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Desafios do novo ano: é urgente rever o tratamento tributário dos royalties

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  • é mestra e doutora em Direito Tributário pela PUC-SP professora no curso de mestrado profissional da Escola de Direito de São Paulo–FGV e nos cursos de especialização do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e da Escola de Direito do CEU–IICS e advogada em São Paulo.

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5 de janeiro de 2022, 8h00

Ao se iniciar o ano de 2022, a atividade econômica segue enfrentando, no Brasil, muitos desafios, especialmente em matéria tributária. Após repetidas tentativas frustradas de se formular uma reforma tributária ampla, inclusive constitucional, parece claro que o melhor caminho é atacar problemas específicos que podem ser objeto de leis ordinárias a serem discutidas por nossos congressistas, sempre com a participação da sociedade, principal beneficiária de seus resultados. Não será, portanto, uma reforma abrangente, mas restrita, gerando, porém, grandes ganhos.

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Um desses desafios, possivelmente dos mais sérios e complexos, diz respeito ao tratamento tributário dos royalties. O estudo dos royalties é amplo e fascinante, pois eles estão associados a todo tipo de exploração de direitos, especialmente aqueles vinculados ao desenvolvimento de tecnologias, base de sustentação e modernização da empresa, assim entendida, nos termos do Código Civil, artigo 966, como a atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Os problemas tributários envolvendo os royalties não são novos no Brasil e vêm se arrastando, seguramente, há mais de 60 anos por conta de uma visão rançosa que deles as autoridades tributárias do país sempre tiveram, considerando-os como formas de distribuir lucros, sem a devida tributação. Essa visão arcaica e distorcida, que se coadunava, possivelmente, com a política de restringir a remessa de lucros, bem como de tributar a distribuição de lucros e dividendos, foi abandonada por nosso sistema legal há mais de 25 anos.

Hoje parece ser inadiável apagar essa sombra e rever o tratamento tributário dos royalties, sob pena de fortes danos seguirem sendo causados à economia nacional. A nosso ver, parecem irrefutáveis os pesados custos tributários, para os empresários, associados ao pagamento da remuneração dos detentores de direitos de explorar tecnologias essenciais para a produção de bens e serviços. Com isso, as utilidades ofertadas pelas empresas nacionais sendo oneradas por tais custos perdem em competitividade frente às empresas estrangeiras, afetando o desenvolvimento do mercado local, o incremento da empregabilidade, a geração de melhores resultados e, por óbvio, os níveis de arrecadação. Para ilustrar esse cenário é essencial rever, de forma breve, as incidências tributárias sobre os rendimentos da exploração de direitos.

O tratamento tributário dos royalties, hoje, encontra seus fundamentos, para fins de Imposto sobre a Renda, na Lei nº 4506/1964, norma básica desse tributo a qual já foi objeto de um sem número de alterações para adaptá-la à modernização dos negócios e da economia, mas, curiosamente nunca foi modificada na parte referente aos royalties. O conceito de royalty está contemplado no artigo 22 dessa lei como sendo os rendimentos decorrentes de uso, fruição ou exploração de direitos, tais como os de colher/extrair recursos vegetais, de pesquisar/extrair recursos minerais, de usar/explorar invenções, processos e fórmulas de fabricação e de marcas de indústria e comércio, bem como direitos autorais, exceto quando percebidos pelo autor ou pelo criador do bem ou da obra.

Além disso, a Lei nº 4.506/1964 também trata de sua dedutibilidade para quem assume o encargo de pagá-los. Os royalties são tributados na fonte, por ocasião do pagamento, crédito, remessa ou similares ao detentor desse direito domiciliado ou residente no exterior.

Antes da Lei nº 4.506/1964, outros diplomas legais trataram do tema, como a Lei nº 3.470/1958, artigo 74, que limitou, para fins de dedução do lucro real, em 5% da receita bruta do produto fabricado ou vendido o total das quantias devidas a título de royalties pela exploração de marcas de indústria e de comércio e patentes de invenção, por assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante, determinando que esse percentual fosse revisto, periodicamente, por ato do ministro da Fazenda. Por conta dessa determinação o ministro da Fazenda editou a Portaria MF nº 436/1958, estabelecendo os coeficientes percentuais máximos para a dedução de royalties pela exploração de marcas e patentes, de assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante. Essa norma vigora até hoje.

Por fim a Lei nº 4.131/1962, norma disciplinadora da aplicação do capital estrangeiro e das correspondentes remessas de lucros, e outros valores, para o exterior, repetiu as mesmas determinações, mas, curiosamente, seu artigo 3º, "b", considerava como rendimentos dos capitais estrangeiros ingressados, as remessas feitas para o exterior a título de royalties.

A Lei nº 4.506/1964, mantendo disposições acima citadas de diplomas legais anteriores, admite em seu artigo 71 a dedução de despesas com royalties desde que necessárias à produção da renda. Em contrapartida, introduz uma série muito grande de restrições a essa dedutibilidade, das quais as mais relevantes estão voltadas aos pagamentos a sócios, inclusive à matriz no exterior, no caso de filiais brasileiras, bem como a controladores de sociedade brasileira domiciliados no exterior. Nessas determinações transparece nitidamente a orientação dada à legislação nacional de que royalties equiparam-se, para fins de tributação, a lucros ou dividendos. Deve-se destacar, ainda, a incidência do Imposto sobre a Renda, na fonte, no momento do pagamento, remessa e similares ao não domiciliado, na forma do artigo 3° da Medida Provisória nº 2.159-70/2001, à razão de 15%.

A Lei nº 4.131/1962 relacionou como condição de dedutibilidade das importâncias pagas ou creditadas a título de royalties decorrentes da exploração/cessão de patentes ou por uso/cessão de marcas, bem como da remuneração decorrente da transferência de tecnologia (assistência técnica, científica, administrativa ou semelhantes, projetos ou serviços técnicos especializados) que os correspondentes atos ou contratos estejam averbados no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e que sejam observadas as condições neles contidas.

Por fim, as regras voltadas ao controle de preços na importação de bens e de serviços, expressamente, excluem os royalties de sua abrangência (Lei nº 9.430/96, artigo 18, parágrafo 9°), diversamente das legislações dos demais países e a razão para isso estaria no fato de que essas normas voltadas aos preços de transferência no exterior não teriam excluído de sua abrangência os intangíveis, como é o caso dos royalties. A nosso ver, as regras de preços de transferência nos parecem mais coerentes do que as limitações à dedutibilidade dos royalties, hoje existentes, posto que orientadas pelas práticas de mercado, e não pelo simples objetivo de onerar o contribuinte impedindo a dedução de uma despesa.

Como já se comentou, tais exigências e restrições, a despeito de vetustas, são mantidas impedindo a dedução de gastos fundamentais no desenvolvimento nacional sob o equívoco, a nosso ver, de representarem lucros distribuídos, hipótese legal de tributação revogada pelo artigo 10 da Lei nº 9.249/1995. É no mínimo surpreendente, afora os prejuízos que traz para o empresário brasileiro e para a nossa economia, dado o peso da tributação no custo de produção de bens e serviços.

Contudo, os efeitos tributários, no caso dos royalties, não estão limitados ao Imposto sobre a Renda, visto que por força da Lei nº 10.168/2000 incide a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), na modalidade royalties, sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a cada mês a residentes ou domiciliados no exterior, a título de remuneração de licença de uso ou pela aquisição de conhecimentos tecnológicos, bem como por contratos que impliquem transferência de tecnologia, firmados com residentes ou domiciliados no exterior. A alíquota da contribuição é de 10%.

Seguindo no desfile de incidências tributárias sobre os royalties, deve-se citar, ainda, as Contribuições para o Programa de Integração Social (PIS/Importação) e para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins/Importação), ambas na modalidade serviços (Lei nº 10.865/2004). Embora não expressamente referidos, a Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), na Solução de Consulta nº 101/2021, deixou claro que valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a residentes ou domiciliados no exterior, a título de royalties, não caracterizam contraprestação por serviço prestado e, portanto, não sofrem a incidência das contribuições sociais na importação, contudo, caso haja prestação de serviços vinculada a essa cessão, haverá a incidência apenas sobre tais serviços. Ou seja, não se descarta que venha a ser exigida tal contribuição a depender do entendimento da RFB sobre o negócio desenvolvido pelo contribuinte. A alíquota das contribuições sociais é de 9,65% sobre o valor do pagamento/remessa, representando crédito para fins de PIS e de Cofins sobre o faturamento.

Relacionados os tributos federais, cabe mencionar que a partir da vigência da Lei Complementar nº 116/2003 os municípios ficaram expressamente autorizados a instituir o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) relativamente aos serviços de "cessão de direito de uso de marcas e de sinais de propaganda" (item 3.02 da lista de serviços), ou seja, sobre royalties. Sua base de cálculo é o preço do serviço e a alíquota máxima prevista na norma geral é de 5%. Conquanto discutível a equiparação de um direito a serviço, o fato é que os municípios se sentem autorizados a cobrar ISS na importação desses intangíveis.

Como se observa, sobre um único fato econômico, pagar/remeter royalties, são inúmeras as incidências, o que mostra desde já o custo tributário de "importar" tecnologia, podendo parecer, em alguns momentos, ser mais econômico importar bens, se essa for a hipótese de aplicação dos royalties (tecnologia aplicada), uma vez que tais bens estariam submetidos a tributos na importação (Imposto de Importação, PIS-Cofins — Importação, Imposto sobre Produtos Industrializados — IPI, Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços — ICMS), todos eles creditáveis ou dedutíveis, como custo ou despesa. Considerando-se que esse fato possa ser verdadeiro, poderia haver, em curto prazo, um desestímulo à industrialização no país, com a consequente redução de empregos e de criação de novos empreendimentos.

Tudo isso porque, na atualidade, é inegável que a economia está sedimentada na criação intelectual que permitiu o desenvolvimento de técnicas e produtos que hoje são compartilhados mundo afora. A economia, suportada na indústria e nas utilidades por ela ofertadas, prospera à medida em que novos inventos e processos são disponibilizados àqueles que nela atuam e dela participam. Pode-se afirmar, sem sombra de dúvida, que hoje os países ricos são aqueles que dispõem de tecnologia para desenvolver processos e explorá-los, inclusive cedendo tais direitos a terceiros. Diga-se que, muitas vezes, a escolha do local de industrialização, pelas empresas transnacionais, que desdobram seu setor produtivo por vários países, está voltada a países ou dependências cujos custos de operação são mais baratos.

A par disso, o instituto do royalty está longe de ser unívoco, sendo que para fins de aplicação dos tratados para evitar a dupla tributação da renda, calcados na Convenção Modelo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), tal conceito sofre alteração a depender de haver ou não transferência de tecnologia, na medida em que apenas na hipótese de ocorrer tal transferência é que se estaria diante da figura de royalties. De fato, o artigo 12 dos tratados mais recentes firmados pelo Brasil parece catalogar como royalties os pagamentos de qualquer espécie recebidos como remuneração pelo uso, ou pelo direito de uso de direitos nele relacionados, ou por informações relativas à experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, ou seja transferência de tecnologia.

Como se observa, esse conceito adotado pelos tratados subscritos pelo Brasil está longe de se enquadrar no modelo brasileiro, como descrito pela Lei nº 4.506/1964, o que pode trazer divergências no entendimento de algumas situações e seus reflexos tributários.

Uma coisa é certa: o comércio internacional se modificou substancialmente nos últimos anos, saindo da troca de mercadorias para a troca de serviços e de intangíveis. Com isso, a possibilidade de se incrementarem negócios envolvendo o pagamento de royalties pela remuneração da propriedade intelectual também cresce na mesma proporção. É inegável que a riqueza dos países desenvolvidos reside na cobrança de direitos pela exploração de intangíveis. Desenvolver tecnologia significa crescer e quando não se cuidou de assim fazê-lo, a importação de tais ativos deve ser facilitada, sob pena de o país estar fadado a ser um mero importador de bens e serviços, sem desenvolvê-los.

Facilitar a importação desses intangíveis deve ser um compromisso do governo com seus cidadãos, reduzindo o correspondente custo, além de incentivar pesquisas com tais ativos mediante um programa que subsidie esses interesses e cobre efetivos resultados. Associar o empresariado às universidades pode ser um bom caminho, já adotado em outros países, criando incentivos fiscais-financeiros para tanto, por exemplo.

Associar essa nova política de tratamento tributário dos royalties a programas de exportação de bens e de serviços deve operar, certamente, como elemento de convencimento do poder público, uma vez que exportar, não apenas produtos primários, é um grande diferencial no mundo atual. Com isso, as duas pontas do comércio internacional podem se encontrar sempre em benefício do país. Enquanto isso não ocorre, insiste-se, que se reduzam os custos tributários associados ao pagamento de royalties.

De toda forma, é razão definitiva que impõe a revisão do tratamento tributário dos royalties o fato de que, no mundo atual, o uso da tecnologia, de forma generalizada, torna-se cada vez mais relevante e sua oneração excessiva afasta os investidores e restringe as oportunidades de crescimento econômico. Essencial, portanto, que essa restrição vetusta à dedutibilidade de royalties e assistência técnica seja revista e resulte afastada. Devemos todos cobrar de nossos congressistas um projeto de lei que discuta esse tema com a profundidade que merece.

Perder a oportunidade de baratear a tributação dos royalties implica perder muitas outras oportunidades para o país.

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  • é advogada em São Paulo, mestra e doutora em Direito Tributário pela PUC-SP, professora no curso de mestrado profissional da Escola de Direito de São Paulo-FGV e nos cursos de especialização do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e da Escola de Direito do CEU - IICS.

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