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Opinião: Pronunciamentos judiciais na doutrina e na jurisprudência

24 de fevereiro de 2022, 13h46

Por Lucas Rodrigues da Silva

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Segundo Evaristo Aragão Santos, os precedentes são os "pronunciamentos judiciais que, por sua autoridade e consistência, deveriam ser adotados por outros juízes para a decisão de casos semelhantes". Essa é a chamada acepção estrita de precedente, que se contrapõe à acepção ampla, para a qual toda e qualquer decisão com aptidão para influenciar casos futuros pode ser classificada na categoria em questão. 

Esse modelo é característico do sistema da commom law, marcado pelo seguimento de costumes e tradições. Já na civil law, família jurídica na qual o Brasil usualmente é colocado, as decisões judiciais devem se basear em normas gerais e abstratas criadas por órgãos de representação política.

O modelo de precedentes foi uma das prioridades do Código de Processo Civil de 2015, porém, anteriormente já havia um movimento de utilização gradual de tal figura para a formação de padrões decisórios. 

O artigo 926 do CPC estabelece as normas gerais que os tribunais devem seguir para a implementação do sistema de precedentes. A redação do artigo informa que as jurisprudências devem ser uniformes e mantidas íntegras, estáveis e coerentes. Hermes Zaneti Júnior faz a exegese de tal dispositivo distinguindo a vinculação dos precedentes entre verticais e horizontais. Estes últimos relacionam-se com o dever de estabilização e uniformização das jurisprudências, de modo que os tribunais devem, antes de tudo, seguir seus próprios precedentes. Para alterá-los, o ônus argumentativo será mais acentuado. Já a vinculação vertical trata-se do dever que os tribunais e juízes hierarquicamente inferiores ao que proferiu o pronunciamento vinculante têm de aplicar o padrão normativo criado, mesmo que discordem dele.

Com a nova codificação, foram expressamente previstas como hierarquicamente vinculantes as hipóteses dos pronunciamentos elencados nos incisos do artigo 927. São eles: as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade, os enunciados de súmula vinculante, os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos, os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional e a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados (os juízes que proferirem as decisões).

Cláudio Madeira e Henrique Pimenta argumentam, corretamente, que a hipótese estabelecida no inciso V do artigo 927 do Código de Processo Civil, segundo a qual os tribunais estão vinculados à orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados, também se aplica às orientações do STJ  e do STF, eis que a legislação processual privada criou um sistema de cortes superiores orientado em sentido vertical, de forma a homogeneizar a interpretação do Direito. Portanto, sendo todos os juízes e tribunais do território brasileiro hierarquicamente inferiores aos órgãos encarregados de realizar o controle concentrado de constitucionalidade e legalidade federal, estão vinculados às suas decisões. 

Outra classificação propõe que os precedentes sejam divididos em ordem crescente de vinculação entre precedentes normativos vinculantes,  precedentes normativos formalmente vinculantes e precedentes normativos formalmente vinculantes fortes. Estes se contrapõem às jurisprudências persuasivas, as quais não vinculam o julgador independentemente de este achar suas razões boas ou ruins, tendo somente o poder de convencimento.

Os precedentes normativos vinculantes são aqueles que não estão expressos em lei enquanto pronunciamentos vinculantes, mas resultam do reconhecimento do papel das cortes supremas em nosso ordenamento e da importância dada aos tribunais e suas decisões. Dessa forma, qualquer decisão proferida por um tribunal pode ter o condão de vincular os juízes que estejam a ele hierarquicamente vinculados, sob a condição de que tenham a forma de um precedente, criando um padrão normativo a ser aplicado em casos semelhantes no futuro. Incluem-se nessa categoria as decisões uniformizadoras proferidas pelas turmas, câmaras ou seções especializadas dos tribunais de cúpula.  

A diferença entre os precedentes normativos formalmente vinculantes e os precedentes normativos formalmente vinculantes fortes é que as decisões que contrariarem estes são passíveis de impugnação pela via recursal ordinária, enquanto as que violarem aqueles podem ser reformadas por meio de recursos ordinários ou também por via autônoma encaminhada diretamente ao tribunal superior, sendo prescindível o esgotamento das vias recursais.

Segundo Zaneti, os precedentes normativos formalmente vinculantes estão previstos nos incisos III, IV e V do artigo 927 do Código Civil, enquanto os formalmente vinculante fortes são previstos nos incisos I e II do mesmo dispositivo.

As jurisprudências persuasivas são decisões proferidas por órgãos jurisdicionais não hierarquicamente superiores ao do julgador, as quais, mesmo que constituam solução jurídica com aptidão para aplicação em casos futuros, não são vinculantes, possuindo força persuasiva e sugestiva. 

Exemplo interessante foi o ocorrido na decisão proferida pela 3ª Turma do STJ nos embargos de divergência em Resp Nº 1721716-PR. Nela, o tribunal entendeu que, caso ocorra superação de um precedente, o novo entendimento não deverá ser aplicado às lides que surgiram antes do overruling. O fundamento da decisão foi o fato de o sistema de precedentes ter a função de fornecer estabilidade, conferindo ao cidadão um padrão de conduta que possa ser seguido com confiança. Portanto, a alteração da jurisprudência dos tribunais não pode quebrar essa expectativa de estabilidade criada.

É importante ressaltar que no caso que deu origem ao precedente supracitado a parte que seria prejudicada pela mudança de entendimento já tinha a favor de si uma sentença proferida em primeira instância. Será necessário observar como os tribunais decidirão nas lides em que o precedente se modificar antes da fase decisória dos processos que julgarem.

A 2ª Turma do STF, em acórdão proferido na RCL 43.587, relatada pelo ministro Edson Fachin, decidiu que as decisões que supostamente ofenderem súmulas não vinculantes não são passíveis de impugnação pela via da reclamação, confirmando que apenas as súmulas vinculantes e as decisões proferidas em sede de controle concentrado de constitucionalidade são precedentes normativos formalmente vinculantes fortes. 

A Corte Constitucional também se pronunciou no sentido de reconhecer a possibilidade de decisão monocrática de relator aplicando precedente firmado pelo plenário do tribunal em causas afetadas pela repercussão geral, antes mesmo da publicação ou do trânsito em julgado do caso paradigma. Tal entendimento foi exposto no Ag reg. no recurso extraordinário com agravo n° 930.647, relatado pelo ministro Luís Roberto Barroso.

O STF não deixou explícito se esse precedente se aplica somente à própria corte ou se os relatores que compõem outros órgãos jurisdicionais podem se valer de tal prerrogativa, ou até mesmo juízes de primeira instância. 

Ao contrário dos países da commom law, o Brasil não instituiu seu sistema de precedentes por meio da tradição, mas pela via da legislação. Tal caminho determinou a ocorrência de diversas especificidades e incertezas em nosso ordenamento. Cabe à comunidade jurídica como um todo compreender qual é o melhor modo de funcionamento de um modelo regido por pronunciamentos vinculantes, sob pena de perpetuação do insucesso das pretensões processuais trazidas pelo CPC.

 

Referências bibliográficas
MADUREIRA, Claudio; DE SOUZA PIMENTA, Henrique. Modelo brasileiro de precedentes vinculantes. Revista Iberoamericana de Derecho Procesal, [s. l.], v. 7, p. 61 – 85, Jan-Jun 2018.

PEREIRA DE ALMEIDA, Marcelo; NUNES SILVA , Lilia. Atividade Judicial e o Modelo De Precedentes Brasileiro: Perspectivas Após Cinco Anos De Vigência Do Código De Processo Civil De 2015. Revista Juris Poiesis, Rio de Janeiro., v. 24, n. 36, p. 123-143, 2021.