A (im)possibilidade de arbitramento de honorários em incidentes processuais
3 de fevereiro de 2022, 21h56
O artigo 85 do NCPC consigna que a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. Como a lei não contém palavras inúteis, conclui-se que apenas pronunciamento judicial dessa natureza tem o condão de imputar aludida condenação.
Pois bem. Os incidentes processuais, em especial pela entrada em vigor do NCPC, ganharam relevo em debates doutrinários que buscam chegar a um consenso no que diz respeito à possibilidade, ou não, de serem arbitrados honorários advocatícios, seja pela sua admissão ou inadmissão.
Incidente processual é uma questão acessória, lateral ao mérito de determinada demanda, mas que necessita de uma solução sem que seja necessária a instauração de nova ação, duplicando os autos.
Citando alguns exemplos de incidentes processuais, temos o incidente de suspeição ou impedimento, incidente de desconsideração da personalidade jurídica, o incidente de resolução de demandas repetitivas, o incidente de assunção de competência, entre outros.
Em minha opinião, não chegam a ser consideradas ações incidentais, como a reconvenção e os embargos à execução, que ampliam consideravelmente o objeto da demanda, mas materializam questões que necessitam de uma decisão sem, regra geral, alargar demasiadamente os limites subjetivos e objetivos inicialmente propostos, a matéria decidida é umbilicalmente vinculada à originária. Situações de relevo merecem abordagem antes de adentrarmos a posição dominante do STJ acerca do tema:
Interessante questão diz respeito à condenação sucumbencial honorária do autor no pedido de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, nova modalidade de intervenção de terceiros, caso seja julgado improcedente ou inadmitido o incidente.
Em que pese ter traços de uma ação autônoma, obrigando a citação dos sócios da pessoa jurídica ré e a resposta ao incidente por meio de contestação, o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que não é possível a condenação em honorários advocatícios ao sucumbente no incidente.
O entendimento do pretório excelso é no sentido de que não existe a possibilidade de condenação em honorários sucumbenciais em incidentes processuais por falta de previsão legal, ausência de dispositivo autorizador, exceto naqueles incidentes que venham a modificar substancialmente a natureza do próprio processo principal ou tenham a força para extingui-lo, sempre por meio de sentença [1].
Outra interessante situação diz respeito ao incidente de impugnação ao cumprimento de sentença que, em regra, não carrega consigo a condenação em verbas sucumbenciais mesmo em caso de provimento.
Porém, existe exceção a essa regra. Existem doutrina e precedentes (minoritários) que conduzem à conclusão de que caso o executado alegue excesso de execução e o juiz assim acolha, reduzindo substancialmente o montante executado sem extinguir o mérito, caberá a condenação do exequente em honorários advocatícios [2]. De importante menção, o termo "reduzir substancialmente o valor da execução", usado no precedente, é vago, indeterminado e deve ser interpretado caso a caso pelo juiz.
Trata-se de construção jurisprudencial desenvolvida pelo Superior Tribunal de Justiça, na qual releva-se o cuidado de fixar os honorários caso a execução sofra substancial mudança, dando relevo ao trabalho cognitivo do advogado constituído.
Outro exemplo interessante, e que pode levar o operador do Direito a uma certa confusão, ocorre quando o executado impugna a execução alegando que a dívida já foi paga, argumento extintivo da defesa, o qual, em caso de acolhimento, extinguirá o cumprimento de sentença.
Ocorre que, no caso mencionado, esse acolhimento terá a natureza de sentença, abrangida pelo parágrafo primeiro do artigo 85 do NCPC. Logo, não serão cabíveis os honorários em virtude do incidente de impugnação, mas, sim, pela natureza da decisão que extingue o cumprimento e fixa os honorários, como também é descrito pelo caput do mesmo artigo.
Nos dizeres do artigo 85, caput e parágrafo primeiro, resta claro que apenas as decisões com natureza de sentença têm a aptidão de gerar os ônus sucumbenciais, trazendo o aludido parágrafo à exceção, qual seja, nos recursos interpostos, nesse último caso cumulativamente, através do julgamento colegiado materializado pelo acórdão.
Ponto de destaque, ligado aos infindáveis debates acerca dos honorários advocatícios no novo CPC, diz respeito à possibilidade da incidência de honorários em decisões interlocutórias parciais de mérito (que, por óbvio, não configuram incidentes processuais), já tendo sido argumentado o assunto pelos tribunais do país e sendo aceita a fixação, pois trata-se de uma decisão que julga parte do pedido, fazendo ela coisa julgada, devendo ser arbitrados os honorários proporcionais, afinal, apesar de interlocutória, tal decisão extingue parcela do mérito.
A respeito, oportuno citar o enunciado número 5 da I Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal, in verbis: "Ao proferir decisão parcial de mérito ou decisão parcial fundada no artigo 485 do CPC, condenar-se-á proporcionalmente o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor, nos termos do artigo 85 do CPC".
Em que pese as exceções elencadas e construções jurisprudenciais e doutrinárias, não aparecem nos dizeres do artigo 85 incidentes processuais, o que revela as razões de decidir dos julgados proferidos pelo STJ [3].
O tribunal superior, nos precedentes citados, realiza uma interpretação coerente e racional da letra da lei, pois decidindo de outra maneira surgiria no ambiente jurídico uma grande insegurança acerca do tema.
Ora, a condenação em honorários advocatícios constitui ônus processual imposto ao vencido na demanda (princípio da sucumbência), ou em caso de extinção processual sem análise do mérito por aquele responsável por dar causa à demanda (princípio da causalidade).
Por dizer respeito a ônus/dever processual do vencido ou causador, deve estar previsto em lei federal, pois somente a união tem a prerrogativa de legislar sobre Processo Civil, nos ditames do artigo 22, inciso I, da Constituição Federal.
Em razão disso, caminhou pela lógica e pelo respeito ao texto legal o Superior Tribunal de Justiça ao negar o cabimento da condenação em honorários advocatícios quando se trata de decisões de incidentes processuais, excetuando-se os casos acima detalhados.
Uma questão importante se delineia por força dos precedentes citados. Qual seria a profundidade da modificação substancial causada na demanda pela resolução do incidente, apta a gerar os honorários advocatícios?
Para mim, a questão parece estar bem delineada no voto do relator, ministro Humberto Martins, quando diz que os honorários só serão cabíveis nos incidentes processuais, em razão de ausência de previsão legal, na hipótese em que causar a extinção do feito principal, situação na qual será necessária a prolação de uma sentença, como, por exemplo, no acolhimento de exceção de pré-executividade [4].
Tal conclusão reflete o dito linhas acima, quando foi mencionado que a substancial mudança causada pela decisão do incidente é a extinção da lide originária, reclamando a prolação de uma sentença, excetuando-se a hipótese de incidente de impugnação ao cumprimento de sentença que é acolhida reconhecendo o excesso de execução, hipótese essa que altera substancialmente o cumprimento, mas não o extingue.
Concluindo, não é possível a incidência de honorários advocatícios em sede de incidentes processuais por falta de previsão legal, exceto aqueles com força para extinguir o feito principal por meio da prolação de uma sentença, ou no caso de substancial mudança de seu conteúdo.
[1] Agravo de inst. No RESP 1.834.210/SP.
[2] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. 3. Despesas e honorários: incidentes processuais. In: MARCATO, Antônio Carlos (Coord.). Código de Processo Civil Interpretado. 3. Ed. São Paulo: Atlas, 2008. P. 74) / EDcl no REsp 1759643/SP, jurisprudência em teses n° 129.
[3] EREsp 1.366.014/SP.
[4] AgRg no AgRg no AREsp 255.343/SP.
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