Funrural no STF: o que está pacificado e o que ainda será julgado em 2022
25 de fevereiro de 2022, 13h42
O Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) foi instituído pelo legislador no ordenamento jurídico como uma alternativa de custeio da seguridade social através da tributação diferenciada dos trabalhadores rurais.
Essa forma alternativa de tributação foi inaugurada com a Lei Complementar nº 11/1971, que criou o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (Prorural). Atualmente o tema está tratado na Lei nº 8.212/1991, que dispõe sobre a organização da Seguridade Social, regulamentada pela Instrução Normativa RFB nº 971/2009.
A mais recente alteração no Funrural ocorreu por meio da Lei nº 13.606/2018, que, além de instituir o Programa de Regularização Tributária Rural (PRR), trouxe modificações relevantes para a contribuição a partir do ano de 2019, destacando-se: a) a redução de 0,8% nas alíquotas aplicáveis, passando para 1,7% pra pessoas jurídicas e 1,2% para pessoas físicas; b) a opção de escolha pelo regime de recolhimento das contribuições, podendo ser calculada pela folha de salários, ou sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural.
Apesar do regime opcional inaugurado pela Lei nº 13.606/2018, a materialidade original do Funrural foi fixada na receita bruta proveniente da produção rural. Entretanto, essa materialidade nem sempre foi possível no nosso sistema normativo, pois a Leis nºs 8.540/1992 e 9.258/97 foram editadas antes da Emenda Constitucional 20/98 e somente após a referida modificação constitucional é que foi possível fixar a materialidade sobre a "receita bruta".
A questão foi apreciada pelo STF no julgamento dos Recursos Extraordinários 363.852 e 596.177, declarando o Plenário da corte a inconstitucionalidade da contribuição devida pelo empregador rural pessoa física, com relação aos valores devidos durante a vigência das Leis nºs 8.540/92 e 9.528/97.
Na ocasião, prevaleceu o entendimento de que a Constituição Federal não previa hipótese de dupla incidência de contribuições sobre a mesma base de cálculo, não havendo base material imponível para fins de cobrança sobre a receita, que somente teve respaldo após a EC 20/98.
Por conta dos referidos julgados, o STF encaminhou ofícios ao Senado da República dando publicidade ao resultado do julgamento dos Recursos Extraordinários 363.852 e 596.177, para que o Legislativo retirasse do ordenamento jurídico o artigo 1º da Lei nº 8.540/92, que deu nova redação aos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com a redação atualizada até a Lei nº 9.528/97.
Portanto, a partir de 2011 a questão parecia estar resolvia de forma positiva para os contribuintes. Ocorre que em 2017 o tema voltou a ser apreciado pelo STF no julgamento do Recurso Extraordinário nº 718.874. Por maioria apertada (6 a 5), o Supremo entendeu agora pela constitucionalidade do Funrural devido pelo empregador rural pessoa física, após o advento da Lei nº 10.256/01.
A premissa adotada no julgado foi de que, após o advento da Emenda Constitucional 20/98, a contribuição poderia ser cobrada, pois a referida EC alterou o artigo 195 da Constituição Federal para prever a receita bruta como base de incidência das contribuições sociais, resultando na seguinte tese objeto do Tema 669: "É constitucional formal e materialmente a contribuição social do empregador rural pessoa física, instituída pela Lei 10.256/2001, incidente sobre a receita bruta obtida com a comercialização de sua produção".
Nessa altura, o tema parecia definido acerca da constitucionalidade da contribuição. Não obstante, ainda estava pendente o julgamento do Recurso Extraordinário nº 761.263, que tratava do Funrural devido pelo segurado especial (produtor rural pessoa física que individualmente, ou em caráter de regime familiar, explore a atividade rural).
Havia expectativa de rediscussão da matéria, já que as bases legais e os fundamentos pela inconstitucionalidade eram semelhantes em vários aspectos.
Em abril de 2020, o STF apreciou o RE nº 761.263 fixando como legítima a previsão legal da contribuição do segurado especial com base na receita bruta (6 a 4), objeto do Tema 723: "É constitucional, formal e materialmente, a contribuição social do segurado especial prevista no art. 25 da Lei 8.212/1991".
Com a apreciação do tema no STF e a fixação das teses pela constitucionalidade da contribuição nos Temas 669 e 723, a discussão acerca da base de cálculo do Funrural devido pelos produtores ruais (empregador rural ou segurado especial) restou encerrada, prevalecendo o entendimento de que é devida a contribuição a partir do advento da Lei nº 10.256/01.
Entretanto, o assunto Funrural ainda não foi encerrado na Corte Suprema, pois ainda permanece pendente de definição a apreciação acerca da legitimidade do recolhimento do Funrural por parte dos adquirentes de mercadorias de produtores rurais, na condição de sub-rogados.
A sub-rogação do Funrural nada mais é do que a atribuição ao adquirente dos produtos da responsabilidade tributária pela apuração e recolhimento da contribuição devida pelo produtor rural sobre a receita bruta da venda.
A responsabilidade legal do adquirente foi veiculada no artigo 30, IV, da Lei nº 8.212/91, tendo a norma sido inserida no ordenamento por meio da Lei nº 8.540/92 e, posteriormente, restabelecida pela Lei nº 9.528/97.
Como visto, o STF reconheceu a constitucionalidade da contribuição a partir do advento da Lei nº 10.256/01, editada após a Emenda Constitucional 20/98. Entretanto, apesar de restabelecer o Funrural, a redação originária da Lei nº 10.256/01 não tratou expressamente da obrigação legal do adquirente por sub-rogação.
Ou seja, considerando que: 1) a norma que atribui obrigação legal aos adquirentes de recolher o Funrural devido pelos produtores rurais é decorrente das Leis nºs 8.540/92 e 9.528/97; 2) que os referidos diplomas legais foram declarados inconstitucionais pelo STF, quando do julgamento dos REs 363.852 e 596.177; e 3) que a Lei nº 10.256/01 não trouxe qualquer normatização sobre o assunto; resta ausente do sistema jurídico norma vigente e válida que determine o recolhimento do Funrural por sub-rogação.
Não bastasse a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos das Leis nº 8.540/92 e 9.528/97 pelo próprio STF, o Senado Federal, atendendo aos ofícios enviados pela corte quando do julgamento dos REs 363.852 e 596.177, publicou em 19/9/2017 a Resolução nº 15/17, que suspendeu a execução desses dispositivos declarados inconstitucionais pelo STF.
Assim, temos que a exigência do Funrural em face dos adquirentes da produção rural está consubstanciada em normas declaradas inconstitucionais pelo STF, cuja aplicabilidade também se encontra suspensa por força da Resolução do Senado nº 15/17.
Por ocasião da discussão acerca da aplicabilidade da Resolução nº 15/17, a PGFN se antecipou na discussão por meio do Parecer PGFN/CRJ nº 1447/2017, fixando que a resolução do Senado deve ser aplicada somente para as contribuições exigidas antes do advento da Lei nº 10.256/2001.
"Por conseguinte, a escorreita interpretação da Resolução do Senado nº 15, de 2017, que deverá nortear a aplicação do sobredito ato normativo pela Administração Tributária, é a de que ela suspende a exigência da contribuição social do empregador rural pessoa física, incidente sobre o produto da comercialização da produção rural, tão somente em relação ao período anterior à Lei nº 10.256, de 2001.
Ratifica-se o entendimento consignado no Parecer RFB/COSIT nº 19, de 2017, no sentido de que as contribuições previstas nos incisos I e II do art. 25 da Lei nº 8.212, de 1991, e a obrigação da empresa adquirente de retê-las, são exigíveis desde a entrada em vigor da Lei nº 10.256, de 2001".
Como se vê, a questão da sub-rogação não foi apreciada pelo STF ao definir a tese dos Temas 669 e 723, de modo que a obrigação de retenção e recolhimento do Funrural pelo adquirente junto ao empregador rural pessoa física, ainda não está pacificado no Judiciário e deve ser enfrentada pelos tribunais superiores.
A 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em julgado proferido em 2018, entendeu pela ausência de norma válida para exigência do Funrural por sub-rogação [1]. Já a 2ª Turma, em 2021, entendeu que permanece válida a legislação no que fixa a obrigação de recolhimento do Funrural por sub-rogação [2].
Por outro lado, temos observado em norma dificuldade no processamento dos recursos que tratam da matéria para o STF e STJ. Em que pese o devido distinguishing acerca da matéria discutida, diversos julgados dos Tribunais Regionais Federais têm aplicado os Temas 669 e 723, dando por encerrada a questão de forma equivocada e, em alguns casos, com aplicação de multa.
No STF está pendente de julgamento a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.395/DF, de autoria da Associação Brasileira de Frigoríficos, sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes, que trata da inconstitucionalidade do Funrural, já definida, e também do artigo 30, IV, da Lei nº 8.212/91, que disciplina a questão da sub-rogação.
Os ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Roberto Barroso manifestaram entendimento na linha de que não há inconstitucionalidade na sub-rogação. O ministro Fachin entendeu que é inconstitucional o artigo 30, IV, da Lei 8.212/91, no que foi acompanhado pelos ministros Rosa Weber, Lewandowski e Celso de Mello. O ministro Marco Aurélio acatou a inconstitucionalidade da Lei nº 10.256/01, mas sem tratar expressamente a sub-rogação. Está pendente o voto do ministro Dias Tofolli, que deverá definir o posicionamento do STF sobre a questão.
O processo foi incluído no calendário de julgamento do STF para o dia 5 de maio deste ano e o seu julgamento deverá encerrar, ao menos por enquanto, as discussões acerca das teses relevantes em torno do Funrural levadas à apreciação do Judiciário.
[1] TRF-3 – ApReeNec: 00002842620174036100 SP, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY, Data de Julgamento: 02/10/2018, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:10/10/2018.
[2] APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA. SIGLA_CLASSE: ApelRemNec 5001048-98.2020.4.03.6106, TRF3 — 2ª Turma, DJEN DATA: 17/03/2021.
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