Opinião

A controvérsia dos honorários de sucumbência em causas de valor elevado

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17 de fevereiro de 2022, 18h09

Anteriormente, na vigência do Código de Processo Civil de 1973, uma das maiores indignações que lastreavam a classe de advogados era a fixação de verba honorários nas demandas contra a Fazenda Pública, uma vez que, geralmente, o percentual mínimo estabelecido pelo §3º do artigo 20 não era obedecido, de modo que muitos magistrados condenavam a Fazenda Pública em honorários irrisórios.

Sem dúvidas, umas das importantes inovações trazidas pelo Novo Código de Processo Civil — CPC/2015 (Lei nº 13.105/15) — foi para a classe de advogados, qual seja: a nova forma de arbitramento dos honorários advocatícios nas ações contra a Fazenda Pública

Ou seja, uma das mais importantes vitórias na advocacia foi a alteração legislativa quanto aos percentuais e às regras de aplicação destes a favor dos advogados nas demandas contra a Fazenda Pública, levando em consideração, principalmente, a natureza alimentar dos honorários advocatícios, através da regra gravada no artigo 85 do CPC/2015.

Nesse contexto, a partir da entrada em vigor do CPC/15, faz-se necessário examinar esse novo conjunto normativo referente aos honorários advocatícios, especialmente, no tocante ao §8º do artigo 85.

Através do §8º do artigo 85, buscou-se equilibrar a definição da verba devida aos advogados, de modo que o juízo equitativo para arbitramento dos honorários sucumbenciais ficou reservado às situações de caráter excepcionalíssimo, diminuindo, claramente, a subjetividade do julgador ao especificar as hipóteses de cabimento da fixação dos honorários de sucumbência através da apreciação equitativa.

Em um breve comparativo, durante a vigência do CPC/1973 era possível a fixação dos honorários por equidade nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houvesse condenação ou fosse vencida a Fazenda Pública e nas execuções, embargadas ou não.

A fixação da verba honorária devida pelos entes públicos nas causas de valor irrisório ou de valor exorbitante era feito sempre pelo critério da equidade, o que há muito tempo restou pacificado no entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, não ficando o órgão julgador adstrito ao piso de 10% estabelecido no artigo 20, §3º, do CPC/1973.

Já o §8º do artigo 85 do CPC/15 é cristalino ao determinar que o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa apenas nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo.

Assim, conforme estabelecido pelo referido artigo 85, não há mais dúvidas acerca da ordem a ser seguida pelo magistrado ao fixar os honorários advocatícios nas causas contra a Fazenda Pública:

1º) A verba honorária deve ser fixada entre 3% e 20% sobre o valor da condenação, não podendo deixar de ser observado o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e a importância da causa e o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço, respeitando as faixas previstas nos cinco incisos do artigo 85, §3º, do CPC;

2º) Apenas se não houver condenação a verba honorária deverá ser fixada entre 3% e 20% sobre o proveito econômico obtido pelo vencedor ou, não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, sobre o valor atualizado da causa; também respeitando os valores das cinco faixas (artigo 85, § 3º, do CPC); e

3º) Por último, havendo ou não condenação, e exclusivamente nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou em que o valor da causa for muito baixo, os honorários deverão ser fixados por apreciação equitativa. Mas, ainda assim, deverá observar o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

Por mais claro que possa parecer seu conteúdo, nas demandas contra a Fazenda Pública, nas quais esta saia vencida e seja condenada em verba sucumbencial, alguns tribunais têm se utilizado de critérios diversos das balizas objetivas relacionadas aos percentuais previstos no §3º do artigo 85 do CPC/2015, violando a legislação federal indicada, especificamente em relação ao disposto no §8º do mesmo diploma processual.

Em que pese não existir qualquer previsão no CPC/15 e claramente a demanda, na maioria das situações execuções fiscais, não se enquadrar nos parâmetros de causa com valor inestimável ou irrisório ou com valor muito baixo, definidos pelo §8º do artigo 85 do CPC/85, alguns magistrados têm aplicado interpretação extensiva do referido dispositivo para se utilizar da equidade nas hipóteses em que a verba honorária se mostrar excessiva e, assim, fixar honorários fora dos parâmetros do §3º.

Alguns magistrados, nas demandas com elevado valor da causa, em franca violação à literalidade do §8º do artigo 85 do CPC/15, argumentam que a fixação dos honorários nos percentuais do §3º causaria gravame excessivo à Fazenda Pública e que entendimento diverso implicaria ofensa aos princípios da vedação do enriquecimento sem causa, razoabilidade e proporcionalidade.

Como se não bastasse, utilizando-se de interpretação distorcida do §8º do artigo 85 do CPC/15, nas execuções fiscal envolvendo débitos com vultuosos valores, corriqueiramente alguns magistrados se debruçam na apreciação equitativa para aplicar honorários sucumbências inferiores a 1% sobre o valor da causa.

Dessa forma, é totalmente desprezado o fato de que o valor da causa influencia diretamente no montante dos honorários a serem fixados, pois um dos critérios previstos no artigo 85, §2º, do CPC/2015 é a natureza e importância da causa, de modo que quanto maior o valor discutido maior será a responsabilidade que possui o advogado patrono.

E nem se alegue que, ao considerar a natureza e importância da causa, o valor dos honorários aplicado seria exorbitante, pois o §5º artigo 85 do CPC dispõe que aos honorários em processos nos quais a Fazenda Pública é parte deve ser aplicado o escalonamento dos incisos do §3º do mesmo dispositivo legal, justamente para evitar que fiquem abusivos os valores e, ao mesmo tempo, não permitindo que sejam irrisórios.

É inadmissível desprezar o tempo do advogado consumido pelo processo e a responsabilidade que os patronos da parte executada assumem ao aceitar defendê-la em uma execução fiscal, que na grande maioria costuma se arrastar por mais de uma década no Poder Judiciário.

A complexidade e o valor da causa, incluindo o proveito econômico obtido, não justificam o arbitramento dos honorários fora dos parâmetros estabelecidos pelo artigo 85, §3º, do CPC/15.

Muito pelo contrário, o valor e a complexidade da causa e o tempo exigido dos patronos para elaboração da defesa constituem critérios para fixação dos honorários de sucumbência dentro dos parâmetros estabelecidos pelo artigo 85, §3º, do CPC/15, quais sejam, mínimo de 10% e máximo de 20% sobre o proveito econômico obtido.

É totalmente contraditório alegar excessividade na condenação da Fazenda Pública em honorários advocatícios com base nos parâmetros estabelecidos pelo artigo 85, §3º, do novo CPC, já que o escalonamento previsto no mesmo foi instituído exatamente para preservar o erário e, ainda, manter a razoabilidade e a objetividade na fixação de honorários.

O CPC/2015, através do artigo 85, §§§2º, 3º e 5º, instituiu critérios concretos e claros para que fossem evitados excessos na fixação de honorários sucumbenciais, não sendo possível lançar mão da fixação equitativa.

Não se pode ignorar que o risco da demanda deve ser compartilhado pelas partes. Quando a Fazenda Pública alcança o êxito em uma demanda fiscal, certamente serão devidos honorários em favor da atuação fazendária.

Por outro lado, deve a Fazenda Pública também assumir o ônus de sua sucumbência, sobretudo por existirem, conforme mencionado, critérios suficientemente claros e já bastante benéficos à mesma, previstos no artigo 85, §3º, do CPC.

Aliás, utilizar-se da apreciação equitativa para reduzir a condenação da Fazenda Pública em honorários abaixo dos parâmetros do previstos no artigo 85, §3º, do CPC viola o princípio da isonomia, consagrado pela Constituição Federal como cláusula pétrea, uma vez que o valor executado, no momento do ajuizamento do processo de execução fiscal, é automaticamente majorado em 20% para exatamente cobrir os honorários advocatícios devidos à Fazenda Nacional, caso o crédito realmente seja devido pelo executado.

Inexistindo excepcionalidade que autorize a incidência do artigo
85, §8º, do CPC/15, de aplicação subsidiária, é imperativa a imposição das balizas objetivas relacionadas aos parâmetros dos §§2º e 3º do aludido artigo 85 do CPC/15.

Diante de tantas controvérsias acima expostas, a Corte Especial do STJ afetou conjuntamente, sob o Tema 1.076, os Recursos Especiais nºs 1.850.512/SP e 1.877.883/SP ao rito dos recursos repetitivos, e os Recursos Especiais nºs 1.906.623/SP e 1.906.618/SP como representativos da controvérsia, a fim de delimitar o alcance da norma expressa no §8º do artigo 85 do atual Código de Processo Civil nas causas contra a Fazenda Pública em que o valor da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados.

Ressalta-se que, anteriormente, o STJ já havia afetado os recursos especiais — REsp 1.812.301/SC e REsp 1.822.171/SC (Tema 1.046) — também sob a sistemática do rito de repetitivos, a fim de discutir a possibilidade de fixação de honorários advocatícios com fundamento em juízo de equidade, nos termos do artigo 85, §8º, do CPC/15, mas o tema da afetação, além de ser mais abrangente, não atinge especificamente a sistemática de fixação de honorários contra a Fazenda Pública, objeto do §3º também do artigo 85 do CPC, não se restringindo apenas aos casos de direito público ou aos de direito privado.

O desvirtuamento da norma expressa no §8º do artigo 85 do CPC/15, que representa um verdadeiro retrocesso na luta pela prestação jurisdicional mais justa, tornou extremamente necessário o pronunciamento da Corte Especial do STJ, a fim de privilegiar a segurança jurídica e o papel constitucional de uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional, especialmente da legislação processual em questão.

Assim, no dia 15/12/2021 teve início o julgamento, pela Corte Especial do STJ, dos aludidos recursos especiais afetados ao Tema 1.076, no qual o ministro relator Og Fernandes proferiu voto no sentido de afastar a apreciação equitativa nas causas em que o valor da causa ou o proveito econômico da demanda for elevado, mantendo a aplicação ipsis litteris do disposto no §8º do artigo 85 do CPC/15, no que foi acompanhado pelos votos dos ministros Mauro Campbell Marques e Jorge Mussi. A ministra Nacy Andrighi pediu vista, suspendendo o julgamento.

Espera-se que a corte dê um posicionamento consolidado a respeito do tema, evite retrocessos e afaste a apreciação equitativa do julgador nas causas em que o valor da causa ou o proveito econômico da demanda for elevado e mantenha a aplicação ipsis litteris do disposto no §8º do artigo 85 do CPC/15.

Caso seja concretizada a equivocada interpretação do §8º do artigo 85 do CPC/15, haverá mais insegurança jurídica no âmbito processual, por total falta de respeito ao texto expresso em lei.

E, claro, isso representará um incentivo aos excessos nas execuções fiscais por parte da Fazenda Pública, na certeza do baixo risco de condenação nos casos em que for vencida.

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