Vendas à Zona Franca de Manaus: internamento na Suframa
2 de julho de 2022, 9h12
Em recentíssimo acórdão proferido pela 12ª Câmara do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, um contribuinte logrou êxito na comprovação do seu direito à isenção tributária de ICMS, em relação às operações de vendas de mercadorias aos clientes localizados na Zona Franca de Manaus, por meio de apresentação de outros documentos que não o certificado de internamento emitido pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa).
E essa decisão se mostra extremamente relevante, considerando que, ao longo dos anos, o Fisco paulista apenas admitiu como meio de prova da internação de mercadorias na ZFM a referida declaração.
No caso em questão, uma indústria mecânica foi executada pela Fazenda Pública do Estado de São Paulo, para pagamento de supostos débitos de ICMS cobrados em auto de infração lavrado em decorrência de suposta ausência de comprovação do internamento de mercadorias por ela produzidas na Zona Franca de Manaus, de modo que não teria sido demonstrado o seu direito à isenção prevista no Artigo 84 do Anexo I do Decreto 45.490/00 (RICMS/SP).
Para a Fazenda do estado, a demonstração do internamento da mercadoria deveria ser feita apenas pelas chamadas "provas legais", consubstanciadas nas declarações da Suframa.
E mais, o Fisco paulista, mediante interpretação equivocada do artigo 5º do RICMS/SP [1], aprovado pelo Decreto n° 45.490/00, exige o ICMS como se a operação fosse interna, ignorando totalmente os demais aspectos da operação, ainda que não fosse cabível a isenção em comento.
Apenas rememorando o histórico do incentivo, o estado de São Paulo dispôs no RICMS/SP, em seu artigo 7º, inciso V, que o ICMS não incide sobre operações destinadas ao exterior.
Desta feita, entende-se que as operações destinadas à exportação não sofrem a incidência do ICMS e exatamente por esta razão não poderia haver a exigência do Imposto no caso em debate, já que a legislação atinente à ZFM disciplina que as operações de remessa de mercadoria para esta área incentivada são equiparadas à exportação, indicação esta, prevista no Artigo 4º, do Decreto-Lei nº 288/67.
Referido dispositivo legal foi recepcionado pela Constituição, por meio do artigo 40 dos atos das disposições transitórias constitucionais, o qual dispõe que é mantida a Zona Franca de Manaus, com suas características de área de livre comércio, de exportação e importação, e de incentivos fiscais, pelo prazo de vinte e cinco anos, a partir da promulgação da Constituição.
No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal proferiu a seguinte decisão:
"ADICIONAL AO FRETE PARA RENOVAÇÃO DA MARINHA MERCANTE. NÃO INCIDÊNCIA SOBRE MERCADORIAS REMETIDAS PARA CONSUMO OU INDUSTRIALIZAÇÃO NA ZONA FRANCA DE MANAUS, PORQUE EQUIPARADA ESTA REMESSA A EXPORTAÇÃO BRASILEIRA PARA O EXTERIOR. ART. 3. DO DECRETO LEI N. 1.142/70, C.C. O ART. 4. DO DECRETO-LEI N. 288/67. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO." (Supremo Tribunal Federal; RE 87193/ SP; ministro Soares Munoz, Sessão de Julgamento de 26/6/1978; 1ª Turma; publicado no Diário de Justiça de 16/10/1978).
E o Pleno do STF, consolidou o entendimento da equiparação da Zona Franca de Manaus à exportação, isentando-a de qualquer tributo:
"Ementa: ZONA FRANCA DE MANAUS — PRESERVAÇÃO CONSTITUCIONAL. Configuram-se a relevância e o risco de manter-se com plena eficácia o diploma atacado se este, por via direta ou indireta, implica a mitigação da norma inserta no artigo 40 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Carta de 1988: Art. 40. É mantida a Zona Franca de Manaus, com suas características de área livre de comércio, de exportação e importação, e de incentivos fiscais, pelo prazo de vinte e cinco anos, a partir da promulgação da Constituição. Parágrafo único. Somente por lei federal podem ser modificados os critérios que disciplinaram ou venham a disciplinar a aprovação dos projetos na Zona Franca de Manaus. Suspensão de dispositivos da Medida Provisória nº 2.037-24, de novembro de 2000." (Supremo Tribunal Federal; ADI-MC 2.348/ DF; ministro Marco Aurélio, sessão de julgamento de 7/12/2000; Tribunal Pleno; Publicado no Diário de Justiça de 7/11/2003).
E do referido julgamento, destaca-se o voto do ministro Nelson Jobim:
"(…)
Ora, todas as vendas feitas às empresas situadas na Zona Franca de Manaus e que se destinem à exportação, ou não, deverão gozar, nos termos do Decreto-Lei nº 288, da isenção mencionada.
Portanto, sr. presidente, não há dúvida nenhuma (não estou fazendo um confronto entre a Medida Provisória nº 2.037-24 e o Decreto-Lei nº 288/67) de que o Decreto-Lei nº 288/67 é o parâmetro para o exame da constitucionalidade da Medida Provisória nº 2.037, porque está estabelecido na própria Constituição, na medida em que ela diz no artigo 40 do ADCT:
'Art. 40. É mantida a Zona Franca de Manaus, com suas características de área de livre comércio, de exportação e importação, e de incentivos fiscais, pelo prazo de vinte e cinco anos, a partir da promulgação da Constituição'.
Penso que isso está definido no Decreto-Lei nº 288. Quero explicitar que não há confronto. Não estamos rompendo com o modelo da Constituição. Estamos dizendo que este Decreto-Lei é o parâmetro para a inteligibilidade e quem escolheu este parâmetro foi a própria Constituição no art. 40 do ADCT.
Não posso me furtar a verificar que o modelo de incentivos fiscais mantido pela Constituição é o estabelecido no Decreto-Lei nº 288/67.
(…)"
Como bem esposado pelo respeitável ministro Nelson Jobim, no brilhante voto acima transcrito, o legislador constitucional verificou a inteligência do legislador estadual de Amazonas em equiparar a Zona Franca de Manaus como operação de exportação, dando a este dispositivo alicerce constitucional.
Partindo de tais dispositivos legais, é possível concluir que para o estado de São Paulo, as operações destinadas à exportação não sofrem a incidência do ICMS, que a ZFM foi mantida pelo DL 288/67 e pelo ADCT como área incentivada, sendo as remessas para esta área equiparadas à exportação e que, portanto, as remessas de mercadorias para a ZFM não sofrem a incidência do ICMS.
Ora, se o RICMS/SP dispõe que as operações de exportação não sofrem a incidência do imposto e ainda, o DL e a própria Constituição, equiparam as operações realizadas para a Zona Franca de Manaus à exportação, o contribuinte autuado então possuía o total interesse na comprovação de que suas operações não poderiam ser tributadas pelo ICMS.
Importa destacar que a legislação nacional do ICMS considera as remessas para a Zona Franca como sujeita à isenção, ignorando a situação especial daquela localidade e a jurisprudência dominante da Suprema Corte acerca da sua equiparação a território estrangeiro.
Com efeito, o Convênio ICM n° 65/88 estabelece a isenção, suas exceções, bem como as condições para gozo do incentivo, tal como disposto no artigo 84, do anexo I do RICMS/SP.
Verifica-se, segundo a legislação paulista, que para aplicação da isenção, devem ser comprovados: (1) o domicílio do destinatário em Manaus [2]; (2) o abatimento do Imposto incentivado do preço da mercadoria; e (2) prova da efetiva entrada das mercadorias no estabelecimento de destino.
Ocorre que a comprovação de tais aspectos, segundo o Convênio ICMS n° 36/97, vigente à época da autuação, passaria pela emissão do certificado de internamento pela Suframa.
Tal certificação reveste-se da necessidade de constatação do ingresso da mercadoria e a formalização do seu internamento.
Pois bem, em vistoria física, a ser realizada na entrada da mercadoria no território sob administração da Suframa, os aspectos relativos ao tipo de mercadoria transportada, origem e destino, indícios de fraude quanto ao destino etc., em confronto com a declaração prévia realizada pelo transportador, asseguram o ingresso da mercadoria na área incentivada.
Posteriormente, no prazo de 180 dias (hoje reduzido a 120 dias) do ingresso, a formalização do internamento deve ser realizada, como resultado da análise dos aspectos formais dos documentos e requisitos legais da operação e contribuintes envolvidos, além de outras informações ou pendências específicas identificadas pelos órgãos de controle.
Interessante notar que independentemente da vistoria física realizada por ocasião do ingresso, poderá ser realizada, a qualquer tempo, a pedido do remetente ou destinatário, vistoria técnica para formalização do internamento, hipótese em que será emitido um parecer técnico acerca do tema.
Tal vistoria técnica, esclarece o parágrafo 1° da cláusula décima do convenio mencionado, "(…) consistirá na constatação física da mercadoria e/ou no exame de assentamentos contábeis, fiscais e bancários, do Conhecimento de Transporte e de quaisquer outros documentos que permitam comprovar o ingresso da mercadoria nas referidas áreas".
Interessante apontar para o fato de que a comprovação da operação como incentivada perante o órgão responsável pela vistoria técnica pode ser realizada por todos e quaisquer documentos que se prestem à comprovação da operação e suas características, fato que não se verifica, por exemplo, no Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo.
Voltando ao caso concreto, o empenho do contribuinte neste processo então foi justamente no sentido de demonstrar que a declaração expedida pela Suframa não poderia ser considerada como o único meio de prova da internação das mercadorias.
Até porque, assim como tem caminhado o entendimento jurisprudencial em outras situações, por exemplo, na discussão sobre as autuações decorrentes de negociações realizadas com fornecedores declarados inidôneos, deve prevalecer o princípio da verdade material, de modo que compete ao Poder Judiciário identificar a procedência das autuações por todos os meios de prova possíveis.
E neste caso não foi diferente — o contribuinte juntou aos autos outros documentos capazes de comprovar tal internação, tais como, notas fiscais de saída; cópias dos livros registro de entradas dos estabelecimentos destinatários das mercadorias; conhecimentos de transporte; Comprovantes de pagamentos das mercadorias e os termos de vistoria técnica expedidos pela Suframa, inclusive, requereu a produção de prova pericial para comprovar a ocorrência e regularidade das operações.
A sentença foi de parcial procedência, pois o magistrado apenas entendeu como possível a comprovação da internação apenas mediante apresentação das declarações Suframa ou termos de vistoria técnica expedidos pelo mesmo órgão, seguindo as disposições do Regulamento do ICMS de São Paulo, que admite como meio alternativo de prova do ingresso de mercadorias na ZFM, o chamado "pedido de vistoria técnica", nos termos do §7º do artigo 84 do Anexo I do RICMS/SP.
Porém, a 12ª Câmara do Tribunal de Justiça de forma bastante coerente e utilizando a atribuição contida no Artigo 1.013 do Código de Processo Civil para análise de todas as provas contidas nos autos deu parcial provimento ao recurso de apelação do contribuinte, reconhecendo a internação das mercadorias por outros meios de prova, por entender que a declaração a ser expedida pela Suframa "é um processo demorado", não sendo razoável exigir do contribuinte que somente por este meio se comprove a internação da mercadoria na área incentivada.
O que vemos, na verdade é cada dia mais a prevalência do princípio da verdade material nas decisões proferidas pelos tribunais. Isto porque, na maioria dos casos basta uma simples análise da documentação acostada para se chegar à conclusão de que assiste razão ao contribuinte.
Vejam que o artigo 5º, inciso III, da Lei Complementar do Estado de São Paulo nº 939/2003, que instituiu neste estado o Código de Direitos, Garantias e Obrigações do contribuinte, estabelece que os lançamentos fiscais nos livros dos contribuintes constituem presunção relativa de que a operação ocorreu e, portanto, não devem ser desconsiderados pela autoridade julgadora.
Os contribuintes possuem uma infinidade de obrigações acessórias a cumprir praticamente diariamente e é certo que todo esse suporte documental produzido por eles de forma totalmente legal e regular, não pode ser simplesmente ignorado. Outro não poderia ser o entendimento, pois, quando irregulares, os livros fazem prova contra o contribuinte, todavia, quando os livros estão de acordo com a legislação, imperioso que eles façam prova favorável.
Tanto é verdade, que o Artigo 226 do Código Civil e os artigos 379 e 380 do Código de Processo Civil, consagram que os documentos e livros da empresa fazem prova em seu favor.
Assim, fica claro que, a exigência do Fisco paulista de comprovação da internação das mercadorias na ZFM , exclusivamente por meio de apresentação das declarações Suframa, representa apenas mais uma tentativa de dificultar a utilização pelos contribuintes de isenções a que fazem jus.
Isto se admitirmos a aplicação da isenção do ICMS nas remessas para a Zona Fraca de Manaus, uma vez que o amparo Constitucional acerca da equiparação de tais operações à exportação, parece ser totalmente ignorada pelo Fisco estadual.
Em que pese ignorar os aspectos Constitucionais vinculados ao caso, esta não é a primeira vez que o e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo se manifesta neste sentido sobre o tema, porém, o que é importante destacar aqui é a consolidação deste entendimento, que reforça ao máximo a importância de os tribunais proferirem julgamentos que respeitam razoabilidade e proporcionalidade, o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório e possibilitam o exercício dos contribuintes de seus direitos.
[1] "Artigo 5º — O benefício fiscal que dependa de requisito não prevalecerá se este não for satisfeito, considerando-se devido o imposto no momento em que tiver ocorrido a operação ou a prestação (Lei 6.374/89, art. 6º).
Parágrafo único – O pagamento do imposto far-se-á, mediante guia de recolhimentos especiais, com multa e demais acréscimos legais, que serão devidos a partir do vencimento do prazo em que o tributo deveria ter sido pago caso a operação ou a prestação não fosse efetuada com o benefício fiscal, observadas, quanto ao termo inicial de incidência, as normas reguladoras da matéria.”
[2] Posteriormente alterado: estendidos, no período de 1/10/1992 a 31/12/1993, os benefícios do Convênio às Áreas de Livre Comércio nos Estados AP, RR e RO, pelo Convênio ICMS 52/92; e, a partir de 26.07.94, aos municípios de Rio Preto da Eva e Presidente Figueiredo (AM) pelo Convênio ICMS 49/94.
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