Opinião

A PEC do Calote dos Precatórios e a decepção com a classe de advogados

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4 de fevereiro de 2022, 13h39

Trago aqui, neste início de ano, uma reflexão sobre a falta de mobilização de boa parte da classe dos advogados, que tantas vezes se abstem de lutar contra injustiças. Foi assim durante a aprovação da PEC 23/2021, a PEC do Calote dos Precatórios, de autoria do governo federal, no apagar das luzes de 2021.

Em dezembro último, estive no Senado para acompanhar a votação da PEC, como advogada e militante, junto com cinco colegas, com o intuito de tentar fazer alguma diferença e lutar por direitos dos brasileiros. Aliás, agradeço aos cinco colegas que estiveram presentes na sessão que aprovou a PEC do Calote, agora lamentavelmente sancionada pelo presidente da República. Gostaria que eles tivessem se multiplicado por mil, tendo a absoluta certeza de que, se fôssemos mais, o Brasil não sairia perdendo em várias ocasiões.

Nasci em família que me ensinou a não esmorecer e ir até o fim quando se tem um objetivo ético e legítimo. Fui ao Senado para lutar pelo respeito aos créditos públicos, pela saúde financeira do país e pelo nosso futuro.

Sou da terceira geração da família a trabalhar com precatórios, e moralmente me senti no dever de sair do nosso escritório, no Rio, e participar, também como cidadã, da votação da PEC em Brasília. Sabe por quê? Precatórios são as dívidas judiciais definitivas que os entes públicos (governo federal, estados e municípios) devem pagar aos seus credores, e não podemos nos conformar com o calote imposto pelo próprio devedor de forma unilateral.

Vamos dar um exemplo. Sabe quando você não paga a fatura do cartão de crédito e isso se torna uma dívida do banco contra você? Então, vamos agora imaginar que a União não conseguiu pagar o cartão de crédito para o banco. Isso se tornaria um precatório. A lógica é a mesma, pois é uma dívida. Se o precatório existe, se há uma sentença definitiva do Judiciário, sem qualquer possibilidade de recurso, é porque o Estado fez algo de errado e precisa ressarcir a pessoa lesada.

A diferença é que nós, brasileiros, cidadãos comuns, somos penhorados na conta quando não pagamos o banco, certo? No entanto, o governo apresentou a PEC do Calote, a 23/2021, e esse cenário vem se repetindo nos últimos anos. Já sofremos outras moratórias dos precatórios com as emendas constitucionais EC 30/2000, EC 62/2009, EC 94/2016, EC 99/2017 e EC 109/21. Ou seja, não é a primeira e nem a segunda vez que permitimos esse absurdo.

Sim, o governo erra, lesa um cidadão, o credor (a quem ele deve) recorre ao Judiciário e, infelizmente, é obrigado a aguardar até 30 anos ou mais por uma decisão favorável. Nós, meros mortais, nunca conseguiríamos postergar no banco um prazo tão extenso, correto? Essa é a injustiça contra a qual tanto luto.

No meu dia a dia, vejo cidadãs com mais de cem anos que tiveram de esperar décadas para receber pensões alimentícias devidas pelo Estado, e agora ainda têm de assistir a esse novo vexame. A apresentação de uma PEC do governo que atropela direitos reconhecidos pela Constituição Federal e impõe a moratória, adiando o pagamento dos direitos legítimos dos credores.

Mas o bom exemplo não deveria vir deles? Bom, senti no Congresso, em Brasília, e continuo sentindo agora muita falta de combatividade, ousadia e senso de civilização. A começar pelos advogados que atuam nas áreas e não saem dos seus escritórios para lutar por direitos e mudar essa triste realidade.

No Congresso, me senti particularmente decepcionada com a nossa classe, pois percebi a inépcia absurda. Portanto, poderíamos ter tentado evitar que o governo, mais uma vez, enganasse a nação brasileira levando a informação correta aos parlamentares. No fim, a culpa foi nossa.

Espero que esta seja a última PEC da moratória de precatórios. Aliás, o Supremo Tribunal Federal terá a oportunidade de corrigir as inconstitucionalidades das emendas (in)constitucionais aprovadas. Mas meu grande desejo para 2022 é ter orgulho da classe de advogados brasileiros.

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