto, que na média geral o processo tramita de forma lenta e, em se tratando de vara de fazenda pública e execução fiscal, a morosidade é ainda mais acentuada.

E essa morosidade representa um enorme custo para as empresas de maneira geral, que precisam garantir os juízos das execuções fiscais, por todo o trâmite das ações, para, assim, discutirem o mérito da obrigação tributária.

As garantias "tradicionais" dos juízos das execuções fiscais (penhora de bens/depósito judicial), na maioria das vezes, comprometem o ativo das empresas, o capital de giro, a tomada de créditos e o alavancamento de novos negócios. E é por isso que o seguro garantia se mostra uma boa alternativa, a um custo razoável, pois em regra não compromete os ativos e as linhas financeiras das empresas.

A revogada Circular Susep 477/2013, no item 1.1 da Modalidade VII —Seguro Garantia Judicial para Execução Fiscal, Anexo I, delineava que o seguro garantia judicial para execução fiscal, garante "o pagamento de valores que o tomador necessite realizar no trâmite de processos de execução fiscal" e a vigente Circular Susep 662/2022, destaca, em linhas gerais, que "o seguro garantia destina-se a garantir o objeto principal contra o risco de inadimplemento, pelo tomador, das obrigações garantidas" e através dele, a seguradora obriga-se ao pagamento da indenização, caso o tomador não cumpra a obrigação garantida, nos termos do objeto principal ou em sua legislação específica.

Em regra, as apólices têm prazo de vigência determinado, pois a indeterminação do prazo de vigência ou por um período muito longo impactaria sobremaneira custos e despesas do seguro das seguradoras e respectivos resseguradores e poderia levar a taxação de prêmios a patamares inaceitáveis, colocando em xeque a própria existência do instituto do seguro.

E os prazos mínimos de vigência desses seguros, por vezes, são estabelecidos pelo próprio Segurado. Apenas para ilustração, a Portaria 164, de 27/02/2014 (artigo 3º, VI, alínea "a"), editada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, a Portaria 440, de 21/06/2016 (artigo 6º, V), editada pela Procuradoria-Geral Federal, assim como o Comunicado Subg-CTF nº 3, de 22/01/2015 — Procedimentos para Aceitação do Seguro Garantia nas Execuções Fiscais (item "3", §3º) e a Resolução PGE 44, de 29/11/2019, (artigo 73, § 5º) ambos editados pela Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, preveem, respectivamente, o prazo mínimo de dois e três anos.

Ocorre que a determinação do prazo de vigência acabou indiscriminadamente dando ensejo ao entendimento de que a apólice de seguro garantia seria considerada inidônea "pelo claro risco de inexistirem efeitos práticos à garantia oferecida".

Nesse diapasão, o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo pela inidoneidade da apólice de seguro garantia emitida com prazo determinado de vigência, sobretudo aquelas com prazo curto, inferior ao trâmite de uma ação judicial (AgInt no Agravo em Recurso Especial Nº 1832692-SP, AgInt no Recurso Especial Nº 1874712-MG, AgInt no Recurso Especial Nº 1684437-SP, AgInt no AREsp 1784793-ES, AgInt no REsp 1920707-PR, AgInt no AREsp 1432613-RJ e ainda, no informativo 738/STJ, publicado em 25/05/2022).

Contudo, as apólices emitidas com base nas diretrizes retromencionadas estão longe de serem consideradas inidôneas em razão do prazo "curto" de vigência.

Muito pelo contrário. As aludidas disposições, como um todo, reforçam a liquidez da apólice de seguro garantia, o acerto do legislador ao equipará-lo a dinheiro, a sua idoneidade e o que é fundamental para manter a higidez desse tipo de seguro: obrigam a seguradora a avaliar com mais atenção o risco que lhe é proposto e a monitorar com proximidade o desenvolvimento do risco a fim de se resguardar para um eventual e potencial sinistro.

A PGF, a PFN e a PGE/SP PGE/SP definiram que nada impede que a apólice tenha prazo de vigência determinado (mínimo de dois e três anos, respectivamente), mas de forma muito perspicaz, estabeleceram, em contrapartida, que a seguradora se obriga a depositar em juízo o valor segurado SE o tomador (devedor da obrigação tributária), no prazo de até 60 dias antes do término da vigência do seguro garantia: a) não depositar em juízo o valor segurado, b) não apresentar carta de fiança bancária ou c) não apresentar nova apólice de seguro garantia de acordo com os requisitos exigidos pelo respectivo normativo.

Ora, com a aproximação do vencimento da vigência do seguro, 60 dias antes, para ser mais exato, se o tomador (devedor da obrigação tributária) não cumprir a obrigação de apresentar uma garantia que se equipare a dinheiro, ou seja, depósito judicial em dinheiro, fiança bancária ou outro seguro garantia, restará caracterizado o sinistro (que estará a 60 dias do término da vigência do seguro, frise-se), a ensejar, pela seguradora, o dever de efetuar o depósito judicial do valor segurado no prazo de 15 dias contado de sua intimação pelo juiz.

O entendimento acerca da inidoneidade do seguro garantia, elencado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que vem inspirando julgados, principalmente no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, faz sentido se, uma vez encerrada a vigência do seguro garantia, o credor tiver a incumbência de localizar bens à penhora para satisfação da execução, voltando ao ponto inicial da execução, o que, de fato, nessas circunstâncias, tornaria inócuo o seguro garantia e, por assim dizer, inidôneo.

Todavia, ao menos no âmbito das apólices emitidas com a observância dos requisitos previstos na Resolução PGE 44, de 29/11/2019 (Estado de São Paulo), Portaria 164, de 27/02/2014 (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) e Portaria 440, de 21/06/2016 (Procuradoria-Geral Federal), não será esse o caminho a ser trilhado pelo credor.

Se o tomador inadimplir a obrigação de substituir a garantia, deverá a seguradora emissora do seguro garantia depositar o valor do seguro em juízo.

Observe-se que esta hipótese específica de sinistro, ou seja, obrigação do tomador de apresentar outra garantia no prazo de 60 dias antes do vencimento da vigência do seguro garantia, teve a felicidade de conciliar o interesse de todos os envolvidos: a) das empresas (tomadores do seguro garantia), que conseguem utilizar ferramenta acessível de garantia, liberando seus ativos e linhas de crédito bancário e b) do credor (segurado do seguro garantia), que conta com garantia de enorme liquidez (observados os requisitos formais para análise da idoneidade da garantia, como registro da apólice junto à Susep, etc.), certo de que até o final da execução fiscal contará com garantias equivalentes a dinheiro ou, na "pior das hipóteses", com o valor do seguro garantia depositado em juízo, podendo prosseguir normalmente com o debate da matéria de mérito da ação, com a certeza de que, saindo-se vencedor, bastará levantar a quantia depositada em juízo.

Portanto, a garantia ao inadimplemento da segunda obrigação do Tomador (renovar a garantia no curso da ação) afasta a atribuição de inidoneidade do seguro garantia com prazo de vigência determinado, seja de curto ou de longo prazo, razão pela qual a jurisprudência que vem se formando no Superior Tribunal de Justiça merece ser revista, até porque as decisões mencionadas não decidiram a questão da idoneidade do seguro garantia sob o enfoque desta hipótese específica de sinistro, ou, em última análise, tal entendimento deve ser referendado pelos tribunais com cautela.

No atual cenário, perdem os tomadores, perdem os credores tributários e perdem as seguradoras, pelo risco de cair em desuso uma ferramenta idônea, acessível e importante para desonerar linhas de crédito bancário e ativos de empresas e otimizar seus projetos de investimento.