Opinião

Princípio nemo tenetur se detegere e o direito a não produzir prova contra si

Autores

  • Diego da Mota Borges

    é professor universitário mestrando em Desenvolvimento Regional especialista em Direito Processual Civil e Direito Penal Econômico — Teoria e Prática e advogado sócio do escritório Moisés Volpe e Del Bianco Sociedade de Advogados.

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  • Júlia Garcia da Silva Duarte

    é advogada mestranda em Análise e Planejamento de Políticas Públicas e especialista em Direito Empresarial.

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15 de julho de 2022, 17h10

O Miranda Rights, também conhecido por "aviso de Miranda", teve origem nos Estados Unidos, em 1966, no qual a Suprema Corte, ao julgar o caso Miranda versus Arizona, consolidou o entendimento de que o acusado tem direito, sob pena de não poder ser utilizado contra ele o que disser (nulidade da declaração), de ser informado pela polícia, no momento da prisão, sobre: a) direito de não responder a perguntas; b) que tudo que disser pode ser usado contra ele, e; c) que tem direito a um advogado.

Através dessa decisão considerada histórica, ficou declarado que qualquer pessoa, ao estar sob a custódia de autoridade policial, tem o dever de ser informada sobre o seu direito de se manter em silêncio, bem como do direito a não autoincriminação e direito a um advogado, os quais estão previstos na 5ª e 6ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos.

Também constante da Convenção Americana de Direitos Humanos  Pacto de San José da Costa Rica, de 1969 (artigo 8, 2, "g"), e acolhida no Brasil em 1992, esse direito significa, em suma, o direito de não participar, de qualquer modo, na acusação estatal contra si mesmo.

No Brasil, a Constituição de 1988 prevê garantia semelhante, como é possível verificar de seu artigo 5º, inciso LXIII, o qual dispõe que: "o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado".

Conforme lição de Renato Brasileiro (2017, p. 73) "o que o constituinte diz, quando assegura o direito de permanecer calado, é que a pessoa não pode ser obrigada a se incriminar ou, em outras palavras, que ela não pode ser obrigada a produzir prova contra si", ou seja, o direito ao silêncio não significa simplesmente a prerrogativa de não falar, mas sim o direito de não autoincriminação.

Na verdade, o mandamento constitucional para além do mero direito ao silêncio diz que a toda pessoa se garante o direito de não atuar ativamente na produção de prova contra si.

Veja-se que o princípio nemo tenetur se detegere não é sinônimo do direito ao silêncio, mas sim sua decorrência, podendo ser dividido em quatro etapas: direito silêncio ou a ficar calado; direito a não ser constrangido a confessar o ilícito penal praticado; inexigibilidade de dizer a verdade; direito de não praticar comportamento que possa incriminá-lo (Brasileiro, 2017).

Em termos de Lei Infraconstitucional, no Brasil o Código de Processo Penal assegura ao acusado o direito ao silêncio, tanto que o juiz deve, antes do início do interrogatório, lhe informar sobre o direito de permanecer calado e não responder às perguntas que lhe forem formulados (artigo 186, caput).

Referido silêncio, por expressa disposição legal, não importa em confissão, e não pode ser interpretado em prejuízo da defesa (parágrafo único do artigo 186), podendo, entretanto, constituir elemento para a formação do convencimento do juiz (artigo 198).

Ademais, o direito ao silêncio não importa em responder tudo ou silenciar por inteiro, pois já se decidiu no âmbito do Superior Tribunal de Justiça que "é ilegal o encerramento do interrogatório do paciente que se nega a responder aos questionamentos do juiz instrutor antes de oportunizar as indagações pela defesa" STJ  6ª Turma, HC nº 703.978/SC, relator ministro Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF1), julgado em 05/04/2022.

O Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário nº 1177984/SP, de relatoria do ministro Edson Fachin, em decisão de 12/11/2021 reconheceu a repercussão geral sobre a matéria, com a seguinte ementa:

"CONSTITUCIONAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 5º, INCISOS LXIII E LIV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRESO. DIREITO AO SILÊNCIO. INTERROGATÓRIO INFORMAL. QUESTÃO RELEVANTE DO PONTO DE VISTA SOCIAL E JURÍDICO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. A controvérsia acerca da obrigatoriedade de o Estado informar ao preso do direito ao silêncio no momento da abordagem policial, e não somente no interrogatório formal, é tema constitucional digno de submissão à sistemática da repercussão geral".

Tal como se dá no direito americano, o que o Supremo Tribunal Federal vai decidir é se em razão do direito ao silêncio o Estado deve informar, no momento da abordagem policial, o direito ao silêncio.

Referência
LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. 5 ed. revista, atualizada e ampliada. Salvador: JusPodvm, 2017.

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