Opinião

O fantasma do controle de preços dos combustíveis

Autor

  • Gabriela Alessio

    é advogada atuante há mais de dez anos na área corporativa nas áreas jurídica relações institucionais e compliance e especialista em Direito Econômico pela Universidade de São Paulo (USP-Ribeirão Preto) e em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).

15 de julho de 2022, 15h01

Em 2018, estudei e escrevi sobre "o controle dos preços dos combustíveis pelo governo brasileiro" para obtenção do título de especialista em Direito Econômico e Desenvolvimento.

Delimitei o meu estudo aos anos de 2011 a 2015, período em que se experimentou forte atuação do governo brasileiro no controle dos preços praticados, pois, valendo-se da posição de acionista majoritário da Petrobras, o governo restringiu os preços da gasolina  comercializando-a em valor abaixo do justo valor de mercado  para controlar a inflação, caracterizando uma intervenção disfarçada ou dissimulada na economia.

Disfarçada porque, levando-se em conta as disposições da Constituição Federal de 1988, no título que trata "Da Ordem Econômica Financeira", especialmente os artigos 173 e 174, eventual controle de preços de combustíveis pela União só pode ser praticado mediante autorização em lei em sentido estrito, não existindo a hipótese de fazê-lo por intermédio de empresa estatal.

De forma alguma pode-se admitir que a União, na posição  tão somente — de acionista da Petrobras, tome a frente da estatal para dirigi-la a seu bel prazer, fazendo uso da empresa como instrumento de política monetária nacional, ou seja, visando aos seus interesses de Governo, contrariando, inclusive, disposições inseridas na lei de regência nº 9.478/1997.

Esta lei estabelece, dentre outros, que a Petrobras é uma sociedade de economia mista que deve desenvolver as suas atividades econômicas em caráter de livre competição com outras empresas, em função das condições de mercado. Tal disposição, inclusive, foi incorporada ao Estatuto Social da Petrobras (artigo 3º, §1º).

Muito embora, a partir de outubro de 2016, a Petrobras tenha aplicado a política de Preços de Paridade de Importação (PPI), que vincula o preço dos derivados de petróleo nas refinarias ao comportamento do preço do produto em dólares no mercado internacional, isso gera maior volatilidade e reajustes constantes nos preços e, em consequência, instabilidade aos consumidores que pressionam o governo nos momentos de crise e de alta dos preços.

E aí, como muito bem colocado pelo expert Adriano Pires, sócio-diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, em uma live [1] transmitida em 30 de junho de 2022, "(…) o problema todo de Petrobrás, e aí todo mundo que está na cadeia acaba sofrendo, é o que eu brinco que a Petrobras a cada quatro anos, ou no máximo a cada oito anos, muda de dono, e cada dono que entra acha que tem uma política para fazer e todo mundo que está dependendo da Petrobras na cadeia acaba pagando uma conta".  

Por isso, entra ano e saí ano, o tema do meu trabalho de conclusão de curso continua atual, salvo pequenas novidades no percurso, um Projeto de Lei aqui, uma proposta de Emenda Constitucional acolá, mas o certo é que estamos corriqueiramente assistindo, lendo ou ouvindo discussões e discursos sobre os preços dos combustíveis, se o governo pode, deve ou se está interferindo nos preços.

Será que para estabilizar esse mercado, para evitar interferências indevidas ou disfarçadas, a privatização é a melhor opção? Na live que mencionei acima, Pires deu a sua opinião a respeito das privatizações neste setor, que esbarram na questão do controle de preços  e que me atrevo a dizer que também esbarram na insegurança jurídica que paira em nosso país , e transcrevo aqui algumas de suas relevantes colocações:

"(…) refinaria no Brasil poderia ser privatizada e constituídas refinarias novas desde 1988, a lei que abriu o mercado no Brasil é de 1997, lei nº 9.478, mas você sempre teve o fantasma do controle de preços, então todo mundo que quis comprar refinaria no Brasil não comprava por causa disso, isso continua existindo, esse fantasma";
"(…) para o mercado brasileiro isso (privatização das refinarias) seria muito saudável, pois instituiria uma concorrência entre refinarias e entre refinarias e importadores, porque aí você passaria a ter modelos de negócio e modelos de comercialização de produtos diferenciados, como você tem em qualquer setor que tem concorrência";

Por fim, voltando ao trabalho de conclusão de curso, em que analisei o período de 2011 a 2015, abordei também o impacto do congelamento de preços da gasolina aos produtores de etanol, pois, ao se analisar o mercado de combustíveis no país, deve-se ter em mente que a política econômica adotada para determinado combustível fatalmente atingirá a política a viger em relação a outro, num efeito cascata.

Sobre este aspecto, no período objeto do meu estudo, os produtores de etanol se viram impedidos de recuperar os custos e auferir justo lucro, resultando em uma crise do setor, já que usinas começaram a encerrar as suas atividades, enquanto outras entraram em recuperação judicial ou, ainda, optaram estrategicamente por não moer cana naquele momento bastante desfavorável.

No momento atual, mais uma vez, a cena se repetiu, os biocombustíveis foram impactados negativamente, haja vista que, para amenizar os impactos da alta do barril do petróleo por questões geopolíticas causadas pela guerra da Rússia e da Ucrânia, o governo fez ajustes no ICMS e no PIS/Cofins com a finalidade de reduzir o preço da gasolina e do diesel para o consumidor final, o que afetou diretamente a competitividade dos biocombustíveis.

Isso gerou a necessidade iminente de articulação do setor e ensejou a promulgação de uma Emenda Constitucional que prevê um regime fiscal diferenciado aos biocombustíveis — combustíveis verdes — em relação aos combustíveis fósseis, tendo em vista a relevância daqueles para a transição energética e para o avanço das pautas ASG (ambiental, social e governança) no Brasil e no mundo.

Aceitar que, em vários estados brasileiros, a tributação dos combustíveis fósseis esteja aquém da tributação dos biocombustíveis é um retrocesso, como bem ressaltado por Evandro Gussi, presidente da Unica (União das Indústrias de Cana de Açúcar), em audiência pública [2] realizada em 5/7/22, "nós temos do outro lado a transição energética, a ciência hoje diz que, se não houver um controle do aumento da temperatura global com a diminuição dos gases causadores de efeito estufa, nós estaremos inviabilizando a vida sobre a terra nas próximas décadas"

Esse fantasma precisa finar-se, senão, quem vai pagar essa conta?

[1] "Live Minaspetro #30 – Mudança na tributação dos combustíveis", disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JQKtqQkNT5s

[2] "PEC 015/22 — Competitividade para Biocombustíveis — Audiência Pública", disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=cgZkteY7QPQ

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    é advogada, atuante há mais de dez anos na área corporativa, nas áreas jurídica, relações institucionais e compliance e especialista em Direito Econômico pela Universidade de São Paulo (USP-Ribeirão Preto) e em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).

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