Senso incomum

Por que você não consegue prestar atenção? Como pensar de novo?

Autor

24 de fevereiro de 2022, 8h00

1. Que tal investir dez minutos do seu tempo?
Atenção: você consumirá cerca de 10 minutos para ler este texto. Se não os dispuser, faça outra coisa. Um tik tok será mais "produtivo". Ou assista um vídeo sobre "pensamento positivo", seguindo a coach Porsche Litle nas redes.

Spacca
Mão à obra. Há um interessante livro que promete muitas inquietações, olhares de soslaio e onomatopeias furtivas. Falo de Foco Roubado — Por que você não consegue prestar atenção e como pensar profundamente de novo (Stolen focus — Wy you can’t pay attention — and how to think deeply again), de Johann Hari, em que investiga como nossos cérebros foram duramente afetados pela tecnologia e o que podemos fazer para recuperar a capacidade de concentração perdida. Casey Schwartz, do New York Times, destrinchou o âmago da obra. A entrevista está em O Globo de 18/2/2022. Adquiri o livro digital (kindle). São 14 capítulos, 394 páginas.

Segundo as pesquisas de Hari, o típico trabalhador americano (ele fala de escritórios) se concentra em uma determinada tarefa por apenas três minutos. Bom, aqui eu agrego que, diz-se, o máximo que alguém "aguenta" em uma palestra são 18 minutos (daí as teses do TED-18). Eu não concordo com a TED-18. Fosse verdadeira, ninguém assistiria a filmes de duas horas e meia.

2. Tocamos mais de duas mil vezes nas telinhas em um só dia?
Sigo. Para mostrar outro dado constrangedor trazido por Hari: em média, cada dia nós tocamos ou verificamos, em média, nossos celulares 2.617 vezes, e gastamos mais de três horas olhando para eles. Esse dado é cruel, não é mesmo?

Como chegamos a esse estado?, pergunta Hari. Resumindo, trata-se de uma crise de atenção. Há vários fatores que nos levaram a esse estado de coisas.

Do mundo fast (food) à velocidade da informação e as demandas de um mercado desumanizado, tudo converge para a crise de atenção. Fomos capturados.

Hari diz que não adianta tomar atitudes individuais do tipo "ficarei longe das telas" ou "vou me isolar". Ele mesmo tentou e testou a hipótese. Três meses de isolamento. Leu livros oito horas por dia. Achou que estava "curado".

Um detalhe que ele conta no capítulo 1: ele tentou comprar um aparelho celular pelo qual não conseguisse acessar internet (para que não caísse em tentação durante sua abstinência). O engraçado é que o empregado da loja Target não conseguia entender o que ele queria. O diálogo com o atendente mostra a percepção do "homem médio".

3. A mutilação de nosso estado de imersão
O capítulo 2 (The Cripping of our Flow States — algo como "A mutilação de nosso estado de imersão") mostra a desintoxicação. E coisas engraçadas que decorrem da abstinência… "Largue seu celular. Atire fora essa coisa demoníaca (damn phone)", algo assim. Porém, psicanaliticamente, ele queria dizer para as pessoas que olhavam seus aparelhos: "Give me that phone! Mine!" Me dê esse telefone. É meu!

Todavia…

Depois dos três meses Hari começou de novo a usar as telas e logo estava quase igual a antes. Moral da história: você não resolve o problema da poluição usando máscara contra gás. Você pode se salvar… desde que use máscara todo o tempo. Logo, a solução terá que ser para além de sua atitude individual.

Sim, pensamos que isso é um problema pessoal, nosso, individual, diz Hari no livro. Mas não é isso. Aí entra o título: nosso foco foi roubado. Há causas profundas.

Mas, se abandonar a tecnologia temporariamente não é a resposta, quais técnicas podem ser eficazes? Hari diz: "Eu durmo mais, pelo menos oito horas. Eu tenho um recipiente trancado por bloqueio de tempo, no qual guardo meu telefone por quatro horas, quando escrevo. E eu não assisto a um filme com meu namorado a menos que nós dois bloqueemos nossos celulares".

E acrescenta: tem de haver um movimento do outro lado, de todos nós, em dizer: "Não, você não pode fazer isso com a gente. Queremos ter uma vida onde possamos pensar profundamente, ler livros e na qual nossos filhos possam conversar".

Ele também fala sobre milhões de crianças com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Há controvérsias sobre as causas. Porém, diz Hari, temos de levar em conta que "esta é a primeira sociedade humana que tentou fazer com que as crianças ficassem quietas durante oito horas por dia. Ninguém nunca fez isso antes porque é uma coisa absolutamente idiota de se fazer".

4. A Rebelião da Atenção: Já!
Qual é a solução proposta por Hari? Uma das coisas a fazer é uma rebelião de atenção (Attention Rebellion). Trata-se de nos conscientizarmos. Isso não está nos fazendo bem. Chega uma hora em que é preciso dizer "chega". É normal não conseguir ler um livro? "Enjoar" logo no início? Não conseguir ler sequer um texto até o final? Emburrecemos tanto?

Não vou dar (todo o) spoiler. Vale ler a obra de Hari. De minha parte, aqui do Senso Incomum — coluna hebdomadária que disputa espaço com matérias interessantes e articulistas bem articulados, mas também briga por leitores com notícias tipo "homem mordeu o cachorro", "promotora chama advogados de 'bosta'" (sem o "s"), truísmos dos mais variados e platitudes tipo "autoajuda para (novos) empreendedores jurídicos", além de outras quejandices — penso que é possível não ficar refém das redes. Ou ficar menos.

É bem verdade que o smartphone é o ópio. Porque no aparelho estão todas os psicotrópicos que usamos mais de duas mil vezes por dia (incrível esse número, pois não?), como Facebook, Instagram, Twitter, Tik Tok… Os malditos algoritmos são implacáveis.

Para me afastar um pouco mais, não uso livro que não seja de papel (embora esse do Hari seja um kindle). Papel é reconfortante. Claro, para isso é preciso… ler livros. Faz bem. Embora seja um negócio já meio fora de moda, insisto.

Textos costumo ler em telas maiores, para fugir do ópio principal (Iphone, no meu caso).

Mas o mais importante: de nada adianta isso se não fugir da mediocridade. Das nesciedades. Há que evitar o clichê e fugir dos resuminhos de qualquer tipo. Desconfie. Tenho uma espécie de "clichemetria", que "apita" já no início do texto (é uma solução eivada de ironia!).

5. Minha LEER — Lesão por Esforço Epistêmico Repetitivo
O que quero dizer é que afasto os atalhos. Sofro de LEER Lesão por Esforço Epistêmico Repetitivo. Com tantos anos de praia, poderia ser um oportunista e explorar os adoradores de platitudes e simplificações, publicando literatura "jus autoajuda", deixando de fora as partes complexas do Direito ou dar receitas de "como ser um advogado" — muitas vezes quem faz isso é exatamente quem não advoga, algo como um gordo que vende remédio para emagrecer. Ou jus coach. Ou jus coach de pensamento positivo.

Aconselho, para uma vida "jus saudável", evitar vídeos de quem promete "milagres jus dogmáticos", tipo "apreenda filosofia do Direito aqui comigo com cinco vídeos". Ou de quem é peremptório do tipo "ninguém descobriu ainda aquilo que vou contar…" e lá vem algo que a torcida do Grêmio já sabe. Grau zero? Descobriu a pólvora? Que coisa.

Evite o estresse, sendo mais observador do que partícipe dos grupos de WhatsApp. Não conheço pessoa que tenha sido convencida por outra em algum grupo de WhatsApp — as famosas neocavernas. Em vez de brigar em algum grupo, leia o Mito da Caverna. Entenderá o que é mito e por que Platão odiava néscios. Néscios: aprenda a sentir o cheiro deles para fugir do estresse.

6. O ranzinza dos grupos de whats
Sim, eu participo de vários grupos. Não sou um outsider do meu discurso. Mas sou o rabugento. O ranzinza dos grupos. O espanta rodinha. Alguém põe um vídeo de uma menina, com os pés doloridos devido ao balé, para ilustrar uma palestra motivacional do Leandro Karnal. Pronto. Comprou a briga comigo. Mas é uma briguinha rápida. Não passa de 200 caracteres. Vídeo do Cortella? Idem. Outro participante posta um caso bizarro sobre o qual eu escrevi há meio ano… tentando me contar uma novidade. Entra em campo o jus rabugento. Sim, já saí de vários grupos. E serei expulso de outros, em breve.

Sou o ranzinza que se incomoda com atravessamentos de fotos de fotos de pizzas e coisas do tipo "veja o mundo todo como tenho sucesso e sou feliz". Aconselharia a alguns adeptos dessa prática com velhos refrãos do tipo "dinheiro e hemorroida ninguém alardeia".

7. Como nosso foco foi roubado no Direito
Por que será que se diz tanto por aí que "petições tem de ser curtinhas"? Por que se diz que textos tem de ser com máximo 15 linhas? A doença está aí. Já tomou conta. O foco foi roubado.

No fundo, quem não consegue ler um livro e diz que "enjoa" nas primeiras páginas, age do mesmo modo que lidadores do Direito que pregam "coisas desenhadas" e "enxutinhas". O enfermo nunca admite sua enfermidade. Mas ela está aí. Só vem piorando.

Coisas como legal design não passam de chazinho de carqueja para combater dor de ciático. O problema é bem mais complexo.

8. "Gastou" seu tempo lendo esta coluna?
A propósito, aqui vai um paradoxo. Se você conseguiu chegar até aqui gastando preciosos nove minutos (menos ou mais), meus cumprimentos. É três vezes a quantidade de minutos que um funcionário se foca em um assunto, segundo Hari.

Vamos pensar de novo? Façamos uma rebelião de atenção. Bom, parece que você já começou. Alvíssaras!

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!