Opinião

ICMS Difal: decisões reconhecem ser constitucional a cobrança em 2022

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  • Makena Marchesi

    é mestre em Direito Processual Civil pela Universidade Federal do Estado do Espírito Santo (Ufes) e procuradora do Estado de Pernambuco com atuação no Contencioso Tributário da Procuradoria da Fazenda Estadual.

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21 de fevereiro de 2022, 20h39

Muitos acreditaram que o julgamento do recurso extraordinário paradigma do Tema 1.093 pelo Supremo Tribunal Federal representaria o desfecho do imbróglio envolvendo a cobrança da diferença de alíquota de ICMS em operações interestaduais em que se destina mercadoria a consumidor final não contribuinte do imposto (ICMS Difal). Contudo, resta claro ter se tratado de apenas um dos capítulos de uma longa história que demonstra estar longe do fim.

Com efeito, sancionada e publicada, respectivamente, nos dias 4 e 5 de janeiro, a lei complementar nacional dispondo acerca do regramento geral do ICMS Difal (LC nº 190), nos termos da tese fixada pelo STF sob o referido tema [1], discute-se agora a constitucionalidade da cobrança da exação no corrente ano, haja vista a garantia constitucional da anterioridade tributária (de exercício e nonagesimal).

Nesse contexto, foram ajuizadas centenas de ações em face dos estados objetivando impedi-los de exigir o ICMS Difal no exercício de 2022, tendo sido noticiada pelos portais jurídicos e contábeis, ainda no mês de janeiro, a concessão de liminares favoráveis aos contribuintes.

Todavia, pouco mais de um mês da promulgação da lei complementar em questão, nota-se a prolação de inúmeras decisões judiciais, de primeiro e segundo graus, considerando legítima a exigência do ICMS Difal no exercício corrente, por unidades da federação que disponham de lei local instituindo a cobrança, as quais adotam como fundamento: 1) a aplicação da noventena apenas em relação aos estados que editaram suas leis instituidoras após a LC nº 190/22, nos termos do artigo 3º desta, afastada a necessidade de anterioridade de exercício; 2) a inaplicabilidade de quaisquer das anterioridades previstas no inciso III do artigo 150 da CF em relação à aludida lei complementar nacional, por se tratar de norma geral; e 3) a retomada da eficácia das leis estaduais instituidoras do Difal a partir da publicação da LC nº 190/22.

A propósito, a primeira decisão favorável ao Fisco envolvendo a questão que se tem conhecimento foi proferida pelo juízo da 10ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, no Mandado de Segurança nº 1000409-28.2022.8.26.0053, no qual foi indeferida a concessão de liminar, ao fundamento da ausência de violação do princípio da anterioridade anual ou nonagesimal, por inexistir a criação ou majoração de imposto pela LC nº 190/22.

O referido posicionamento vem sendo seguido por outros juízos da capital, a exemplo da 2ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, a qual denegou a segurança pleiteada por contribuintes que pretendiam o afastamento da exigência do ICMS Difal no exercício de 2022, nos autos dos mandados de segurança nº 1005867-26.2022.8.26.0053 e 1011368-92.2021.8.26.0053.

A Fazenda estadual tem obtido êxito, ainda, perante o Judiciário do estado do Paraná, conforme se extrai da decisão da 1ª Vara da Fazenda Pública de Londrina, que, nos autos nº 0003446-79.2022.8.16.0014, indeferiu pedido liminar no mesmo sentido ao entender que o marco temporal para aplicação do princípio da anterioridade deve recair na data em que publicada a lei local instituidora do tributo, pois à lei complementar nacional é dado apenas dispor o regramento geral, razão pela qual, publicada em 31 de dezembro de 2021, a Lei Estadual nº 20.919/2021, que prevê a possibilidade de exigir-se o ICMS Difal nas hipóteses contempladas nos incisos VII e VIII do artigo 155 da CF, ressai legítima a cobrança.

O mesmo entendimento é perfilhado no âmbito do Tribunal de Justiça do Paraná, conforme se extrai das decisões das 1ª e 2ª Câmaras Cíveis que negaram a concessão da liminar requerida, respectivamente, nos Mandados de Segurança nº 0002611-36.2022.8.16.0000 e nº 0002625-20.2022.8.16.0000, bem como do decisum da 3ª Câmara Cível que indeferiu a concessão de efeito ativo ao Agravo de Instrumento nº 0001958-34.2022.8.16.0000, interposto contra o indeferimento de liminar em primeiro grau.

Por seu turno, em Minas Gerais, o juízo da 3ª Vara de Feitos Tributários da comarca de Belo Horizonte também vem sendo favorável à exigência do ICMS Difal, tendo indeferido os pedidos liminares nos Mandados de Segurança nº 5005185-53.2022.8.13.0024, nº 5003987-78.2022.8.13.0024, nº003680-27.2022.8.13.0024 e nº 5009379-96.2022.8.13.0024, sob a fundamentação de que o julgamento do STF que definiu ser necessária lei federal para disciplinar regras gerais acerca do ICMS Difal não invalidou as leis estaduais, permanecendo válidas as normas locais anteriores à LC nº 190/22, cujos efeitos no exercício de 2022 se submetem à publicação da legislação de nível nacional, ocorrida em 4 de janeiro. Portanto, a partir de tal data, a Lei Estadual nº 21.781/2015, que instituiu a cobrança do ICMS Difal naquele estado, retomou a eficácia.

Igualmente reputou ausente qualquer violação ao princípio da anterioridade tributária em razão da cobrança do ICMS Difal o juízo da 6ª Vara da Fazenda Pública do Recife, que, ao negar a concessão de liminar no Mandado de Segurança nº 0007598-02.2022.8.17.2001, destacou que, de acordo com o acórdão vinculante do STF, os "estados que efetuavam cobrança com base em lei própria estariam legitimados a realizar a cobrança do Difal até o fim de 2021 e, a partir de 2022, desde que dita lei estadual estivesse conforme norma geral editada pela União Federal através de lei complementar", o que ocorre em Pernambuco, que goza de lei instituidora da exação desde 2016, a qual foi alterada, no fim de 2021, para fins de adequação ao projeto de lei que resultou na promulgação da LC nº 190/22.

Aliás, ajuizado pedido de suspensão pelo estado em questão, em razão da concessão de liminares suspendendo a exigibilidade do ICMS Difal durante o exercício financeiro de 2022, foi o pleito deferido liminarmente pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco, o qual concluiu pela "plausibilidade na alegação de ausência de ofensa ao princípio da anterioridade comum  fundamento das decisões  e por estar bem caracterizada, na espécie, a ocorrência de risco de grave lesão à economia pública" (autos nº 0001114-23.2022.8.17.9000).

Assim, a despeito das inúmeras notícias veiculando a tese de inobservância às anterioridades tributárias pelos estados que estão a exigir o Difal, fato é que o Judiciário tem se mostrado receptivo ao argumento de que a anterioridade tributária, seja ela pertinente ao exercício financeiro ou nonagesimal, relaciona-se à lei veiculadora da regra matriz de incidência tributária, no caso da diferença de alíquota de ICMS, de índole estadual (artigo 155, II, CF), não se aplicando às leis que apenas veiculem normas gerais sobre o tributo, como a LC nº 190/22.

Portanto, os estados que até 31 de dezembro 2021 possuíam legislação instituidora do ICMS Difal têm obtido decisões judiciais que lhes autorizam a exigir o tributo no exercício de 2022, notadamente diante da edição da lei complementar nacional necessária à eficácia de tais normas, nos termos do julgado do STF.

 


[1] Tese firmada sob tema 1093: "a cobrança do diferencial de alíquota alusivo ao ICMS, conforme introduzido pela Emenda Constitucional nº 87/2015, pressupõe edição de lei complementar veiculando normas gerais". Disponível em:<http://stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=5994076&numeroProcesso=1287019&classeProcesso=RE&numeroTema=1093#>.

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  • é mestre em Direito Processual Civil pela Universidade Federal do Estado do Espírito Santo (Ufes) e procuradora do Estado de Pernambuco com atuação no Contencioso Tributário da Procuradoria da Fazenda Estadual.

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