Guaranis e Kaiowás

Justiça nega retirada de indígenas após ocupação de território em MS

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5 de julho de 2022, 21h42

Devido à existência de elementos convincentes a respeito da relevância da discussão promovida pela comunidade indígena e suficientes para garantir a proteção integral e a atenção às suas reivindicações, a 2ª Vara Federal de Ponta Porã (MS) negou na segunda-feira (4/7) um pedido liminar de desocupação de um território em Amambai (MS) pelos povos indígenas guarani e kaiowá.

Cimi/povos Guarani e Kaiowá
Indígenas guaranis e kaiowás em enterro
de homem morto em conflito na regiãoCimi/povos Guarani e Kaiowá

A reserva de Amambai tem a segunda maior população indígena de Mato Grosso do Sul, com quase dez mil pessoas. Atualmente, uma fazenda ocupa parte do território Guapo'y, considerado sagrado pelos guaranis e pelos kaiowás.

O dono da fazenda pediu a desocupação imediata do imóvel. Segundo ele, a propriedade foi adquirida regularmente e nunca houve qualquer manifestação relativa a disputa por direitos indígenas ou demarcação no território. Mesmo assim, os guaranis e os kaiowás o teriam invadido.

O autor apontou urgência no caso, devido à iminente colheita da produção de milho no local e à possibilidade de prejuízo imenso caso ela não aconteça.

Conflito
No último dia 24, os indígenas chegaram à sede da fazenda. Logo em seguida, policiais militares entraram na área para expulsá-los, mesmo sem ordem judicial. Na ocasião, um homem foi morto e dezenas de pessoas ficaram feridas devido aos disparos de arma de fogo e balas de borracha.

O proprietário da fazenda alegou que o episódio não tinha relação com a questão judicial sobre a posse das terras. Os conflitos, segundo ele, teriam ocorrido por discussões políticas no interior da aldeia, protestos contra a morte de um indígena na cidade vizinha de Coronel Sapucaia (MS) e a iminente decisão do Supremo Tribunal Federal quanto à tese do "marco temporal".

Houve uma audiência telepresencial da qual participaram os advogados das partes, um antropólogo e representantes da União, da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública da União.

Fundamentação
Apesar de o autor reforçar que a discussão seria apenas sobre posse e propriedade, o juiz Thales Braghini Leão considerou que tal versão "não se sustentou". Ele indicou que o próprio dono da fazenda admitiu, nas considerações finais da audiência, que o caso envolve questões indígenas complexas e antigas.

O magistrado também apontou que, se a discussão se referisse meramente ao imóvel, não haveria competência da Justiça Federal no caso.

Segundo ele, como o conflito envolve uma disputa indígena por terras, a competência de fato é federal, e "afasta qualquer margem de atuação de órgãos de segurança pública local por conta própria". Ou seja, as forças locais não poderiam atuar nessa situação, pois a autoridade responsável é a Polícia Federal.

Para Leão, o fato de não existir demarcação sobre a área ou qualquer processo administrativo para promovê-la não seria suficiente para "descaracterizar a luta pela posse das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios".

"O papel que a parte autora tanto exibe para cumprimento pelas leis do direito é produção humana, e de homens brancos. Naturalmente, a legitimidade dessa busca indigenista é algo a ser averiguado pelos órgãos e meios próprios. Mas não se pode, aqui, ignorar a existência de elementos que indicam a possibilidade de estarem eles litigando com seus próprios meios por aquilo que nosso sistema constitucional prometeu a eles", assinalou o juiz.

A determinação de retirada dos indígenas à força exigiria "prova convincente de que estão ali apenas para promover desordem, ou de que há contra eles legítima decisão administrativa cabalmente demonstrando que não possuem direito inerente ao local".

Porém, o antropólogo que esteve no local relatou que os indígenas promoveram a ocupação "de modo ordeiro e respeitando a propriedade ainda garantida à parte autora", sem danificar bens no interior da sede da fazenda.

O magistrado também observou que há inexatidão na área demarcada, com uma diferença de mais de mil hectares em desfavor da comunidade
indígena.

"O cumprimento da função social não garante que a terra ficará imune à contestação daqueles que se veem como legitimados à posse dela, porque, se tiverem razão os indígenas, essa terra na realidade pertence à União, o que poderá ser futuramente reconhecido", destacou Leão.

O juiz ressaltou que o direito à posse do local deverá ser apurado pelos órgãos próprios, acompanhando o que for decidido no STF quanto ao "marco temporal".

Embora tenha reconhecido que o autor "conseguiu comprovar os elementos que a legislação de regência impõe para o fim de concessão de medida de reintegração de posse", Leão negou o pedido porque "há também elementos que indicam ao juízo que a parte requerida possui legítimo interesse em promover a manifestação de forma pacífica no local, o que é assegurado pela Constituição Federal e caracteriza a relativização do direito de propriedade da parte autora".

"Tivemos uma decisão rara no estado de Mato Grosso do Sul. Agora, o juiz irá aguardar o andamento do processo para ter melhor fundamentação quanto à reivindicação feita pela comunidade", explicou o advogado dos guaranis e dos kaiowás e assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) em Mato Grosso do Sul, Anderson SantosCom informações da assessoria de imprensa do Cimi.

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5001262-33.2022.4.03.6005

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